Eduardo Ferreira, Carolina de Almeida Castelo Branco, Caio Souza Moraes, Isabella C. Cristino, Gabriel B. Nagle de Oliveira e Victor Leandro Gomes

O Acordo de Paris, aprovado em 2015 com o objetivo de diminuir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) no mundo e mitigar o aumento da temperatura terrestre ocasionada pelo aquecimento global, substituiu o Protocolo de Kyoto (1997) e contou com a assinatura de 191 países, incluindo o Brasil. O acordo definiu metas de redução da emissão de GEE para cada um dos países signatários. Nos termos estabelecidos pela Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês), o Brasil se comprometeu a reduzir suas emissões líquidas totais de GEE em 37% até 2025 e em 43% até 2030. As metas foram estipuladas considerando as emissões constatadas em 2005.

Atualmente, países de todo o mundo buscam alternativas para atingir seus objetivos. Na medida em que a descarbonização de processos produtivos e a utilização de fontes de energia limpa têm sido apontadas como caminhos para atingir as metas de redução de emissões, ganham destaque as discussões sobre a utilização do hidrogênio verde ‒ hidrogênio obtido a partir da separação da molécula de água por meio da eletrólise, com o emprego de energia elétrica advinda de fontes renováveis. O hidrogênio verde é considerado uma das principais alternativas para a transição energética na economia de baixo carbono e traz perspectivas animadoras para diversos setores e investidores. Mas, para torná-lo viável e comercialmente competitivo, é importante criar mecanismos que permitam aferir os benefícios ambientais decorrentes da utilização de uma matriz energética baseada em fontes renováveis.

A Lei Federal nº 14.120/21 instituiu metas para que o Estado brasileiro defina diretrizes para a implementação de mecanismos que considerem benefícios ambientais no setor elétrico. A norma recém-promulgada prevê, entre outros aspectos, o fim da concessão de outorga para os descontos de tarifa de uso dos sistemas de transmissão e distribuição (TUST e TUSD) para as fontes renováveis de energia, regime que concedia subsídios de 50% a 100% na utilização das redes de transmissão e distribuição de energia elétrica para a energia produzida a partir de fontes renováveis.

Para substituir o regime, o artigo 4º da lei prevê a definição de diretrizes “para a implementação, no setor elétrico, de mecanismos para a consideração dos benefícios ambientais”. Essas diretrizes deverão ser instituídas pelo Poder Executivo, por meio do Ministério de Minas e Energia, até setembro deste ano.

Como forma de instrumentalizar o que se convencionou chamar de “consideração de benefícios ambientais'', destaca-se a precificação de carbono, que corresponde à incorporação dos impactos socioambientais gerados pelas emissões de GEE nos custos de produção. Essa medida financeira direciona esses custos e efeitos (externalidades negativas) ao responsável pela poluição, em alinhamento com o princípio do poluidor pagador.

Uma das formas mais conhecidas de precificar o carbono é estabelecer um mercado de carbono, que pode ser dividido em dois tipos:

  • mercado regulado, no qual o governo (nacional, estadual ou regional) estabelece limites legais de emissões a serem observados e metas de redução associadas; e
  • mercado voluntário de carbono, no qual as corporações, por iniciativa própria, acordam metas internas para a neutralização e diminuição dos lançamentos de GEE, a fim de compensar ou reduzir as emissões de carbono atreladas às suas atividades operacionais.

Em relação ao mercado regulado de carbono, o controle e a regulação das emissões de GEE podem se dar por meio da implementação de um imposto sobre o volume de carbono vinculado aos processos produtivos e/ou da criação de um sistema de comércio de créditos de emissões.

A tributação do carbono, que acarreta o aumento dos custos de produção de acordo com a “intensidade de carbono” na fabricação do produto ou realização do serviço, opera concomitantemente como um mecanismo de estímulo às atividades menos intensivas em carbono. Tais atividades gozarão de maior competitividade de mercado, dado o menor custo produtivo, podendo se beneficiar ainda de subsídios e/ou isenções específicas. Atua também como desestímulo às atividades intensivas em carbono, cujos processos produtivos poderão ser onerados tanto pela taxação fixa quanto por procedimentos de tributação progressiva.

De maneira geral, para os setores regulados, a tributação de carbono tem menor custo de implementação e de adoção, mas oferece pouca certeza sobre a efetividade na redução de emissões e no alcance dos objetivos pretendidos, seja pela dependência direta da capacidade de pagamento das corporações e real compromisso delas com o cumprimento das metas climáticas, seja pelo risco de dominância de objetivos fiscais e arrecadatórios. No Brasil, especialmente, a medida é pouco popular em razão da grande carga tributária existente.

A criação de um sistema interno de limites e de comércio de créditos ligados às emissões de GEE, por sua vez, também conhecido como cap-and-trade ou emission trading system (ETS, em inglês), tenderia a estabelecer quotas máximas de emissões permitidas (cap), dando aos agentes econômicos participantes desse mercado condições de negociar (trade) suas licenças de emissões (allowances), observados determinados limites. Esse sistema privilegia e incentiva a busca por maior eficiência energética nos setores produtivos, permite controle maior da meta global de emissões e relega o ajuste dos preços dos créditos comercializados ao próprio mercado, com fundamental influência da legislação aplicável.

Como instrumento de precificação de carbono, essa é uma medida complexa e que exige cenários regulatórios e institucionais favoráveis, demandando ainda grande dispêndio de recursos e maior esforço legislativo. Além disso, requer uma implementação mais gradual, para acomodação do mercado e adaptação dos agentes econômicos envolvidos, favorecendo a consolidação da governança climática na trajetória para a transição econômica de baixo carbono.

No Brasil, já existe um mercado regulado que estimula a produção de biocombustíveis (etanol, biodiesel e biogás), no qual é emitido um crédito específico: os denominados créditos de descarbonização (CBIOs). Um CBIO corresponde à emissão evitada de uma tonelada de carbono no meio ambiente, funcionando como um mecanismo de comprovação do cumprimento das metas anuais individuais de redução de gases de efeito estufa por parte das empresas distribuidoras de combustíveis.

Já o mercado voluntário de carbono, diferentemente do sistema regulado, não conta com instrumentos ou mecanismos de precificação determinados. Isso permite não só que os atores participantes estabeleçam, de maneira voluntária, os seus próprios limites de emissões de GEE e respectivas metas de redução, mas também que o volume remanescente dessas emissões seja comercializado livremente, observado o limite voluntariamente estabelecido.

Seguindo essa lógica, empreendimentos ligados à produção ou que utilizem energia elétrica oriunda de fontes renováveis, como usinas hidrelétricas, parques eólicos ou solares (e até mesmo as potenciais usinas de produção de hidrogênio verde), poderão apresentar significativa vantagem financeira e competitiva, já que haverá a opção de negociar seus créditos como ativos no mercado voluntário. Isso aumentará o valor agregado dos seus negócios e auxiliará empreendimentos incapazes de cumprir os limites de emissões autoestabelecidos por meio da compensação dos créditos pela emissão excedente.

Independentemente do sistema ou medida a ser implementado, a efetivação de instrumentos voltados à precificação do carbono se mostra fundamental para reduzir o volume de emissões de GEE ligados às atividades desenvolvidas no país e para atender o compromisso global ratificado no Acordo de Paris. É possível a adoção tanto do mercado regulado quanto da taxação do carbono, em um regime híbrido, utilizando-se o controle de preços dentro de um sistema de mercado como forma de reduzir a variação dos créditos transacionados.

O Projeto de Lei nº 528/21, que visa estabelecer o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões ‒ em consonância com as diretrizes estabelecidas na Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei Federal nº 12.187/09) ‒, está em discussão no Congresso Nacional.

Iniciativas internacionais de precificação de carbono

Ampliando o debate para uma perspectiva global, diversos países já começaram a incluir políticas de precificação de carbono em seu mercado interno. Um exemplo é a Austrália, que tem diversos mecanismos para a precificação do carbono. Entre eles, destacam-se o Fundo de Redução de Emissões, cuja função é fornecer unidades de crédito de carbono australianas (ACCUs), e o Objetivo das Energias Renováveis, responsável por criar certificados negociáveis de geração em grande escala (LGC) e certificados de tecnologia em pequena escala (STC).

O governo australiano também dispõe de esquemas estatais para mercados de carbono locais, como é o caso do Esquema de Poupança de Energia de Nova Gales do Sul e do Objetivo de Eficiência Energética Vitoriana. Ambos incentivam a instalação de equipamentos eficientes em termos energéticos.

Já houve na Austrália um mecanismo de tributação de carbono, introduzido em 2011 pelo Clean Energy Act, por meio do qual entidades responsáveis, nos termos da lei, deveriam anualmente divulgar a quantidade de carbono emitida e pagar uma multa correspondente. Mesmo apresentando equidade e eficiência no mecanismo de tributação de carbono, a política não obteve credibilidade política, sendo revogada anos depois. Após revisões e alterações no sistema, entrou em vigor em 2016 o mecanismo de salvaguarda, que opera sob a estrutura do Esquema Nacional de Relatórios de Efeito Estufa e Energia e se aplica a instalações com emissões diretas de mais de 100 mil toneladas de dióxido de carbono equivalente (tCO2e) por ano.

No Canadá, na província de Quebec, a política de mercado de carbono foi adotada em 2013 atrelada aos setores elétrico, industrial, de transportes e residencial. A iniciativa não gera ônus ao orçamento familiar, uma vez que o Canadá resolveu essa questão ao devolver as receitas dos preços do carbono às famílias, sob a forma de abatimento fiscal ou por meio de investimentos específicos. Entre outras medidas, atualmente, o governo do Canadá está desenvolvendo um sistema federal de compensação de GEE, baseado na Estrutura Pan-Canadense de Compensações de Gases de Efeito Estufa (Estrutura de Compensação), acordada pelo Conselho Canadense de Ministros do Meio Ambiente (CCME) em 2018.

Na América Latina, o Chile está em vias de implementar um sistema híbrido, que inclui a tributação de carbono adotada desde 2014 e a possível criação de um mercado de carbono a ser apresentado ao Conselho de Ministros do Desenvolvimento Sustentável em 2021. No entanto, as alíquotas tributárias introduzidas tiveram pouca eficácia na redução de emissões. Atualmente, o imposto de carbono se aplica às instalações que emitem 25 mil toneladas de dióxido de carbono (tCO2) ou mais e àquelas que liberam mais de 100 toneladas de material particulado no ar a cada ano.

Com um sistema de tributação de carbono desde 1991 incidindo sobre todos os combustíveis de origem fóssil e atividades ligadas aos setores de transporte e edificações, a Suécia vem conseguindo bons resultados a partir de um extenso e gradual processo de diálogo, deliberação social, confiança política e transparência antes da implementação.

Com base nas experiências internacionais existentes, o Banco Mundial produziu recomendações para a realização de uma boa implementação de sistemas de precificação de carbono:

  • Desenho adequado do instrumento para garantir distribuição justa dos custos e benefícios, alinhamento de políticas e objetivos, estabilidade e previsibilidade, transparência, eficiência, confiabilidade e integridade ambiental;
  • Esforço para incentivar e manter a aceitação pública, evidenciando principalmente os benefícios e minimizando possíveis aversões;
  • Introdução gradual (projeto piloto ou introdução por etapas) para que consumidores e agentes possam se adaptar;
  • Avaliação e definição cuidadosa de medidas para mitigar vazamentos e riscos na distribuição;
  • Destinação adequada das receitas de precificação de carbono às circunstâncias política e econômica; e
  • Comunicação clara, transparente e cuidadosamente trabalhada.

Como a implementação de uma política de precificação de carbono é uma situação complexa, as recomendações se tornam essenciais para sua efetivação.

A adoção de ferramentas ou sistemas que considerem benefícios ambientais e, fundamentalmente, de precificação do carbono tem grande potencial para contribuir com o desenvolvimento sustentável, envolvendo uma multiplicidade de atores e complexas questões regulatórias e institucionais. O duplo papel dessas iniciativas, que atuam tanto como ferramenta de controle das emissões dos atores do mercado quanto como forma de impulsionar mudanças nos sistemas de produção das empresas (no sentido da eficiência energética), encontra sinergia na polivalência do hidrogênio verde, que representa um insumo cuja viabilidade financeira e competitiva pode ser acentuadamente otimizada pela precificação do carbono.

Referências bibliográficas

BRASIL – Lei nº 14.120/21.

CEBDS – Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável. Precificação de carbono: o que o setor empresarial precisa saber para se posicionar. CEBDS, 2016.

EPE - Nota Técnica Precificação de Carbono: Riscos e Oportunidades para o Brasil. Ministério de Minas e Energia. 2020.

EPE - 1º Workshop, Consideração de Benefícios Ambientais no Setor Elétrico (Lei 14.120/21). 13, 16, 19 e 20 de abril de 2021.

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