Ao longo dos últimos anos, o estado de São Paulo vem adotando medidas para coibir a prática de queimadas – técnicas tradicionais agropastoris em que se ateia fogo a uma vegetação para promover a limpeza do local – em áreas de cultivo de cana-de-açúcar. No ano de 2017, por exemplo, foi celebrado o Protocolo Etanol Mais Verde entre a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e o setor sucroenergético. Uma de suas diretivas técnicas é a eliminação do emprego do fogo como método agrícola pré-colheita para despalha de cana-de-açúcar nas áreas certificadas. O intuito é reduzir as emissões de gases do efeito estufa, proteger as matas ciliares e nascentes e estimular a adoção de boas práticas de conservação do solo.

Recentemente, no dia 11 de fevereiro de 2021, a 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal da Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) homologou o acordo extrajudicial firmado entre a Cetesb e o setor sucroalcooleiro, representado pela União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo (Unica) e pela Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil (Orplana).

O acordo, que representa uma iniciativa pioneira da Cetesb, visa equacionar os débitos ambientais decorrentes da lavratura de Autos de Infração e Imposição de Penalidade de Multa (AIIPMs), tendo por objeto infrações decorrentes de incêndios em área de cultivo de cana-de-açúcar do estado de São Paulo: “Constitui objeto do presente Acordo Extrajudicial a formalização para prosseguimento à liquidação dos débitos em aberto não inscritos em Dívida Ativa oriundos de Auto de Infração e Imposição de Penalidade de Multa decorrentes da constatação de incêndio em área de cultivo da cana-de-açúcar lavrados até 31.12.2019.” De acordo com a legislação ambiental, considera-se incêndio todo fogo que avança de forma descontrolada sobre a vegetação.

As tratativas de acordo foram realizadas em virtude das diversas ações judiciais em andamento questionando a validade dos AIIPMs relacionados a incêndios nas áreas de cultivo. Os julgamentos mais recentes do TJSP indicaram tendência de mudança no entendimento sobre os AIIPMs lavrados pela Cetesb, com reiteradas decisões apontando a ausência de nexo de causalidade entre a conduta dos autuados (proprietários e possuidores das áreas e até mesmo usinas de cana-de-açúcar) e os incêndios nas áreas de cultivo.

Diante disso, com a finalidade de encerrar as diversas demandas pendentes e a controvérsia acerca das autuações relacionadas a incêndios nas áreas produtoras de cana-de-açúcar, a Cetesb propôs o acordo, visando dar oportunidade aos autuados de liquidar os débitos oriundos de AIIPMs lavrados até 31 de dezembro de 2019, desde que ainda não inscritos em dívida ativa.

Dentre as obrigações mais relevantes do acordo figuram:

  • a obrigação de realizar o pagamento do valor objeto da autuação em cota única ou em até 18 parcelas mensais;
  • a renúncia a quaisquer recursos administrativos que tenham sido interpostos perante a Cetesb; e
  • a desistência da ação em que se discute a validade dos AIIPMs lavrados pela Cetesb.

Em paralelo, a Cetesb compromete-se a manifestar sua concordância com a desistência das ações judiciais ajuizadas pelos empreendedores.

Caso a parte interessada decida quitar o débito em cota única, o desconto aplicado sobre o valor corrigido do débito é de 75%. Se optar pelo parcelamento, poderá obter 50% de desconto sobre o valor corrigido do débito.

Em vídeo de apresentação do contexto e das disposições do acordo disponibilizado pela Cetesb em 17 de março de 2021, foram divulgados detalhes adicionais sobre os desdobramentos do acordo, dentre os quais destacamos que a adesão ao acordo: (i) não será considerada para fins de constatação de reincidência em infrações administrativas, uma vez que foram adotados novos parâmetros para o ano de 2020; e (ii) não constitui confissão do cometimento da suposta infração.

A adesão ao acordo e o desconto concedido pela agência ambiental não implicam renúncia a eventual dever de recomposição de áreas ambientalmente degradadas. A Cetesb também informou que, a partir de 2020, sua atuação no procedimento de identificação do nexo causal relacionado aos incêndios será pautada em parâmetros diferentes, com base na Decisão de Diretoria da Cetesb n° 29/20, em consonância com a mudança de entendimento manifestada pelo TJSP em recentes julgamentos.

A mudança de postura da Cetesb garante maior segurança jurídica e demonstra compromisso com o setor sucroalcooleiro, que desempenha importante papel na agenda de mudanças climáticas. No futuro, o acordo pode ainda servir como um case de sucesso para orientar e embasar novas avenças entre os órgãos ambientais e os demais setores econômicos que também apresentem número significativo de litígios judiciais em andamento para discussão de penalidades aplicadas na esfera administrativa.