Os incidentes de poluição por óleo demandam um conjunto coordenado de procedimentos e ações para mitigar seus possíveis impactos, sejam eles de cunho corporativo ou ecossistêmico. Não é à toa que essas situações de crise são objeto da atualização constante de normas, a fim de impor obrigações para minimizar as consequências, gerar menores prejuízos e possibilitar a identificação de oportunidades de melhoria, tanto para empreendedores quanto para o poder público regulador.

O Decreto Federal 10.950/22, que dispõe sobre o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional (PNC), foi editado para regulamentar a Lei Federal 9.966/00, que estabelece regras para prevenção, controle e fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional. Teve impacto na decisão o recente evento de derramamento de petróleo na costa do Peru, cujas manchas de óleo chegaram a atingir parte do litoral do estado do Ceará.

Promulgado como uma espécie de atualização do PNC instituído pelo Decreto Federal 8.127/13, já revogado, o novo instrumento normativo fixa responsabilidades, estabelece estrutura organizacional e define diretrizes, procedimentos e ações, com a finalidade de:

  • garantir a atuação conjunta e coordenada dos setores público e privado em medidas de resposta a incidentes de poluição por óleo em águas sob jurisdição nacional;
  • atenuar possíveis danos ambientais; e
  • evitar, ao máximo, os prejuízos à saúde pública.

De modo geral, o PNC será acionado nos casos de incidentes de poluição por óleo de grandes proporções e considerados de significância nacional pelo Grupo de Acompanhamento e Avaliação (“GAA”)[1], nos quais as ações individualizadas dos responsáveis – diretos ou indiretos – por estruturas fluviais ou marítimas/portuárias, previstas nos seus respectivos Planos de Emergência Individual, não se mostrarem suficientes para reverter o problema.

Em tais circunstâncias, caberá ao poluidor:

  • ressarcir integramente o poder público com relação aos bens e serviços, recursos humanos e materiais aplicados no exercício de eventual operação de mitigação de impactos (art. 9, inciso VI, alínea a do Decreto Federal 10.950/22);
  • providenciar a imediata comunicação do incidente de poluição por óleo ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), ao órgão ambiental estadual da jurisdição do incidente e à Agência Nacional de Petróleo (ANP) – nos moldes do Anexo II do Decreto Federal 4.136/02; e
  • fornecer relatórios de situação às autoridades indicadas no art. 13,[2] na forma e periodicidade estabelecida pelo GAA ou pelo coordenador operacional, contendo as informações detalhadas sobre o incidente, como a descrição da situação atual do incidente, se houve ou não controle da ocorrência, volume da descarga, volume que ainda possa ser descarregado, características do produto, mapeamento das zonas afetadas, medidas adotadas e planejadas, data e hora da observação, recursos humanos e materiais mobilizados, recursos adicionais necessários, a localização atual e possíveis trajetórias previstas da mancha de óleo (art. 15).

No que diz respeito à sua estrutura organizacional, a nova regulamentação do PNC busca superar algumas fragilidades existentes no Decreto Federal 8.127/13, que, além do GAA e da Autoridade Nacional, fazia referência ao Comitê Executivo e o Comitê de Suporte, ambos extintos por meio do Decreto Federal 9.759/19. Os dois comitês de apoio não foram reestabelecidos pelo novo decreto, mas uniu-se ao GAA e à Autoridade Nacional – cujas funções serão exercidas pelo ministro do Meio Ambiente – a figura da Rede de Atuação Integrada, que será composta por representantes da grande maioria dos ministérios, além do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República e da Casa Civil.

Embora trate de questões referentes à responsabilidade de ação e prevenção, ressarcimento, custos e planos, o Decreto Federal 10.950/22 não regulamenta a instituição de um sistema de compensação por danos ambientais decorrentes de poluição por óleo, como previsto em convenções internacionais.[3]

Teremos que ver na prática a real eficácia do PNC, uma vez que a ausência de fundos de compensação que possibilitem uma ação organizada, rápida e eficiente no enfrentamento de crises pode levar a uma dependência exclusiva dos Planos de Emergência Individuais e dos Planos de Áreas elaborados pelos entes particulares.

 


[1] O Grupo de Acompanhamento e Avaliação será composto por representantes da Marinha do Brasil, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

[2] São elas: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), órgão estadual do meio ambiente da jurisdição do incidente, Capitania dos Portos ou Capitania Fluvial da jurisdição do incidente e Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

[3] Vale lembrar que, embora seja signatário da Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos Causados por Poluição por Óleo de 1969 (CLC 69), o Brasil não aderiu ao protocolo atualizado da Convenção de Responsabilidade Civil por Danos Causados por Poluição por Óleo de 1992, a qual prevê um fundo de compensação por danos ambientais (IOPC Fund 92).