Após tramitar por 17 anos, foi aprovado na Câmara dos Deputados, em maio, o texto-base da Lei Geral do Licenciamento Ambiental – Projeto de Lei nº 3.729/04 – cuja finalidade é estabelecer as regras gerais para licenciamento ambiental no Brasil.

O modelo proposto pelo projeto de lei pretende desburocratizar os processos de licenciamento ambiental, visando garantir maior segurança jurídica na vasta e descentralizada legislação ambiental do país.

A pretendida desburocratização dos processos de licenciamento ambiental apesar de ser, em princípio, a maior novidade do Projeto de Lei nº 3.729/04 é, na realidade, uma preocupação antiga que acompanha os gestores de recursos naturais no Brasil há anos e que vem se arrastando ao longo da história do próprio sistema de licenciamento ambiental brasileiro.

Esse sistema remete aos primórdios dos ordenamentos portugueses (marcados por autorizações fragmentadas de um governo central para acesso aos recursos naturais, como supressão de vegetação, caça, pesca, utilização de recursos hídricos etc.), estendendo-se até o início da década de 1970 (com o surgimento do embrião do licenciamento ambiental moderno).[1]

Em um segundo momento, houve um movimento liderado pelos governos estaduais do Rio de Janeiro e de São Paulo, que propuseram os primeiros regramentos sobre licenciamento ambiental (sobretudo aqueles que tratavam da questão da poluição nas grandes cidades). Porém, foi após o Decreto Federal nº 88.351/83[2] – que na época regulamentou a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei Federal nº 6.938/81) – e, mais especificamente, com a edição da Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) nº 01/86 – que estabeleceu diretrizes e critérios básicos para a elaboração dos Estudos de Impacto Ambiental e Relatórios de Impacto Ambiental (EIA/Rima) – que se iniciou, efetivamente, a estruturação do licenciamento ambiental como o conhecemos hoje, tido como rígido e inflexível, fundado em um sistema trifásico de licenças (licença prévia, licença de instalação e licença de operação) e precedido por volumosos e complexos estudos de impacto ambiental.

Esse segundo momento do licenciamento, estende-se até o final da década de 1990, quando podem ser observados os primeiros reflexos da Resolução do Conama nº 237/97, que, além de estabelecer diretrizes mais detalhadas para os processos de licenciamento ambiental, trouxe evidentes incentivos para a simplificação desses processos no Brasil.[3]

A partir de 2011, com a aprovação da Lei Complementar nº 140/11, surge um movimento intenso de descentralização dos processos de licenciamento ambiental também para o nível municipal (esfera local). No entanto, ainda que o licenciamento ambiental seja adotado há décadas, até hoje o procedimento é baseado em normas infralegais, especialmente em resoluções do Conama e legislação local (estadual e municipal).

O licenciamento ambiental vem então passando, nas últimas décadas, por um contínuo processo de desburocratização, adaptando-se em cada nível da federação aos diferentes tipos de atividade e ao contexto político-institucional ao qual está submetido. Esse movimento contínuo de adaptação e descentralização da legislação ambiental resultou em um sistema cada vez mais complexo, caracterizado por centenas de modalidades de licenciamento e de arranjos, com a avaliação de impactos na União, nos estados e nos mais de 5,5 mil municípios que compõem o Brasil, muitas vezes gerando maior insegurança jurídica ao empreendedor.

O texto do Projeto de Lei nº 3.729/04 aprovado na Câmara dos Deputados parece seguir a tendência de possibilitar a flexibilização das exigências burocráticas dos processos de licenciamento ambiental, com objetivo voltado, essencialmente, aos ganhos de eficiência administrativa e segurança jurídica.

A proposta pretende inserir alterações significativas nos processos de licenciamento atualmente praticados, entre as quais podemos citar:

  • Isenção de licenciamento de diversas atividades: segundo a proposta, por exemplo, atividades de agricultura, pecuária e silvicultura passam a ser dispensadas do licenciamento ambiental, além de outras 13 atividades[4] que, pelas regras atuais, são consideradas de impacto ambiental e passíveis de licenciamento, como as obras de saneamento básico, de manutenção em estradas e portos, de distribuição de energia com baixa tensão, bem como aquelas consideradas de porte insignificante pela autoridade licenciadora;
  • Licença por Adesão e Compromisso (LAC): a proposta prevê a modalidade de licenciamento autodeclaratório, via internet, o que, na prática, permite que um certificado emitido a partir de dados inseridos no sistema pelo empreendedor seja considerado documento suficiente para o licenciamento ambiental de determinadas atividades. De acordo com o texto, a modalidade de licenciamento por adesão e compromisso será subsidiada pela elaboração de um Relatório de Caracterização do Empreendimento (RCE), contendo as informações técnicas para sua instalação e operação. Tal modalidade de licenciamento se aplicaria: (i) a atividades ou empreendimentos que não se enquadrarem como potencialmente causadores de significativo impacto ambiental; e, (ii) quando previamente conhecidas as características da região de implantação, as condições de instalação e operação, os impactos ambientais da tipologia da atividade ou empreendimento e as medidas de controle ambiental necessárias. Caberá ao órgão licenciador conferir, analisar e vistoriar as informações prestadas no RCE, ainda que somente por amostragem;
  • Licença Ambiental Única (LAU): o projeto prevê a simplificação do licenciamento trifásico para um processo de licenciamento com uma única fase, na qual a autoridade licenciadora deve definir o escopo do estudo ambiental;
  • Cadastro Ambiental Rural (CAR): nos termos da proposta, os empreendimentos e atividades estabelecidos em propriedades rurais poderão apresentar o CAR – mesmo que pendente de homologação – para o pedido de licenciamento, ainda que existam questões envolvendo sobreposição com áreas de proteção especial (como terras indígenas, quilombolas e unidades de conservação, por exemplo);
  • Responsabilidade das instituições financeiras: o projeto prevê a exclusão da responsabilidade das instituições financeiras de projetos com alto risco de impacto ambiental; e,
  • Órgãos intervenientes: a atual proposta desvincula o licenciamento ambiental da anuência dos órgãos intervenientes (como Incra, Funai, Iphan e ICMBio).

O texto aprovado seguiu para o Senado. Vale acompanhar sua aprovação e envio para sanção presidencial ou retorno à Câmara dos Deputados com proposição de alterações.

 


[1] Pode-se relembrar, aqui, a aplicação da primeira Análise de Impacto Ambiental (AIA) no Brasil, não em um contexto de licenciamento ambiental propriamente dito, mas como uma condição do Banco Mundial para o financiamento das obras da Usina Hidrelétrica de Sobradinho, no estado da Bahia.

[2] Revogado pelo Decreto Federal nº 99.274/90.

[3] “Art. 12. O órgão ambiental competente definirá, se necessário, procedimentos específicos para as licenças ambientais, observadas a natureza, características e peculiaridades da atividade ou empreendimento e, ainda, a compatibilização do processo de licenciamento com as etapas de planejamento, implantação e operação. §1º. Poderão ser estabelecidos procedimentos simplificados para as atividades e empreendimentos de pequeno potencial de impacto ambiental, que deverão ser aprovados pelos respectivos Conselhos de Meio Ambiente.”

[4] “Art. 8º Não estão sujeitos a licenciamento ambiental as seguintes atividades ou empreendimentos: I – de caráter militar previstos no preparo e no emprego das Forças Armadas, conforme disposto na Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999, nos termos de ato do Poder Executivo; II – considerados de porte insignificante pela autoridade licenciadora; III – não incluídos nas listas de atividades ou de empreendimentos sujeitos a licenciamento ambiental estabelecidas na forma do §1º do art. 4º desta Lei; IV – obras e intervenções emergenciais de resposta a colapso de obras de infraestrutura, a acidades ou a desastres; V – obras e intervenções urgentes que tenham como finalidade prevenir a ocorrência de dano ambiental iminente ou interromper situação que gere risco à vida; VI – obras de serviço público de distribuição de energia elétrica até o nível de tensão de 69 Kv (sessenta e nove quilovolts), realizadas em área urbana ou rural; VII – sistemas e estações de tratamento de água e de esgoto sanitário, exigível neste último caso outorga de direito de uso de recursos hídricos para o lançamento do efluente tratado, o qual severa atender aos padrões de lançamento de efluentes estabelecidos na legislação vigente; VIII – serviços e obras direcionadas à manutenção e ao melhoramento da infraestrutura em instalações preexistentes ou em faixas de domínio e de servidão, incluídas dragagens de manutenção; IX – pontos de entrega voluntária ou similares abrangidos por sistemas de logística reversa, nos termos da Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010; X – usinas de triagem de resíduos sólidos, mecanizadas ou não, cujos resíduos devem ser encaminhados para destinação final ambientalmente adequada, nos termos da Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010; XI – pátios, estruturas e equipamentos para compostagem de resíduos orgânicos, cujos resíduos devem ser encaminhados para destinação final ambientalmente adequada, nos termos da Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010; XII – usinas de reciclagem de resíduos da construção civil, cujos resíduos devem ser encaminhados para destinação final ambientalmente adequada, nos temos da Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010; e XIII – ecopontos e ecocentros, compreendidos como locais de entrega voluntária de resíduos de origem domiciliar ou equiparados, de forma segregada e ordenada em baias, caçambas e similares, com vistas à reciclagem e a outras formas de destinação final ambientalmente adequada.”