A Lei Federal 14.285, publicada em 30 de dezembro de 2021, promoveu alterações no Código Florestal (Lei Federal 12.651/12), na Lei de Uso e Parcelamento do Solo (Lei Federal 6.766/79) e na lei que trata da regularização fundiária das ocupações incidentes em terras da União na Amazônia Legal (Lei Federal 11.952/09). As mudanças afetam, especificamente, as Áreas de Preservação Permanente (APPs) localizadas no entorno de cursos d'água em áreas urbanas consolidadas. Entre as principais alterações, os municípios passam a ter competência legislativa para estabelecer extensões de faixas marginais de APP de forma distinta daquelas previstas no Código Florestal, levando em consideração características locais.

A norma federal recém-sancionada modificou o artigo 3º, inciso XXVI, do Código Florestal e define um novo conceito para área urbana consolidada.[1] Além de estar incluída na zona ou no perímetro urbano da municipalidade (definido no plano diretor ou em lei municipal específica), a área deverá atender os seguintes critérios:

  • dispor de sistema viário implantado;
  • estar organizada em quadras e lotes predominantemente edificados; e
  • apresentar uso predominantemente urbano, caracterizado pela existência de edificações residenciais, comerciais, industriais, institucionais, mistas ou direcionadas à prestação de serviços.

Além de cumprir esses requisitos, as áreas urbanas consolidadas serão definidas pela existência de ao menos dois dos seguintes equipamentos/sistemas de infraestrutura urbana implantados: drenagem de águas pluviais; esgotamento sanitário; abastecimento de água potável; distribuição de energia elétrica e iluminação pública; e limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos.

Uma modificação ainda mais significativa foi efetuada no art. 4º do Código Florestal, com a inclusão do § 10:

“§ 10. Em áreas urbanas consolidadas, ouvidos os conselhos estaduais, municipais ou distrital de meio ambiente, lei municipal ou distrital poderá definir faixas marginais distintas daquelas estabelecidas no inciso I do caput deste artigo, com regras que estabeleçam:

I – a não ocupação de áreas com risco de desastres;

II – a observância das diretrizes do plano de recursos hídricos, do plano de bacia, do plano de drenagem ou do plano de saneamento básico, se houver; e

III – a previsão de que as atividades ou os empreendimentos a serem instalados nas áreas de preservação permanente urbanas devem observar os casos de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental fixados nesta Lei."

A Lei 14.285/21 incluiu o § 5º no art. 22 da Lei 11.952/09, para estabelecer que os planos diretores e leis municipais de uso e parcelamento do solo deverão determinar os limites das APPs ciliares de cursos d’água naturais localizados em áreas urbanas, com a condição de serem ouvidos os conselhos estaduais e municipais de meio ambiente.

Foi alterado também o art. 4º da Lei 6.766/79. Com a nova redação, a extensão de áreas não edificáveis decorrentes de corpos d'água naturais em áreas urbanas consolidadas (seguindo-se, aqui, a nova definição fixada no inciso XXVI do art. 3º do Código Florestal, destacada anteriormente) será estabelecida a partir de estudos diagnósticos ambientais próprios, elaborados pelo município, devendo, ainda, guardar consonância com as leis municipais ou distritais responsáveis pelo planejamento territorial da municipalidade.

Antes da Lei 14.285/21, houve uma controvérsia envolvendo o tratamento dispensado às APPs urbanas. A questão é se caberia aplicar a esses casos o Código Florestal, com fixação de distanciamento mínimo que variava de 30 a 500 metros desde a borda da calha do leito regular dos corpos d'água – conforme a largura do corpo d’água – ou a Lei de Parcelamento do Solo, que veda edificações em distâncias inferiores a 15 metros de cada uma das margens do curso d'água. A polêmica foi pacificada pela tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Tema Repetitivo 1.010, na qual se fixou o entendimento da prevalência do Código Florestal para estabelecer a extensão não edificável nas APPs de qualquer curso d'água, perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área urbana consolidada.

A partir de agora, com a edição da Lei 14.285/21, cada município deve elaborar um diagnóstico socioambiental, com critérios técnicos definidos, para determinar qual extensão de terra a partir das margens dos cursos d'água inseridos no perímetro urbano é considerada faixa de APP.

Vale acompanhar as discussões e os desdobramentos do tema nos tribunais superiores, até mesmo para verificar se haverá questionamentos sobre a constitucionalidade da Lei 14.285/21.

 

[1] Antes da edição da Lei Federal 14.285/21, o Código Florestal se valia da definição de área urbana consolidada na Lei Federal 11.977/09, que versa sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) e sobre a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas, entre outras providências.