O Marco Legal das Securitizadoras, instituído pela Lei 14.430/22, definiu os certificados de recebíveis de forma ampla e abrangente admitindo sua utilização em operações de securitização nos mais variados setores da economia, o que permitirá a expansão e consolidação do mercado de crédito de recebíveis no país para além dos setores imobiliário, do agronegócio e financeiro.

Nas hipóteses em que são ofertados publicamente ou admitidos para negociação em mercado regulamentado de valores mobiliários, os certificados de recebíveis são classificados como valores mobiliários, nos termos do artigo 20, § 1º, do Marco Legal das Securitizadoras, o que os encaixa na definição do artigo 2º, IX, da Lei 6.385/76 (Lei do Mercado de Capitais).

Sua distribuição pública no mercado de capitais, portanto, está sujeita ao registro prévio na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), conforme dispõe o artigo 19 da Lei do Mercado de Capitais, exceto nas situações em que esse registro seja expressamente dispensado nos termos das normas infralegais expedidas pela CVM, conforme competência delegada à autarquia pelos artigos 8º, I, e 19, § 5º da lei.

No âmbito infralegal, as emissões e ofertas para distribuição pública de valores mobiliários são disciplinadas pela CVM na Instrução CVM 400/03, que regula as ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários nos mercados primário ou secundário e visa assegurar a proteção dos investidores e a integridade do mercado de capitais.

A Instrução CVM 400/03 exige que toda oferta pública de distribuição de valores mobiliários nos mercados primário e secundário, no território brasileiro, dirigida a pessoas naturais, jurídicas, fundo ou universalidade de direitos, residentes, domiciliados ou constituídos no Brasil, seja previamente submetida a registro na CVM. Esse é um processo relativamente moroso e custoso pela necessidade de elaboração, revisão e levantamento de diversos documentos que são submetidos à revisão e aprovação da CVM por meio de muitos protocolos.

Para facilitar o acesso dos emissores ao mercado de capitais e reduzir o tempo e os custos das emissões públicas, o mercado de capitais também conta com a Instrução CVM 476/09, que dispensa automaticamente de registro as ofertas públicas direcionadas a um número restrito de investidores profissionais, conforme definidos no artigo 11 da Resolução CVM 30/21.

Além disso, essa regulação permite que os valores mobiliários ofertados sejam negociados no mercado secundário, ainda que seu emissor não seja registrado na CVM. Para isso, a negociação deve ser restrita a investidores qualificados, conforme definidos no artigo 12 da Resolução CVM 30/21. O regulador parte do pressuposto de que esses investidores têm conhecimentos suficientes para avaliar os riscos dos valores mobiliários ofertados e, desse modo, não seria necessária uma revisão prévia da documentação pela CVM.

Nesse sentido, a conhecida oferta pública com esforços restritos de distribuição, realizada nos termos da Instrução CVM 476/09, é amplamente utilizada no mercado de capitais. A regulação, porém, pelo seu caráter excepcional, tem um rol taxativo de valores mobiliários cuja oferta pública restrita a um grupo de investidores profissionais pode ser dispensada de registro prévio na CVM. Como os certificados de recebíveis foram criados recentemente pelo Marco Legal das Securitizadoras, eles não estão incluídos na lista.

Diante dessa situação, em 18 de agosto de 2022, a CVM, de forma acertada, editou a Resolução 165 que equiparou os certificados de recebíveis aos Certificados de Recebíveis Imobiliários e Certificados de Recebíveis do Agronegócio para fins de aplicação da Instrução CVM 476/09.

Essa medida, que entra em vigor em 1º de setembro de 2022, permitirá que os certificados de recebíveis possam ter dispensa automática de registro na CVM quando ofertados publicamente a um número restrito de investidores profissionais. A resolução, assim, possibilita que emissores de certificados de recebíveis tenham acesso facilitado ao mercado de capitais, o que contribui para o desenvolvimento do mercado de securitização e oferece potenciais benefícios pela expansão desse instrumento de financiamento privado para diversos setores econômicos.

A equiparação valerá somente até a entrada em vigor da Resolução CVM 160, que, a partir de 2 de janeiro de 2023, inaugurará um novo arcabouço regulatório para as ofertas públicas de valores mobiliários, substituindo e revogando as instruções CVM 400 e 476, com diversas alterações nos processos de registro de ofertas públicas na autarquia.

A partir de 2023, as ofertas públicas que atualmente são automaticamente dispensadas de registro nos termos da Instrução CVM 476 passarão a ser registradas de forma automática na autarquia, por meio do protocolo de determinados documentos, mas sem a necessidade de análise prévia.

Nesse novo cenário, os certificados de recebíveis estão devidamente abarcados pela Resolução CVM 160, a qual inclui esses certificados ao utilizar uma linguagem mais ampla – “títulos de securitização emitidos por companhias securitizadoras registradas na CVM”. Dessa forma, as ofertas públicas desses valores mobiliários poderão ser submetidas à CVM por meio do rito de registro automático de distribuição, desde que cumpridas as demais exigências aplicáveis.

A Resolução CVM 165, recém-editada, atende, portanto, à necessidade do mercado e amplia o alcance da Instrução CVM 476 para admitir que os certificados de recebíveis recentemente criados pelo Marco Legal das Securitizadoras possam ser ofertados publicamente, com dispensa automática de registro, para grupos restritos de investidores profissionais.