Acompanhando o desenvolvimento tecnológico global, o direito contratual brasileiro foi bem-sucedido ao regulamentar a assinatura eletrônica para contratos digitais por meio da Medida Provisória 2.200/01. Além de normalizar a assinatura eletrônica, essa MP criou também a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) como forma de certificação de validade da documentação.

Entretanto, mesmo diante dessas inovações, havia ainda um grande entrave no setor cartorial, que permaneceu por muito tempo alheio às novidades do mundo eletrônico. Esse entrave era o processo de apostilamento. Desde então, a criação da apostila digital no Brasil passou a ser entendida como pauta de grande importância.

A pauta do apostilamento eletrônico começou a tomar forma em 2021. Desde 2016, o Brasil emite a Apostila de Haia nos 188 países integrantes da Convenção da Apostila de Haia. O processo de apostilamento, porém, ainda era feito exclusivamente via documentos físicos e apenas por intermédio de cartórios autorizados. Mesmo os documentos assinados eletronicamente precisavam ser materializados, a fim de receberem o selo da Apostila de Haia, o que mantinha boa parte da morosidade do processo.

Para contornar esse desafio, em 2021, o Conselho de Justiça Nacional (CNJ) colocou em pauta a possibilidade de digitalizar a apostila, o que foi aprovado na 86ª Sessão Virtual do CNJ. A apostila eletrônica passou a ter seu procedimento previsto em ato normativo (Resolução 392/21), que alterou a Resolução 228/16 (Convenção da Apostila). Seguem importantes adições feitas à convenção:

Art. 7º A apostila deverá estar em conformidade com o modelo constante do Anexo I desta Resolução, apresentando as seguintes características:

  • A Corregedoria Nacional de Justiça definirá os padrões de segurança, validade e eficácia para a aposição da apostila em documento assinado eletronicamente e da emissão de apostila em meio eletrônico. (incluído pela Resolução 392/21)

Art. 8º As apostilas serão emitidas e registradas em sistema eletrônico. (redação dada pela Resolução 392/21)

  • 1º As apostilas serão assinadas com certificado digital e registradas pelo emissor. (redação dada pela Resolução 392/21)
  • 2º A apostila será emitida desde que realizada a conferência de autenticidade da assinatura, da função ou do cargo exercido pelo signatário do documento e, quando cabível, de autenticidade do selo ou do carimbo ne aposto. (redação dada pela Resolução 392/21)

Essas alterações permitiram aliar a segurança da apostila a uma agilidade nunca vista nesse processo. Segundo a corregedora nacional de Justiça, ministra Maria Thereza de Assis Moura, durante sua fala no 1º Fórum Nacional da Apostila de Haia: “Em 2021, tivemos um aumento de 35% nos apostilamentos, 1,6 milhão de documentos apostilados. Em março de 2022, registramos o recorde mensal de 206 mil apostilamentos”.

Apesar de impressionantes, esses números não eram a meta para o processo da digitalização de documentos no Brasil. Em 3 de junho de 2022, ocorreu o 1º Fórum Nacional da Apostila de Haia, em que se deu mais um passo para a evolução da emissão de apostilas. Por uma demanda conjunta da Corregedoria Nacional de Justiça e do Colégio Notarial do Brasil (CNB), criou-se o Sistema Eletrônico de Apostilamento (Apostil), o que permitiu finalmente o apostilamento de documentos de maneira eletrônica e ágil por plataforma nacional.

Seu funcionamento é similar ao processo que observamos diariamente nos cartórios brasileiros. O documento assinado eletronicamente é enviado para a plataforma Apostil. Em seguida, em vez do que originalmente seria o reconhecimento de firma, a plataforma verifica a validade jurídica das assinaturas, feitas necessariamente por meio de certificado digital. Por fim, uma vez confirmada a validade do documento, o Apostil gera e emite o documento final, a Apostila de Haia, aceita como título executivo extrajudicial.

A apostila emitida digitalmente é similar àquela física solicitada ao cartório. A diferença é apenas seu formato eletrônico e a rapidez gerada pela possibilidade de validar documentos via QR Code ou Código CRC.

O Apostil será utilizado tanto para a confecção quanto para a consulta e gestão dos apostilamentos de todo o país, unificando, assim, serviços e informações sobre apostilas em um único local de fácil acesso.

Entendemos que não haverá dificuldades para a aceitação da apostila digital. Como a plataforma foi criada há apenas três meses, ainda não há decisões judiciais que atestem sua validade como título executivo extrajudicial. Já é possível observar, porém, a utilização do Apostil pelos cartórios em todo o Brasil, algo que deve aumentar exponencialmente com o tempo.

As considerações aqui tecidas são válidas para fins de lei brasileira. Caso o documento envolva a jurisdição de outros países, todas as verificações descritas e o processo de apostilamento deverá ocorrer por profissionais habilitados pela respectiva jurisdição.