Com o advento da Lei 12.846/13 (Lei Anticorrupção ou Lei da Empresa Limpa) e seu Decreto Regulamentador 8.420/15, a responsabilidade de combater a corrupção deixou de ser uma atribuição majoritariamente pública e passou a ser compartilhada com empresas do setor privado, que se tornaram aliadas nesse processo ao desenvolverem ambientes corporativos mais íntegros.

Como forma de buscar um ambiente de maior colaboração entre as esferas pública e privada no combate à corrupção e incentivar a implementação de programas de integridade, surgiram os chamados selos anticorrupção.

Normalmente concedidos por entes da Administração Pública, os selos reconhecem a adoção de medidas de integridade por pessoas jurídicas, destacando-as por suas boas práticas corporativas de compliance.

Ao reconhecer publicamente essas boas práticas, a Administração Pública estimula uma atuação preventiva das empresas com relação à integridade, mostrando que o combate à corrupção pode deixar de ocorrer somente por vias sancionatórias.

O uso de ferramentas de governança corporativa positivas e preventivas nas empresas fomenta uma atuação corporativa mais íntegra e traz benefícios para o negócio e para a sociedade como um todo.

Além de poder conquistar o reconhecimento público, um programa de compliance bem implementado, alinhado às melhores práticas de mercado e à legislação anticorrupção brasileira, ajuda a pessoa jurídica a se proteger de riscos decorrentes de quebras de integridade, mitigando ameaças inerentes à interação com a Administração Pública.

Um programa de compliance também pode promover uma cultura ética capaz de contagiar toda a empresa, além dos terceiros com quem ela se relaciona. Em termos financeiros, o programa pode ser um mecanismo para reduzir perdas econômicas derivadas, por exemplo, de fraudes internas ou, ainda mais grave, de atos lesivos praticados contra a Administração Pública, que podem levar a sanções financeiras e danos reputacionais.

Cabe ainda destacar o valor positivo de imagem que o reconhecimento de práticas de compliance pode gerar para as pessoas jurídicas e a própria marca, como um importante trunfo para atração de clientes e negócios, aumento de credibilidade na relação com a Administração Pública e demais stakeholders, como parceiros e outros terceiros alinhados com os valores da empresa.

Considerando os benefícios de uma atuação preventiva na esfera da integridade corporativa, surgiram iniciativas de criação de selos anticorrupção regionais. No início de 2022, a Comissão de Fiscalização, Governança, Transparência e Controle da Câmara Legislativa do Distrito Federal aprovou o PL 1.237/20, que cria um selo anticorrupção para empresas que adotarem programas de integridade. Caso aprovado, o PL pode ser uma das primeiras legislações locais a criar um selo dessa natureza.

Já no âmbito estadual, tramita no Espírito Santo, o PL 47/18, que sugere a criação de um selo anticorrupção a ser concedido a pessoas jurídicas de direito privado que adotarem práticas de boa conduta no estado. O Espírito Santo se notabilizou como um dos primeiros estados a regulamentar a Lei Anticorrupção, além de ser reconhecido e bem avaliado por organizações como a Transparência Internacional por suas iniciativas de combate à corrupção.

Na esfera municipal destaca-se o PL 722/17 da cidade de São Paulo, que apresenta proposta de um selo com validade de dois anos e passível de renovação. O critério para concessão e renovação desse selo é a apresentação de um relatório de perfil e um relatório de conformidade ao órgão competente. Esses materiais são semelhantes aos introduzidos pela Controladoria-Geral da União (CGU) na avaliação do programa de integridade de uma empresa como parte de um Processo Administrativo de Responsabilização ou Acordo de Leniência, tendo como embasamento legal as recomendações constantes nos incisos do art. 42 do Decreto Regulamentador 8.420/15.

Outras capitais também têm iniciativas semelhantes, como o PL 68/19 em Recife, que sugere a criação de um selo anticorrupção destinado a atestar a qualidade e integridade das empresas instaladas no município, e o PL 2.741/20, em Porto Velho, que sugere a adoção de um selo anticorrupção para empresas que adotarem os programas de integridade.

Para além de proposições legislativas ainda não vigentes, já há no mercado brasileiro opções para empresas que querem obter um reconhecimento público de seus esforços no combate à corrupção.

Em 2010, a CGU, em iniciativa conjunta com o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, criou o cadastro Empresa Pró-Ética. A iniciativa foi reestruturada em 2014 para se adequar às mudanças trazidas pela Lei Anticorrupção. Além da ampliação do número de participantes, aumentou a divulgação em torno das empresas positivamente avaliadas, com a concessão de um selo específico que pode ser utilizado por elas.

Com essa reestruturação, o Empresa Pró-Ética passou a se destacar no mercado, recebendo até mesmo reconhecimentos internacionais da OEA (Organização dos Estados Americanos), da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). O programa foi agraciado também na 14ª edição do “Compliance & Ethics Award”, prêmio da Society of Corporate Compliance & Ethics (SCCE).

A avaliação do Empresa Pró-Ética é documental e segue um regulamento pré-estabelecido, no qual há critérios para inscrição e orientações sobre o preenchimento de um formulário de Análise de Perfil e de um questionário de avaliação. Ainda que a análise seja documental, o comitê julgador, formado por entidades dos setores público e privado reconhecidas no meio empresarial, pode, por exemplo, realizar testes para avaliar o canal de denúncias e pesquisa eletrônica com os funcionários da empresa para avaliar a percepção sobre a aplicação do programa de integridade. A nota máxima da avaliação é 100. Para ser aprovada e constar na lista de Empresas Pró-Ética, a empresa deve receber ao menos 70 pontos.

Há ainda outras iniciativas federais relacionadas a ramos específicos de atuação empresarial, como o Selo Fomento Infra+Integridade, para o setor de infraestrutura, e o Selo Mais Integridade, para empresas e cooperativas do agronegócio. Essas iniciativas também passam por avaliações documentais, de acordo com um edital pré-determinado e com critérios próprios.

O Selo Fomento Infra+Integridade, por exemplo, solicita o preenchimento de um formulário sobre o programa de compliance, o envio de comprovante de assinatura do Pacto Empresarial Pela Integridade e contra a Corrupção (promovido pelo Instituto Ethos), entre outros requisitos contidos na Portaria 127/21 do Ministério da Infraestrutura. Há ainda requisitos de responsabilidade social, como o comprovante de “nada consta” da Lista Suja do Trabalho Escravo ou Análogo ao Escravo, e certidões negativas criminais e negativas de débitos ambientais.

Já o Selo Mais Integridade segue a tendência ESG e prevê a avaliação conjunta de três dimensões – anticorrupção, trabalhista e sustentabilidade – também com requisitos documentais específicos a serem apresentados pelas pessoas jurídicas participantes. Um manual de uso da marca orienta sobre a identidade visual dos três selos a serem utilizados pelas empresas positivamente avaliadas:

  • Selo Verde – Primeira Premiação;
  • Selo Amarelo – Renovação;
  • Selo Mais Integridade – Versão Especial, para as empresas e cooperativas agropecuárias premiadas com o Selo Mais Integridade do MAPA e o selo Empresa Pró-Ética.

Embora tais selos, em sua maioria, reconheçam somente a existência de práticas de integridade de forma documental, sem avaliação in loco ou uma análise da eficácia de tais iniciativas, os requisitos para sua concessão são detalhados e orientados a contribuir para a instalação de mecanismos efetivos de compliance nas pessoas jurídicas.

Considerando o rigor técnico e a robustez das normas ISO, as empresas também podem optar pela certificação em ISOs específicas relacionadas à matéria de integridade, especialmente a ISO 37001, de gestão antissuborno, e o mais recente ISO 37301, de gestão de compliance.

No exercício sempre positivo de implementação de boas práticas, empresas que almejam o reconhecimento de suas iniciativas de compliance anticorrupção devem, antes de tudo, entender quais são as suas necessidades do dia a dia. Isso pode ser feito, por exemplo, com uma análise de lacunas, que ajude a decidir qual tipo de reconhecimento disponível é o mais adequado ao negócio, sem perder de vista as possibilidades que podem surgir no mercado ou até mesmo por iniciativa legislativa.

É importante ter em mente que um selo anticorrupção é apenas consequência dos controles e políticas previamente implementados na empresa como parte de práticas efetivas de integridade, cujo objetivo principal é implementar ou aprimorar um programa de compliance para que a empresa colha os frutos de ações eficazes e não meramente pro forma.

O reconhecimento formal pode ser facilitado depois que a empresa tiver mapeado e abordado seus riscos específicos, aprimorado seus controles e iniciativas internas e adequado corretamente sua estrutura interna de compliance e seu funcionamento para uma eventual avaliação. O benefício reputacional da obtenção do selo anticorrupção após esse esforço será impulsionado pelo benefício efetivo que iniciativas robustas de compliance podem aportar aos negócios.