Em vigor desde janeiro de 2014, a Lei Anticorrupção (12.846/13) construiu um legado de mudanças na cultura corporativa ao longo dos últimos cinco anos. O cenário hoje é bem diferente do observado no início de sua vigência, quando riscos de corrupção pareciam distantes da realidade corporativa, e as empresas ainda enxergavam megaoperações da Polícia Federal e do Ministério Público como episódios restritos aos agentes políticos.

A lei trouxe as empresas para o centro da responsabilização jurídica por atos de corrupção e as investigações (em especial a Lava Jato) disseminaram a ideia de que o risco de integridade é grande demais para ser ignorado pela alta gestão, o que deu início a uma corrida para a implantação de mecanismos e procedimentos de compliance.

Embora salutar, esse movimento muitas vezes é errático. Não raro, as empresas se veem perdidas em um mar de incertezas legais, derivadas, em parte, da ausência de moldura legal. Tal insegurança pode trazer imobilismo, como no caso dos acordos de leniência (tratados em artigo anterior), além de riscos, como ocorre nas investigações internas.

As investigações corporativas são parte primordial de um programa de compliance, que deve se apoiar no tripé básico: prevenção, detecção e resposta aos riscos de integridade. Nesse sentido, um programa que tenha políticas preventivas será capaz de detectar problemas, mas, se ignorá-los, se tornará inócuo, além de expor os executivos e administradores a riscos ainda maiores decorrentes de sua inércia.

Esse fato não é ignorado por empresários, compliance officers e diretores jurídicos, que nos últimos anos têm recorrido cada vez mais a essas investigações em casos de corrupção, fraudes internas, questões concorrenciais, problemas trabalhistas (como assédio), entre outros, para orientar suas decisões ou preparar a defesa da empresa em um procedimento investigativo ou punitivo.

O problema, entretanto, é que investigações corporativas são assunto relativamente novo no país e, por incluírem questões técnicas e jurídicas multidisciplinares e complexas, elas precisam ser conduzidas por profissionais especializados e experientes para evitar o risco de ampliar os problemas, em vez de solucioná-los.

Entretanto, mesmo para investigadores corporativos experimentados, o cenário brasileiro apresenta desafios. A ausência de balizas legais alimenta as incertezas e demanda muitas vezes o recurso à legislação estrangeira e às práticas de mercado para responder às justificadas dúvidas de clientes e parceiros.

Veio em boa hora, portanto, a aprovação do Provimento nº 188/2018 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que regulamentou o exercício da prerrogativa profissional do advogado de realizar diligências investigatórias.

Apesar de não ter a força e o caráter definitivo de um diploma legal e de ser ainda altamente genérico, o provimento ajuda a traçar um primeiro esboço normativo capaz de trazer segurança jurídica para os advogados que atuam na investigação de quebra de integridade no ambiente corporativo e, sobretudo, para seus clientes.

O provimento definiu o instituto da investigação defensiva como o “complexo de atividades de natureza investigatória desenvolvido pelo advogado, com ou sem assistência de consultor técnico ou outros profissionais legalmente habilitados, em qualquer fase da persecução penal, procedimento ou grau de jurisdição, visando à obtenção de elementos de prova destinados à constituição de acervo probatório lícito, para a tutela de direitos de seu constituinte.”

Tal definição traz alguns elementos relevantes. O primeiro deles é que, embora tenha um foco prioritário na regulamentação de uma investigação como contraponto a uma eventual persecução criminal, o provimento inclui no conceito qualquer apuração conduzida por advogado que vise à constituição de provas para a tutela de direitos de cliente.

Isso significa que toda investigação corporativa conduzida por advogado pode estar incluída no conceito do provimento, já que seu objetivo precípuo será sempre buscar elementos de informação que permitam ao cliente conhecer com profundidade um fato que possa afetar seus direitos, por exemplo, para negociar um acordo de leniência, defender-se em um processo sancionatório ou buscar a reparação de danos causados por funcionários ou terreiros.

O provimento estabelece que a investigação corporativa é uma atividade privativa da advocacia e, reconhecendo seu caráter multilateral e multidisciplinar, prevê a figura dos consultores técnicos, exemplificados no texto como “peritos, técnicos e auxiliares de trabalhos de campo”.

A experiência em casos de investigação corporativa mostra que a presença de advogados é relevante para o resultado e o sigilo dos trabalhos, mas, do mesmo modo que investigações corporativas conduzidas sem advogados geralmente perdem em termos de organização, técnica, utilidade e segurança jurídica, as realizadas apenas por advogados por vezes acabam sendo incompletas.

Bons advogados de investigações corporativas devem ser técnicos especializados e excelentes gestores de projeto, mas precisam também saber identificar onde precisam de ajuda especializada, o que costuma ocorrer em relação a serviços de tecnologia e contabilidade forense.

Nesse sentido, a inclusão da figura do consultor técnico no provimento talvez seja o ponto mais relevante do documento, sobretudo por estender a esses profissionais o direito e dever ao sigilo, apontando que – como assessores de um advogado – eles “não têm o dever de informar à autoridade competente os fatos investigados” e que “eventual comunicação e publicidade do resultado da investigação exigirão expressa autorização do constituinte”.

Essa proteção é fundamental não apenas para o exercício profissional adequado dos consultores (para os quais a ausência de sigilo traz profunda exposição a riscos) como também para a segurança dos clientes que contratam a investigação.