Discussões entre os conselheiros do Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sobre a necessidade de alterar o cálculo das multas aplicáveis nos casos de cartel criaram um ambiente de incerteza para a comunidade jurídica e empresarial, especialmente após julgamentos realizados no fim do ano passado. Como forma de aumentar a efetividade da política de repressão e dissuasão de infrações à ordem econômica, alguns conselheiros defendem que, em vez de aplicar um percentual sobre o faturamento das empresas participantes da infração, a multa seja atrelada à vantagem por elas auferida.

Essas discussões têm origem em dispositivos da Lei de Defesa da Concorrência (nº 12.529/11), pelos quais empresas envolvidas em cartel estão sujeitas a multa entre 0,1% a 20% do faturamento bruto do exercício anterior à instauração do processo administrativo, no ramo de atividade em que ocorreu a infração. A multa nunca deverá ser inferior à vantagem auferida, quando for possível estimá-la.

Desde a entrada da lei em vigor, as multas aplicadas a participantes de cartéis com maior grau de institucionalização (os cartéis hard-core) vinham sendo fixadas pelo Tribunal do Cade entre 13% e 15% do faturamento bruto.

Em 7 de dezembro de 2016, no entanto, a metodologia de cálculo tradicionalmente adotada, com base no critério de faturamento, foi questionada em dois casos apreciados na 96ª Sessão Ordinária de Julgamento (SOJ) do tribunal. O primeiro deles se referia a uma investigação de cartel no mercado de distribuição de gás liquefeito de petróleo (GLP) no Pará; o segundo, a uma investigação de cartel entre produtores de leite na região de Pelotas (RS).

Naquela ocasião, a conselheira relatora sugeriu que o cálculo da multa deveria levar em conta a vantagem auferida pelos participantes, ou seja, quanto cada empresa ou conjunto de empresas teria lucrado com o sobrepreço de determinado produto ou serviço. Sua posição foi apoiada por mais um conselheiro.

Os quatro demais membros do tribunal à época discordaram dessa posição. Segundo eles, a Lei de Defesa da Concorrência prevê que a vantagem auferida é apenas um dos fatores considerados na dosimetria da multa, que também deve se basear na situação econômico-financeira do infrator e em aspectos como gravidade da infração, consumação, grau de lesão ou perigo de lesão ao consumidor/economia, efeitos econômicos negativos e reincidência.

Os conselheiros também argumentaram que, em diversos casos (como em cartéis de divisão de mercado ou de fixação de preço envolvendo produtos heterogêneos) estimar a vantagem auferida pode ser tarefa impossível, extremamente custosa e/ou produzir resultados questionáveis. Além disso, calcular a multa com base na vantagem auferida poderia levar à subpunição de um cartel não implementado.

As discussões do Tribunal do Cade sobre o tema do cálculo da multa afetaram até mesmo a homologação de acordos em casos de cartéis, os chamados Termos de Compromisso de Cessação (TCCs). Na 98ª SOJ, realizada em 1º de fevereiro, a maioria dos membros do tribunal rejeitou três acordos negociados por entidades de classe investigadas por uniformização de preços, boicotes e imposição de tabela de honorários médicos de cirurgiões. A rejeição se baseou no argumento de que os TCCs, na forma negociada com a conselheira relatora, previam multas muito inferiores às esperadas caso fosse seguida a metodologia de cálculo tradicionalmente adotada pelo Cade.

Enquanto persistem as discussões, as empresas investigadas pelo Cade têm dificuldades de estimar o valor de uma possível condenação para fins, por exemplo, de provisionamento de valores ou para avaliar a conveniência de negociar TCCs.

É discutível se uma revisão da forma de cálculo traria benefícios concretos. Sem dúvida, há mérito na defesa de uma nova metodologia, alinhada com um preceito legal expresso e positiva em termos de política antitruste. Por outro lado, como o critério da vantagem auferida é menos objetivo que o de faturamento, sua adoção poderia levar à maior judicialização das decisões do Cade.

Além disso, o aumento significativo do volume de acordos de leniência e TCCs ao longo dos últimos cinco anos, aliado à preocupação crescente das empresas em adequar suas práticas comerciais aos preceitos da Lei de Defesa da Concorrência, mostra que a metodologia tradicional efetivamente produziu efeitos dissuasórios. Espera-se que o Cade pondere cuidadosamente esses fatores em suas decisões futuras e emita uma sinalização que reduza as incertezas atuais sobre o tema.