O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) submeteu a consulta pública uma versão preliminar do Guia de Dosimetria de Multas de Cartel, que tem por objetivo esclarecer os critérios utilizados na aplicação das multas estabelecidas na Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº 12.529/11). Para as pessoas jurídicas, essas penalidades podem variar de 0,1% a 20% do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado obtido no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração.

O guia se baseia na prática decisória da autarquia em investigações de cartel de 2012 a julho de 2019 e, portanto, não abarca decisões da composição atual do Tribunal Administrativo do Cade.

Nos termos da Lei de Defesa da Concorrência, a base de cálculo da multa é o faturamento bruto anual no ramo de atividade (definido na Resolução Cade nº 3/2012) no ano anterior ao da instauração do processo administrativo. O uso do faturamento no “ramo de atividade”, conceito que não guarda necessariamente identidade com o mercado objeto do cartel, foi bastante criticado após a promulgação da lei e discutido em alguns precedentes. O guia sugere que, nos casos em que o faturamento no ramo de atividade resultar em uma base de cálculo desproporcional ou desarrazoada, o Cade leve em consideração o faturamento no mercado afetado pela conduta.

O guia esclarece ainda que o faturamento a ser considerado é, em princípio, o auferido pela empresa envolvida na conduta (o uso do faturamento do grupo econômico ao qual ela pertence seria exceção, por exemplo para evitar manobras que visem reduzir deliberadamente a base de cálculo) no ano anterior à instauração do processo administrativo e atualizado pela Selic até o mês anterior ao da condenação. Quando não for possível obter o valor do faturamento no ano anterior à instauração do processo administrativo (caso a empresa tenha, por exemplo, encerrado suas atividades) ou o valor informado pela empresa não for considerado adequado (caso ela tenha tido um crescimento expressivo no mercado), o guia propõe, por exemplo, considerar o ano anterior ao da condenação, o ano da licitação ou, ainda, o maior faturamento obtido durante o período do cartel ou a média dos faturamentos do referido período.

O documento também prevê a possibilidade de adequação da base de cálculo quando o faturamento compreender área geográfica mais ampla do que a afetada pelo cartel. Nesses casos, o Cade pode considerar uma projeção de faturamento virtual, pela representatividade da área afetada dentro do mercado mais amplo, ou utilizar estimativa de vendas indiretas para a base de cálculo.

Sobre a alíquota de referência, o guia recomenda o uso das que já vinham sendo adotadas na prática pelo Cade em suas decisões:

  • 17% (com um mínimo de 14%) para cartéis em licitações;
  • 15% (com um mínimo de 12%) para cartéis hardcore, isto é, acordos ou trocas de informação relacionados a preços, alocação geográfica, de participação ou de clientes, com mecanismos de monitoramento/punição de desvio e perenidade; e
  • 8% (com um mínimo de 5%) para outras formas de condutas concertadas (por exemplo, trocas de informações esporádicas ou não sistemáticas, revelação unilateral de informações, tabelamento de preços etc.).

No entanto, a alíquota a ser aplicada em cada caso concreto pode ter valores superiores ou inferiores aos de referência, a depender da avaliação discricionária do Cade sobre as circunstâncias agravantes e atenuantes previstas na lei:

  • gravidade da infração (participação na conduta, por exemplo com papel de liderança ou uso de coação);
  • boa-fé do infrator (consciência da ilicitude, essencialidade do mercado afetado, colaboração no processo);
  • vantagem auferida ou pretendida pelo infrator (caso possa ser estimada);
  • consumação ou não da infração;
  • grau de lesão, ou perigo de lesão, à livre concorrência, à economia nacional, aos consumidores ou a terceiros (pelo tipo de conduta, por exemplo);
  • efeitos econômicos negativos produzidos no mercado (ressarcimento das vítimas antes da condenação, por exemplo, poderia atenuar a multa);
  • situação econômica do infrator (atenuante para aqueles com capacidade financeira comprometida e comprovada); e
  • reincidência.

O guia demonstra a preocupação do Cade em sistematizar e dar mais transparência aos parâmetros de cálculo das multas por cartel, conferindo assim maior previsibilidade às condenações. O documento ficará em consulta pública até 1º de agosto. As contribuições podem ser enviadas para o e-mail Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..