Construir e manter um relacionamento com revendedores é estrategicamente relevante para fabricantes: uma cooperação harmoniosa e bem-sucedida resulta em uma rede mais eficiente e eficaz, melhora a experiência de compra dos clientes e traz impactos positivos para toda a cadeia. Em algumas situações, porém, a interação entre fabricantes e revendedores pode gerar riscos para a livre concorrência, razão pela qual o tema atrai a atenção das autoridades antitruste em diversos países.

Por exemplo, a fixação de preço mínimo de revenda (FPMR) por fabricantes tem sido vista como uma prática anticompetitiva analisada com bastante rigor pelas autoridades antitruste em vários países, inclusive pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Já a fixação de preço máximo ou a mera sugestão de preço (que não precisa ser adotado pelo revendedor) são geralmente consideradas práticas de menor potencial lesivo à concorrência.

Nos últimos anos, o Cade se debruçou sobre a análise de outra prática adotada entre fabricantes e revendedores: a política de preço mínimo anunciado (PMA), que afeta a comunicação do preço aos consumidores finais, mas não fixa nem limita o efetivo preço de revenda, que pode ser livremente negociado entre o revendedor e o consumidor.

Ao estabelecer o preço mínimo que pode ser anunciado pelos revendedores, o fabricante busca preservar sua marca e seu modelo de negócio, fomentando as revendas especializadas que investem em treinamento técnico de pessoal, publicidade, infraestrutura física, entre outros, para propiciar uma melhor experiência a seus clientes, e inibindo o “efeito carona” (free riding) dos revendedores que não realizam tais investimentos. Porém, políticas de PMA têm potencial para gerar coordenação de ações e uniformização dos preços dos revendedores, com possível redução de concorrência e aumento do preço ao consumidor – efeitos semelhantes aos da FPMR. Assim, a licitude das políticas de PMA precisa ser analisada caso a caso, com base nos precedentes do Cade.

Em 2018, ao analisar uma consulta sobre a licitude da política de PMA para revenda de pneus, o Cade indicou que, na avaliação concorrencial dessas práticas, deveriam ser considerados o poder de mercado das empresas envolvidas, os potenciais efeitos negativos da prática e as eficiências envolvidas. Naquela ocasião, a política em questão foi considerada lícita em virtude da inexistência de poder de mercado do fabricante e do conjunto de revendedores, desde que fosse unilateralmente estabelecida pela fabricante e fosse aplicada de forma isonômica e não discriminatória a todos os revendedores, sem distingui-los por canal de venda (físico ou virtual) ou por nível de especialização.

Entretanto, a consulta sobre política de PMA de outro fabricante de pneus no final de 2021 gerou intensos debates e divergência entre os conselheiros do Cade: houve dois votos pela sua licitude total com base nos aspectos avaliados no precedente de 2018, um voto pela licitude parcial (excetuando a sua aplicação a canais eletrônicos) e três votos pelo não reconhecimento da licitude, fundamentados basicamente na avaliação de existência de poder de mercado da consulente (em razão da existência de políticas semelhantes do mesmo mercado) e no entendimento de que haveria outras formas, menos restritivas à concorrência, de promover os revendedores especializados.

Nesse contexto, diferentes aspectos devem ser levados em conta por uma empresa que cogite implementar uma política de PMA. Primeiro, é preciso assegurar que a política seja unilateralmente estabelecida e implementada de forma isonômica e não discriminatória. Além disso, deve-se avaliar se já foram implementadas outras políticas de PMA em seu mercado de atuação. Recomenda-se também avaliar a existência de alternativas para a promoção de revendedores especializados e ponderar os riscos e benefícios delas em relação ao PMA. Por fim, uma avaliação mais cuidadosa é necessária caso a política de PMA envolva canais eletrônicos, dada a crescente relevância desses canais e a possibilidade, aventada pelo Cade sem maior aprofundamento, de um potencial lesivo maior da política de PMA sobre tais canais.