O Tribunal Administrativo do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) já reprovou, ao longo deste ano, um número de operações de M&A 50% vezes maior do que no período de quase cinco anos entre 2012, quando a atual Lei de Defesa da Concorrência entrou em vigor, em 2016. O aumento é um claro sinal do maior rigor do órgão no exercício da sua função de controle de estruturas de mercado.

Entre 2012 e 2016, o Cade reprovou apenas a aquisição da Solvay Indupa pela Braskem, em 2014, e a aquisição da Condor Pincéis pela Tigre, em 2015. Este ano, outras três operações já foram reprovadas por, no entendimento do órgão, suscitar preocupações concorrenciais que não poderiam ser afastadas por qualquer medida proposta pelas partes envolvidas.

A primeira delas foi a aquisição da Estácio Participações pela Kroton Educacional. A operação representava a união de duas das maiores instituições privadas de ensino superior do Brasil, resultando em uma alta concentração no mercado de educação superior à distância e presencial, em diversos municípios. Nesse caso, o Cade destacou o movimento crescente de concentração no setor de educação, visto que, nos últimos cinco anos, apenas a Kroton havia notificado 19 operações, e a Estácio, 7.

A segunda foi a aquisição da distribuidora de combustíveis Alesat pela Ipiranga. O Cade concluiu que a união das empresas impactaria os mercados regionais de distribuição de combustíveis e também geraria preocupações no mercado de revenda que, para serem afastadas, necessitariam de um remédio que resultasse na alienação da totalidade dos ativos da Alesat nos mercados problemáticos. A decisão foi influenciada pelas características dos mercados de distribuição e revenda, que induzem a coordenação entre empresas, fato refletido no histórico de investigações de cartel no setor.

A terceira operação reprovada, na sessão de 18 de outubro, foi a aquisição da JBJ Agropecuária pela Mataboi Alimentos. De acordo com o Cade, a transação resultaria em altas concentrações nos mercados de abate de gado e de comercialização no atacado de carne bovina in natura desossada no Brasil e geraria significativos riscos à concorrência. Tal conclusão foi baseada na relação de parentesco do sócio proprietário da JBJ com os controladores da JBS (líder no mercado afetado pela operação). Na visão do Cade, as empresas poderiam ser vistas como parte do mesmo grupo econômico de fato, cujo poder de mercado seria ampliado em virtude da operação.

Estão ainda sob análise do Tribunal do Cade outras três operações impugnadas pela Superintendência-Geral do órgão com recomendação de reprovação. Nos casos da aquisição da Liquigás Distribuidora S.A. pela Companhia Ultragaz S.A. e da Votorantim Siderurgia S.A. pela ArcelorMittal Brasil S.A., as principais preocupações são relacionadas, novamente, aos incentivos que as aquisições poderiam gerar para práticas coordenadas, devido ao histórico de condutas já apuradas no passado pelo Cade nos setores de distribuição de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) e de aço, respectivamente. Já no caso da aquisição da Monsanto pela Bayer, os riscos residiriam, entre outros, nas altas concentrações geradas no mercado de sementes de soja e algodão transgênicos (biotecnologia), possível redução da rivalidade no desenvolvimento de eventos transgênicos no mundo e redução dos incentivos à inovação no setor.

Esses precedentes indicam a necessidade de as empresas envolvidas em operações complexas avaliarem, desde o início das negociações, o “risco Cade” e as possíveis medidas para garantir a aprovação condicional do negócio. De acordo com a sinalização recente do Cade, os remédios propostos pelas partes devem ser bem definidos, efetivos e de fácil implementação e fiscalização.