Em sessões de julgamento recentes, o Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) discutiu se a não instauração de processo administrativo para a apurar supostos ilícitos concorrenciais denunciados pelos signatários de acordos de leniência impediria sua homologação. Os acordos de leniência são importante instrumento para a atuação do Cade, especialmente para a investigação de condutas colusivas de difícil detecção, como os cartéis.

A Superintendência-Geral do Cade é o órgão responsável por celebrar esses acordos, enquanto ao Tribunal do Cade compete verificar o cumprimento dos termos acordados e homologar os acordos, com a confirmação dos benefícios buscados pelos signatários: a extinção da ação punitiva do Cade ou a redução de penas administrativas aplicáveis, bem como a extinção da punibilidade de crimes relacionados à prática de cartel.

No caso analisado, que corre sob sigilo, o conselheiro relator entendeu que não se poderiam admitir acordos de leniência cujo conteúdo não fosse capaz de auxiliar na investigação dos ilícitos concorrenciais. Na sua visão, a instauração de processo administrativo para apurar os ilícitos denunciados seria uma consequência das contribuições dadas pelos signatários durante a fase de inquérito administrativo conduzida pela Superintendência-Geral do Cade.

O relator expôs que as evidências trazidas pelos signatários eram pouco contundentes e que havia outras que poderiam ter gerado desfecho diferente do arquivamento do inquérito administrativo com base nas informações fornecidas pelos signatários. O relator não discriminou tais evidências em razão do sigilo do procedimento, mas citou como exemplo procedimentos em curso no Ministério Público Federal que poderiam ter sido apresentados pelos signatários.

Com base nesse entendimento, o relator votou pela não homologação do acordo de leniência, por entender que os signatários deixaram de produzir provas suficientes para que o inquérito administrativo resultasse na instauração de processo administrativo destinado a apurar e punir os supostos ilícitos concorrenciais denunciados.

Outra conselheira do Tribunal do Cade abriu a divergência por entender que, na verdade, competiria à Superintendência-Geral avaliar as evidências oferecidas quando da celebração do acordo de leniência e conduzir as investigações a partir das informações trazidas pelos signatários.

Segundo a conselheira, o signatário não tem conhecimento de todo o conjunto probatório do qual dispõe a Superintendência-Geral no momento da celebração do acordo, de modo que não pode antever as repercussões das evidências trazidas por ele na condução das investigações promovidas pela Superintendência-Geral. Outros membros do Tribunal do Cade destacaram que cabe à Superintendência-Geral estabelecer padrões de prova mínimos para a celebração dos acordos de leniência, sendo dela a prerrogativa de analisar tais provas, e não do Tribunal do Cade.

Diante dessa discussão, o plenário, por maioria, homologou o acordo de leniência por considerá-lo devidamente cumprido e assentou que a decisão subsequente da Superintendência-Geral pela não instauração de processo administrativo não seria motivo para atestar seu descumprimento.

A decisão do plenário destacou a preocupação do Cade em não transferir o ônus dos resultados da investigação aos signatários do acordo de leniência, que teriam cumprido todas as obrigações com que se comprometerem mediante a entrega de todos os documentos e informações de que dispunham acerca dos fatos reportados.