Os regimes sucessórios dos companheiros e dos cônjuges foram equiparados após o julgamento do Recurso Extraordinário 878.694/MG pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ocorrido em 2017, e a consequente declaração de inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, que tratava exclusivamente dos direitos sucessórios do companheiro/a.

Fixada pelo STF a tese para o Tema 809, com repercussão geral, foi determinada a aplicação do artigo 1.829 do Código Civil, que dispõe sobre a ordem de direito de herança tanto para os cônjuges como para os companheiros. A Corte Superior, entretanto, não apontou se o artigo seria o único aplicável aos companheiros ou se a equivalência da união estável ao casamento seria extensível aos demais dispositivos, ou seja, para todos os fins sucessórios.

Passou-se, então, a questionar se o artigo 1.845 do Código Civil, que define quais são os herdeiros necessários, também deveria ser aplicado ao companheiro. Em caso positivo, ele se juntaria a descendentes, ascendentes e cônjuges em uma classe especial de herdeiros, aos quais pertence, de pleno direito, a legítima, isto é, a eles é destinada obrigatoriamente a metade dos bens da herança. O questionamento dividiu a doutrina.

De um lado, há quem defenda que a equiparação entre os regimes sucessórios não é plena, excetuando-se a aplicação do artigo 1.845. Por esse entendimento, o companheiro não teria sido elevado ao status de herdeiro necessário, já que, tratando-se de norma restritiva de direitos, não seria possível uma interpretação extensiva. O artigo teria rol taxativo e somente a lei poderia ampliar o seu alcance.

Esse posicionamento é defendido por Rolf Madaleno e Mario Luiz Delgado, que afirma também não competir à doutrina ou jurisprudência regulamentar a união estável e atribuir-lhe efeitos da sociedade conjugal, transformando, desse modo, a união estável em um casamento forçado. São institutos legalmente diferentes, com naturezas jurídicas distintas por expressa determinação legal, não sendo possível ao Judiciário fazer as vezes do legislador sobre a matéria.

De outro lado, renomados juristas como Flávio Tartuce, Zeno Veloso e Giselda Hironaka, representantes da escola do direito civil constitucional, defendem a inclusão do companheiro no rol de herdeiros necessários, diante da equiparação sucessória estabelecida com a decisão do STF, principalmente considerando a equalização das diferentes entidades familiares, presente na Constituição Federal, nos termos do seu artigo 226.

Apesar do intenso debate doutrinário, a partir do reconhecimento expresso pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgado de 2018, de que a companheira seria herdeira necessária,[1] nossos tribunais têm aplicado a plena equalização sucessória dos companheiros aos cônjuges, mesmo não tendo havido posicionamento das cortes superiores em regime de recurso repetitivo – não se trata, portanto, de entendimento vinculante.

No entanto, em junho deste ano, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu pela exclusão da companheira da partilha em pacto de separação de bens.[2] Trata-se de ação ajuizada pela companheira contra as filhas do falecido para anular a partilha realizada, na qual ela não teria sido contemplada como herdeira necessária.

Em seu voto, o desembargador relator expõe que o falecido teria formalizado contrato particular de união estável com regime estabelecido de separação absoluta de bens em 2014, inexistindo qualquer evidência de incapacidade das partes para a realização do ato, que seria válido para todos os efeitos jurídicos e legais.

Em seguida, relembra que houve modulação dos efeitos da decisão do STF pela inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil. O entendimento somente seria aplicável aos inventários judiciais sem o trânsito em julgado da partilha e às partilhas extrajudiciais em que não houvesse escritura pública.

Considerando que o falecimento ocorreu em 2015 e a escritura pública foi lavrada em 2014, os efeitos da decisão do STF de 2017 não retroagiriam ao caso. Não caberia, portanto, se falar em equiparação da companheira à cônjuge para fins sucessórios.

Com base nesses argumentos, aquele Tribunal reformou a sentença  e deu provimento à apelação, para considerar válida a escritura de inventário e partilha que excluiu  a companheira como herdeira necessária.

Mario Delgado, comentando este julgado, indica que se trata da primeira decisão que expressamente menciona o fato de os companheiros não serem herdeiros necessários recíprocos, o que pode ser relevante para outros casos.

Entretanto, conforme matéria publicada pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBFDAM), Delgado ressalta ainda que: “Todavia, a companheira sobrevivente, nesse caso específico, não é herdeira necessária, não em razão do regime de bens de separação absoluta, mas, sim, porque o STF não quis assegurar esse status ao companheiro, como ficou claro no julgamento dos embargos de declaração no RE 878.694”.

Percebe-se, portanto, que a questão do companheiro como herdeiro necessário está longe de ser unânime, o que reforça a importância de dar tratamento adequado a esse tipo de relacionamento nos planejamentos patrimoniais e sucessórios, para que haja pleno entendimento e discernimento sobre a questão, seus desdobramentos e a insegurança jurídica que ainda permeia o tema.

 


Fontes:

MADALENO, Rolf. Sucessão Legítima. Grupo GEN, 2020.

GONÇALVES, Carlos R. Direito civil brasileiro – Direito das sucessões – v 7. Editora Saraiva, 2021.

TARTUCE, Flávio. Direito Civil - Direito das Sucessões – v. 6. Grupo GEN, 2021.

 

[1] STJ, REsp 1.357.117/MG, 3.ª Turma, rel. min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 13.03.2018, DJe 26.03.2018

[2] Apelação Cível 50002762120178210088, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, relator: Mauro Caum Gonçalves, Julgado em: 30-06-2022