O ano de 2022 tem sido muito promissor em termos de regulação de ambientes que usam tecnologias da informação. Alguns projetos legislativos vêm-se destacando na regulação do uso de mecanismos de inteligência artificial, dos criptoativos e das mídias sociais.

Nesse cenário, há grande expectativa do mercado em relação ao avanço da regulação das apostas esportivas, especialmente porque estamos em ano de Copa do Mundo.

Essa atividade é sucesso em diversos países, com números muito expressivos. Nos Estados Unidos, a prática gerou mais de US$ 4 bilhões em receitas em 2021, um crescimento de quase 180% em relação a 2020.

As apostas esportivas (sports betting) são apenas uma das espécies de jogo (gambling). Sua regulação precisa ser pensada, ao lado, por exemplo, da regulação das loterias, das apostas em corridas de animais, dos cassinos físicos e on-line, dos fantasy games, do pôquer ou de outros jogos entendidos como de habilidade, games e aplicativos.

No Brasil, a modalidade já é usual e praticada em plataformas hospedadas fora do país, o que não viola normas associadas à prática de jogos, como a Lei de Contravenções Penais, que em seu art. 50 considera a prática de jogos de azar um ilícito penal.

Antes de tratar da regulação das apostas esportivas no país, porém, cabe examinar dois pontos:

  • as razões pelas quais o gambling é objeto de regulação; e
  • as principais questões que justificam a preocupação jurídica com o tema.

Entre as razões para regular o gambling, destacam-se:

  • o interesse na rentabilidade fiscal proporcionada pela atividade;
  • o desenvolvimento econômico promovido pela evolução das interrelações comerciais; e
  • a proteção de direitos de públicos vulneráveis (crianças, idosos etc.).

Quanto às preocupações e aos riscos envolvidos, ressalta-se a necessidade de:

  • proteger o jogo responsável;
  • trazer segurança jurídica aos investidores do setor e demais serviços envolvidos (instituições financeiras, agências de publicidade etc.);
  • estabelecer padrões de compliance robustos;
  • proteger usuários (consumidores) em questões relativas a fraudes, públicos vulneráveis e tratamento de dados pessoais;
  • evitar o uso das plataformas para a prática de crimes (especialmente lavagem de dinheiro);
  • seguir padrões publicitários adequados;
  • fornecer proteção jurídico-contratual e de propriedade intelectual em todas as relações do setor;
  • conter o aumento de casos de jogadores patológicos e dos problemas sociais decorrentes; e
  • mitigar as práticas de match fixing.

A regulação das apostas esportivas on-line no Brasil teve início mais marcante com a Lei 13.756/18. Em seu art. 29, essa modalidade lotérica é definida como apostas de quota fixa:

“Art. 29. Fica criada a modalidade lotérica, sob a forma de serviço público exclusivo da União, denominada apostas de quota fixa, cuja exploração comercial ocorrerá em todo o território nacional. § 1º A modalidade lotérica de que trata o caput deste artigo consiste em sistema de apostas relativas a eventos reais de temática esportiva, em que é definido, no momento de efetivação da aposta, quanto o apostador pode ganhar em caso de acerto do prognóstico”.

Independentemente das discussões sobre a definição estabelecida na lei (apostas não seriam propriamente uma modalidade lotérica, por exemplo), o fato é que as apostas de quota fixa (ou as apostas esportivas, on-line ou não) são definidas no ordenamento como sistemas de apostas relacionadas a eventos reais de temática esportiva, nos quais, no momento da efetivação da aposta, o apostador sabe quanto poderá ganhar, caso o prognóstico da aposta se confirme.

Ao detalhar um pouco o conceito, é possível extrair os seguintes elementos:

  • há um contrato de aposta firmado com promessa de uma contraprestação para o usuário, se confirmado o prognóstico;
  • a aposta deve estar atrelada a um evento real de temática esportiva, o que inclui qualquer evento esportivo – como futebol, xadrez, e-sports –, mas exclui situações fantasiosas ou não reais;
  • a atividade deve ser feita por um sistema (conjunto de elementos organizados) físico ou digital, normalmente sustentado pelas conhecidas plataformas de aposta que exploram o negócio (bookmakers); e
  • quando a aposta é efetivada (seja antes do evento esportivo ou durante), o apostador já sabe qual será o valor que receberá se o prognóstico de sua aposta (resultados futuros do evento esportivo) for confirmado (resultado apostado é igual ao resultado real final).

Os parágrafos 2° e 3° do art. 29 definiram que essas apostas serão autorizadas ou concedidas pelo Ministério da Fazenda, que deve regular o tema em até dois anos após a publicação da lei, prazo renovável por até mais dois anos. Ou seja, o prazo máximo é dezembro de 2022.

A regulação está a cargo da Secretaria de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria (Secap) do Ministério da Economia, e algumas minutas do decreto regulamentador já circularam.

Um dos pontos que deve ser abordado nessa regulação é a definição jurídica dos agentes envolvidos nesse mercado – quem são o regulador, o apostador, o operador, aqueles que prestam serviços aos operadores, os revendedores etc.

Outro ponto é como a autorização da exploração da atividade será feita:

  • por monopólio (mais improvável), número limitado de players ou número aberto de players (tendência global, na Europa, por exemplo, 25 dos 29 países seguem essa forma);
  • sob regime de autorização, permissão ou concessão (a tendência é que seja pelo regime de autorização);
  • por quanto tempo; e
  • sob quais critérios.

Um terceiro aspecto se refere à definição das competências do Ministério da Economia e da Secap na regulação, supervisão e fiscalização desse mercado e como isso será feito.

O decreto também deverá estabelecer as obrigações dos agentes envolvidos na exploração de apostas esportivas, como assegurar o jogo responsável e a integridade das apostas, mitigar os riscos mencionados acima e respeitar parâmetros de publicidade adequados.

Espera-se ainda que o decreto regulamentador discipline a operacionalização tributária da arrecadação dos valores envolvidos na exploração das apostas.