A capacidade plena consiste na aptidão de uma pessoa física para adquirir direitos e exercer deveres na ordem civil. Os menores de 16 anos são considerados absolutamente incapazes por não conseguirem exercer pessoalmente e por si só os atos da vida civil. Por sua vez, são considerados relativamente incapazes aqueles submetidos a determinada restrição nos seus atos, ou na maneira e exercê-los, ou seja: (i) jovens entre 16 e 18 anos, (ii) ébrios habituais e os viciados em tóxico, (iii) os que, por causa transitória ou permanente, não podem exprimir sua vontade e (iv) os pródigos.

Para que haja o reconhecimento da incapacidade relativa dos três últimos grupos citados, é preciso interditá-los por meio da instituição de curatela via ação judicial específica. Ao curador nomeado judicialmente para dar assistência ao relativamente incapaz, incumbe o papel de administrar os bens do curatelado, em proveito deste, de modo a auxiliá-lo na prática dos atos da vida civil.

A validade de todo o negócio jurídico requer a capacidade plena das partes envolvidas ou, subsidiariamente, para aqueles considerados relativamente incapazes, o devido acompanhamento de seu curador, a fim de resguardar que a manifestação de vontade atenda, de fato, aos interesses e expectativas dos envolvidos. Essa premissa é essencial também em todos os negócios jurídicos imobiliários: compra e venda, locação, instituição de usufruto e doação de imóveis.

Em março de 2021, a 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve sentença que anulou uma doação de imóvel feita por idoso que, poucos meses antes de ser legalmente interditado por incapacidade mental, havia doado seu único imóvel, no qual residia, para sua vizinha, com reserva de usufruto vitalício para si. O laudo médico produzido comprovou que o idoso já carecia de lucidez à época da doação, o que justificou a anulação do negócio jurídico por vício de vontade.

Na oportunidade do julgamento em primeira instância, inalterado em sede recursal, foi reconhecida a má-fé da donatária na transação, vez que era nítida a baixa cognição do doador acerca dos atos da vida em geral. Como consequência, a beneficiária foi condenada ao pagamento de indenização por danos morais fixados em R$ 10 mil.

O ponto importante dessa decisão é o reconhecimento de que a doação de imóvel por relativamente incapaz está sujeita à anulação, mesmo que o procedimento de interdição judicial ainda não esteja concluído à época da transação para reconhecimento da relativa incapacidade do doador.

Toda e qualquer operação imobiliária deve ter a prévia verificação do preenchimento dos requisitos para a celebração de um negócio jurídico, a começar pela capacidade dos agentes envolvidos. O fato de uma pessoa não ser juridicamente interditada, portanto, não obsta a anulação de contrato imobiliário se for constatado que, à época da transação, ela já manifestava incapacidade de praticar sozinha determinados atos, ou na maneira de exercê-los, manifestando sua vontade de forma viciada.

Essa decisão judicial cria um precedente para que as famílias possam buscar a anulação de contratos imobiliários celebrados anteriormente ou no curso do processo de interdição, a fim de proteger aquele que ainda não tenha sido declarado incapaz no momento da celebração. Por sua vez, do outro lado da relação contratual, surge a necessidade de se atuar de forma mais diligente para assegurar que a pessoa que negocia não possa ser considerada relativamente incapaz, o que colocaria em risco a validade do negócio jurídico pretendido.

Embora tal decisão possa gerar insegurança jurídica, tendo em vista a subjetividade na caracterização da incapacidade relativa ainda não decretada, entendemos que a proteção dos relativamente incapazes ainda não interditados deve prevalecer. Além disso, a realização de auditoria imobiliária robusta, inclusive com a obtenção de certidão negativa de interdições e tutelas em nome da contraparte, mitiga possíveis riscos de questionamento futuro da validade do negócio jurídico. Em se tratando de negócios jurídicos celebrados com pessoas físicas, sempre que houver dúvida sobre a capacidade civil de alguma das partes, é recomendável que a assinatura dos contratos se dê de forma presencial e sem a representação por procuradores.