Os contratos para compra ou venda de empresas, sejam eles elaborados pelos vendedores ou pelos compradores, usualmente seguem um padrão de mercado. A diferença se refere apenas a determinadas exigências ou à intensidade ou maneira de determinar certas condições, a depender de que lado elabora a primeira minuta.

Em geral, a indústria também estabelece determinadas condições, porque algumas questões normalmente atingem todas as empresas em um mesmo segmento de atuação, em maior ou em menor proporção. Um exemplo frequente são as atividades que têm regras e legislação próprias à atividade e são fiscalizadas por agências reguladoras, como acontece com as empresas concessionárias ou autorizatárias de serviços públicos de energia e telecomunicações. Nesses casos, existem não só questões típicas da indústria do ponto de vista comercial de relação com os clientes e fornecedores, mas também exigências de legislação específica.

Ao longo da negociação e, principalmente, após a realização da investigação da situação da empresa objeto da aquisição, surgem normalmente outras situações específicas que devem ser abordadas nos contratos de aquisição e que, sim, são situações daquela determinada empresa.

Embora todas essas condições comuns existam e diversas cláusulas contratuais sejam consideradas “padrão”, em todas as aquisições os contratos obviamente são diferentes, por questões específicas à indústria ou à situação jurídica, financeira e comercial da sociedade objeto de aquisição, como à pessoa dos vendedores (se uma família que diretamente detém participação na empresa, um grande conglomerado ou até mesmo o mercado, quando se trata de uma companhia aberta, com ou sem controle definido).Os temas abordados são os seguintes:

  • preço e ajuste;
  • condições precedentes ou condições de fechamento;
  • indenização (o que é indenizável por cada uma das partes, quais os limites, se existentes, para a obrigação de indenização, sejam temporais ou de valor);
  • atos de fechamento; e
  • disposições gerais e forma de solução de controvérsias entre as partes (arbitragem ou judicial, mediação etc.).

Nas transações de aquisição de maneira geral, portanto, há todo um arcabouço jurídico para buscar a proteção, do lado do comprador, em relação às possíveis contingências, materializadas ou não, em relação à empresa que são preocupantes porque podem recair sobre o comprador. Afinal, obter indenização por perdas oriundas da prática de atos ou de fatos ocorridos antes da efetivação da compra pode ser complexo. Essa é a preocupação maior de quem adquire um negócio no Brasil. Tanto é assim que, em muitas aquisições, também são constituídas ou solicitadas garantias para a obrigação do vendedor de indenizar o comprador após a conclusão da transação.

A condições precedentes certamente preocupam, além de outras eventuais situações ou condições do negócio, mas é inegável que a cláusula de indenização é quase sempre a que costuma causar as maiores discussões entre as partes. Ela é normalmente o ponto mais estressante para o comprador em operações de aquisição. São consequências posteriores ao fechamento – à efetivação da aquisição – que de fato requerem muita dedicação durante a negociação. Até porque o tempo entre a assinatura e o fechamento é o menor possível, exceto em operações que dependam de autorização prévia da autoridade de defesa da concorrência, de agência reguladora ou de acionistas para poderem ser concluídas.

 

Na recuperação judicial, a preocupação muda

 

Em um tipo de aquisição, especialmente, o foco de preocupação muda bastante: são as aquisições de empresas (ou ativos de empresas) em situação de recuperação judicial. Nesses casos, as empresas em dificuldades financeiras podem ter maior efetividade no pagamento dos seus credores e no restabelecimento de suas atividades. É um procedimento rigoroso e supervisionado, pelo qual a companhia endividada consegue um prazo para continuar operando enquanto negocia com seus credores, obedecendo à Lei de Recuperação e Falência (LRF ou Lei nº 11.101/05), conforme alterada.

O processo permite que companhias renegociem as dívidas acumuladas, com o objetivo de efetivamente possibilitar a recuperação das atividades e evitar o fechamento, demissões e falta de pagamentos. Para tanto, a empresa deve apresentar seu plano de recuperação mostrando que, mesmo diante das dificuldades, consegue se reerguer, caso possa renegociar suas dívidas para continuar ativa com a produção.

Ao solicitar uma recuperação judicial, a empresa obtém uma moratória, ou seja, o pagamento aos credores é adiado ou suspenso, para que ela se concentre em pagar funcionários, matéria-prima e produtos essenciais para o funcionamento do negócio.

O art. 60 da LRF trata especificamente da venda de filiais ou Unidades Produtivas Isoladas (UPIs) da empresa em recuperação. O parágrafo único de tal dispositivo assegura ao adquirente a ausência de sucessão:

Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei.

Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no § 1o do art. 141 desta Lei.

A UPI não encontra definição na LRF, mas é entendida como algo próximo do estabelecimento, um conjunto de bens organizado por meio do qual é exercida uma atividade empresarial (seja a UPI uma sociedade e a totalidade de seu patrimônio ou apenas uma parte do patrimônio social).

Muito embora não haja definição legal, a UPI se forma quando o plano de recuperação judicial é aprovado pelo juiz e pelos credores. Ela pode ser objeto de venda durante o período da recuperação. Essa possibilidade permite, além da renegociação com os credores, o ingresso de investidores financeiros ou estratégicos e o restabelecimento do negócio. Para o mundo das fusões e aquisições, é, portanto, uma excelente oportunidade, muito embora a operação aqui tenha suas complexidades.

E, pasmem, a complexidade nessas aquisições não está no risco de o comprador suceder o vendedor em relação às contingências e aos passivos da sociedade (ou conjunto de ativos) objeto da transação. Isso porque a LRF determinou a inexistência de sucessão nas obrigações do devedor em alienações realizadas no âmbito da recuperação e da falência. O objetivo foi permitir que a alienação gere recursos que possibilitem a satisfação dos interesses dos credores, seja pelo pagamento direto e imediato de seus créditos, seja pela utilização da receita da transação para impulsionar as atividades da empresa, em cumprimento ao plano de recuperação judicial.

Ou seja, nos contratos de aquisição de UPIs, os potenciais problemas e a cláusula complexa não costumam ser a indenização nem a garantia de responsabilidade por passivos existentes ou que possam surgir posteriormente, mas que sejam oriundos de questões anteriores à efetivação da operação, porque nesses casos não há que se falar em sucessão do comprador em relação às pendências da recuperanda. Nessas situações de aquisição de UPIs, a grande preocupação está no procedimento de aquisição: a formação da UPI e sua abrangência (validade e legitimidade da constituição da UPI); o processo formal e o cumprimento das exigências previstas na Lei nº 11.101/05 e no respectivo plano de recuperação judicial para a consumação da operação; a manutenção da condição dos negócios e atividades; e a menor deterioração possível na situação econômico-financeira da UPI.

Trocando em miúdos, nos processos de aquisição de UPIs, a preocupação não é com a fase após o fechamento e a efetivação da aquisição, mas com o período anterior. Não apenas porque a situação econômico-financeira dos negócios desenvolvidos pela UPI é mais delicada, ou sua deterioração mais provável, mas por todas as demais questões, que são detalhadas a seguir.

Para minimizar os riscos da aquisição, mesmo após a homologação do plano de recuperação judicial que contempla a transação e seus principais termos e condições, é importante que tenha transcorrido o prazo legal para a interposição de qualquer recurso. No caso de haver recurso interposto, não deverá estar em vigor decisão judicial que atribua efeito suspensivo a tal recurso contra a decisão que autorizou a venda da UPI (além, claro, da decisão do Cade e de agências reguladoras, quando for o caso).

O risco de ocorrer o que no jargão das aquisições chama-se “efeito material (ou relevante) adverso” em relação aos negócios e à situação econômico-financeira da UPI é maior em razão da delicada situação da UPI mesmo antes da aquisição, a ponto de o tempo ser um fator determinante para o sucesso ou insucesso das operações. Com isso, a própria condução das atividades no seu curso normal e a necessária manutenção dos investimentos da sociedade em suas atividades e na preservação e atualização de ativos e da carteira de clientes, bem como todas as preocupações de não deterioração das atividades, são muito maiores do que em uma empresa em situação “normal” ou que não está em recuperação judicial.

Também é importante negociar o razoável acompanhamento de informações financeiras, no limite do que for permitido pela lei, para que o comprador possa conhecer e acompanhar a situação da UPI até a data de efetivação da aquisição.

Outra característica que ganha importância quando se trata de uma operação envolvendo uma UPI, embora não seja muito comum em transações de venda e compra de empresas, é o chamado breakup fee ou multa por rescisão do contrato de compra e venda antes do fechamento. No caso de uma UPI, essa é quase uma regra obrigatória para minimizar a perda da oportunidade do investimento, que, nos casos de recuperação judicial, pode ser decisiva para a não recuperação da UPI ou da vendedora, conforme o caso. Uma multa a ser paga em favor do vendedor passa a ser de extrema importância nesse caso.

Muitas vezes, nos contratos de venda e compra de UPIs, nem há obrigação de indenizar os vendedores – ou, ainda que exista, não se pode contar com ela. O risco nesse caso é apenas em relação aos custos de eventual defesa judicial, uma vez que a própria lei protege o comprador da responsabilidade pelos passivos anteriores da UPI.

Conclui-se que a ausência do maior temor (principalmente dos adquirentes/investidores estrangeiros, que por vezes têm maior dificuldade em compreender os riscos dos negócios brasileiros) em relação à sucessão dos passivos conhecidos e/ou ocultos do negócio após a sua efetivação pode não existir na aquisição de uma UPI. Nesse tipo de aquisição, a preocupação vem no período que antecede a efetivação da aquisição.

Por isso, seja uma aquisição de uma sociedade em situação normal, seja de um negócio em recuperação judicial, o desafio legal, financeiro e de negócios jamais deve ser desprezado. A questão é apenas o “momento” em que existe o maior risco: após ou antes da concretização da aquisição.