Clarissa Freitas, Rafael Costa Silva e Bernardo de Barros Castro

A Superintendência de Relações com Empresas (SEP) da CVM posicionou-se contra a proposta de alteração do estatuto social da Vale S.A. que pretendia mudar o sistema de eleição dos membros do conselho de administração da empresa, introduzindo a possibilidade do voto negativo (ou de rejeição). No novo sistema, só seriam elegíveis os candidatos que obtivessem mais votos favoráveis do que contrários dos acionistas da companhia.

Entendendo que a proposta caminhava na contramão das melhores práticas de governança adotadas por true corporations globais, um conselheiro independente da companhia protocolou na CVM, em 4 de fevereiro, uma consulta sobre a licitude das mudanças no sistema de eleições que seriam apreciadas pelos acionistas da companhia em assembleia geral extraordinária convocada com esse e outros objetivos.

Mais precisamente, o objeto da consulta se restringiu à análise dos incisos V e VI do novo §10ª do artigo 11 do estatuto social da companhia, transcritos a seguir:

“V – Serão considerados eleitos os candidatos com maior número de votos favoráveis, desde que superiores aos votos contrários; em caso de empate, será considerado eleito, sucessivamente, o candidato que houver recebido menos votos negativos ou o mais idoso;

VI – Não havendo, entre a lista submetida à Assembleia Geral pelo Conselho de Administração e eventuais candidatos avulsos, candidatos em número correspondente à composição aprovada para aquele mandato e que hajam recebido na Assembleia Geral mais votos favoráveis do que contrários, proceder-se-á a nova eleição em outra assembleia para os cargos não preenchidos, com a preparação de nova lista de candidatos, em número pelo menos igual aos cargos a serem preenchidos, e nesse período o Conselho de Administração funcionará com os membros já eleitos;”

Na avaliação do conselheiro que fez a consulta, a implementação do sistema de voto negativo dificultaria aos acionistas minoritários emplacar candidatos no conselho de administração, uma vez que a Vale ainda conta com muitos acionistas de peso, mesmo tendo se tornado uma companhia de capital disperso. Desse modo, os candidatos indicados pelos minoritários já contariam, de início, com expressiva quantidade de votos contrários (conferidos pelos grandes acionistas). Muito provavelmente, isso os tornaria inelegíveis de plano. É importante ressaltar que esse sistema de voto negativo se aplicaria tão somente à eleição “geral” de membros do conselho de administração. Ele não seria válido para as modalidades de voto múltiplo e voto em separado.

Além disso, o conselheiro ressaltou que, em caso similar analisado pela CVM em 2015 (Processo Administrativo CVM nº RJ2015/2925, envolvendo a Usiminas), a SEP já teria consignado que não caberiam votos de rejeição, para fins de quórum de deliberação, em eleições de membros do conselho de administração e do conselho fiscal.

Defendendo a proposta, a companhia sustentou que, diante da inexistência de qualquer vedação legal, as mudanças seriam lícitas e, portanto, poderiam passar a integrar seu estatuto social. Ainda, argumentou que o caso Usiminas nunca fora alvo de escrutínio pelo Colegiado da CVM, tendo sido analisado apenas incidentalmente.[1] Por fim, amparou-se em tese recente do ex-diretor da CVM Gustavo Machado Gonzalez segundo a qual as eleições dos conselhos de administração das companhias – de acordo com a Lei nº 6.404/76 – não estariam restritas ao sistema de votação majoritária. Caberia a cada sociedade adotar o modelo que lhe fosse mais conveniente.[2]

Em sua manifestação, a SEP destacou que, a despeito das semelhanças existentes entre o caso Usiminas e o da Vale, não se pode concluir que o primeiro represente um precedente para o segundo. Isso se deve principalmente porque a previsão expressa de que um candidato ao conselho de administração não possa ser eleito se tiver obtido mais votos de rejeição do que de aprovação é, ao que tudo indica, inédita para o nosso direito societário.

A SEP entendeu ainda que as alterações estatutárias propostas pela Vale fragmentariam o procedimento de eleições para o conselho, algo não previsto nas normas aplicáveis. No “novo” sistema, seriam excluídos – em um primeiro momento – aqueles candidatos cujo saldo de votos fosse negativo. Em um segundo momento, seriam escolhidos os novos conselheiros entre os candidatos restantes.

Além disso, a SEP pontuou que o sistema de voto negativo poderia gerar distorções, na medida em que um candidato poderia ser eleito mesmo recebendo menos votos favoráveis do que outro, o que representaria um falseamento do processo de eleições e da vontade dos acionistas. Nesse sentido, a SEP assentou que as mudanças nas eleições para o conselho de administração pretendidas pela Vale não se compatibilizavam com a sistemática da Lei nº 6.404/76, e rejeitou, portanto, a licitude do voto contrário.

Após essa manifestação, a Vale optou por desistir de apresentar essa proposta de alteração aos seus acionistas. A matéria não chegou a ser analisada pelo Colegiado, mas é provável que essa decisão da área técnica já sirva como desestímulo a outras companhias que queiram introduzir o sistema do voto contrário ou negativo em seus estatutos sociais.

No atual entendimento da CVM, as companhias até podem facultar que os acionistas votem contra determinado candidato. Entretanto, somente se admite o registro desse tipo de voto para delimitar a responsabilidade do acionista. Na prática, o voto contrário equivale à abstenção.


[1] O Colegiado da CVM não chegou a analisar o caso porque os recorrentes desistiram.

[2] GONZALEZ, Gustavo Machado. "Notas sobre a eleição do conselho de administração por meio de votação majoritária". In: Rodrigo Rocha Monteiro de Castro, Luis André Azevedo e Marcus de Freitas Henriques (coord.). Direito Societário, Mercado de Capitais, Arbitragem e Outros Temas – Homenagem a Nelson Eizirik. São Paulo: Quartier Latin, 2021, p. 446-447.