O Colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) julgou, em 13 de novembro, o Processo Administrativo CVM SEI nº 19957.005563/2020-75, que teve origem em recurso apresentado contra o entendimento da Superintendência de Relação com Empresas (SEP), manifestado por meio do Relatório nº 083/2020, no sentido de que os acionistas fundadores da Linx S.A. estariam impedidos de votar em determinadas matérias da ordem do dia da assembleia geral extraordinária (AGE) da companhia convocada para deliberar sobre a incorporação da totalidade de suas ações pela STNE Participações S.A.

No entendimento da SEP, o impedimento de voto decorreria da percepção de benefício particular pelos acionistas fundadores, nos termos do artigo 115, parágrafo 1º[1], da Lei das as (Lei nº 6.404/76), uma vez que estes, em razão da operação de incorporação de ações, celebrariam contratos de não concorrência e de consultoria com a incorporadora (contratos acessórios), sendo remunerados pelas obrigações assumidas.

O acionistas fundadores argumentaram que o benefício decorrente dos contratos acessórios não estava ligado à condição de acionista da Linx, nem mesmo decorria diretamente da decisão da assembleia, razão pela qual as contraprestações recebidas não poderiam se qualificar como benefício particular para fins de impedimento de voto nos termos da Lei das as (LSA).

Diversamente, a SEP sustentou que “não caberia entender a hipótese de benefício particular prevista no artigo 115, parágrafo 1º, da Lei nº 6.404/76 como restrita a benefícios recebidos na condição de acionistas, seja porque não há nada na letra da lei que restrinja essa interpretação, seja porque o próprio art. 109 já prevê que as ações de cada classe conferirão iguais direitos aos seus titulares”. Desse ponto de vista, a deliberação assemblear que pretendesse conferir direitos especiais a certos acionistas, nessa condição de acionista, não seria admissível de acordo com o art. 109.

Ainda para a SEP, “em que pese os compromissos de não concorrência e a proposta de contratação do [acionista controlador] não serem, por si só, objeto de deliberação em assembleia, tais acordos são condição essencial à operação, se originam justamente da proposta da STNE de incorporar a Linx], havendo, portanto, uma inegável relação direta e intrínseca entre o benefício que será auferido e a operação a ser deliberada em AGE. Não se trata de uma situação circunstancial e incerta que pode vir, eventualmente, a gerar uma conjuntura que beneficie, de alguma forma, o acionista. Pelo contrário, trata-se de contratos firmados no bojo da reestruturação e cujos efeitos só dependem da aprovação em assembleia da operação”.

No âmbito do processo, o Colegiado da CVM, por maioria, julgou procedente o recurso[2] interposto pelos acionistas fundadores, para admitir o voto deles na AGE da Linx que deliberou sobre a operação com base nos seguintes fundamentos (apresentados de forma resumida):

  • Os contratos acessórios não são objeto de deliberação na AGE, tampouco têm a Linx como contraparte ou interveniente nem geram obrigações ou ônus para a companhia;
  • Os benefícios não decorrem da condição de sócio dos acionistas fundadores e sequer guardam relação com a posição desses acionistas no capital social da Linx. Nesse sentido, não consubstanciam quebra de igualdade no tratamento dos acionistas, condição necessária para caracterizar a hipótese legal de impedimento de voto;
  • Os contratos acessórios não “nascem” da decisão da assembleia dos acionistas da Linx sobre as matérias da ordem do dia da AGE em questão, mas sim da aptidão e expertise dos acionistas fundadores para competir com a Linx após concluída a operação ou prestar os serviços contratados, conforme o caso;
  • Existe, nitidamente, uma correlação entre a deliberação da assembleia e os contratos acessórios, em razão da conexão para geração de efeitos, mas, ainda assim, não se caracteriza um benefício direto a que os acionistas darão causa por meio da decisão da assembleia; e
  • A interpretação de que o conceito de benefício particular abrangeria benefícios indiretos, auferidos em razão de contratos de qualquer natureza ou advindos de outras fontes (e não aqueles percebidos na qualidade de acionista), criaria uma interseção demasiado grande entre os conceitos de benefício particular e de interesse conflitante.

Em voto divergente, e corroborando o entendimento manifestado pela SEP, o diretor Henrique Machado entendeu pelo impedimento de voto em razão da percepção de benefício particular ou, alternativamente, em razão de conflito de interesses, com base nos seguintes fundamentos:

  • O princípio da igualdade de tratamento entre todos os acionistas restou tutelado pelo art. 109, parágrafo 1º, da LSA, e, assim, a adequada interpretação da hipótese de benefício particular do art. 115, §1º, é aquela que pressupõe o tratamento igualitário entre os acionistas e determina a abstenção de voto independentemente de a vantagem a ser auferida estar ligada à condição de acionista, desde que ela não seja extensível aos demais sócios;
  • Apesar de os contratos acessórios não serem deliberados pela AGE, ressoa o fato de que eles foram negociados em conjunto e integram as condições e as características da operação;
  • No campo da governança, tem-se típica situação de seleção adversa anterior à formação do contrato (ex ante) que deve ensejar a adoção de mecanismos preventivos ao risco de expropriação e incentivadores do alinhamento de interesses entre administração e acionistas minoritários, como o impedimento de voto; e
  • Ainda que se pudesse afastar a hipótese de benefício particular, restaria caracterizado o potencial conflito entre os interesses da Linx e os dos acionistas fundadores resultantes dos contratos acessórios, cuja imperatividade da expressão “não poderá votar” do art. 115, parágrafo 1º, da LSA impede a participação dos acionistas fundadores.

Em sua manifestação de voto, o diretor Alexandre Costa Rangel divergiu dos diretores Marcelo Barbosa e Flávia Perlingeiro exclusivamente com relação ao reconhecimento do impedimento de voto de acionistas em casos de conflito de interesse, nos termos a seguir: “não vislumbro amparo legal para impedir previamente o exercício do direito de voto de acionista em conflito de interesses, com base no art. 115, §1°, in fine, da Lei n° 6.404/76 . A meu ver, o regime jurídico previsto na lei do anonimato não autoriza o impedimento formal de voto a priori de acionista na hipótese de conflito de interesses, nos termos do dispositivo supracitado”.

Como resultado, o processo reverteu o entendimento da SEP, tendo o Colegiado da CVM declarado que, para os fatos sob análise (aqueles aventados no Relatório SEP e demais conhecidos até a data do julgamento), os acionistas fundadores da Linx não estariam impedidos de votar na AGE convocada para aprovar a operação.


[1] Art. 115. O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas.

  • § 1º o acionista não poderá votar nas deliberações da assembleia-geral relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social e à aprovação de suas contas como administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia.

[2] Com manifestações de voto favoráveis do diretor presidente Marcelo Barbosa e dos diretores Flávia Perlingeiro e Alexandre Costa Rangel.