As mudanças climáticas e a crescente preocupação das empresas em fomentar práticas sustentáveis e de governança cada vez mais sólidas levam os mercados financeiro e de capitais no mundo a dedicar cada vez mais atenção à análise e incorporação dos aspectos ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança ou, em português, ASG) a processos de avaliação de riscos e/ou oportunidades de investimento.

O cenário no Brasil não é diferente. A Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), entidade autorreguladora e porta-voz do mercado, demonstra preocupação cada vez maior com o tema, especialmente quando aplicado a fundos de investimento e seus gestores de recursos.

A primeira iniciativa nesse sentido é de janeiro de 2020, quando a Anbima editou o Guia ASG | Incorporação dos aspectos ASG nas análises de investimento. A publicação dispôs sobre conceitos ASG e indicadores de performance nacionais e globais, traçou o panorama da indústria brasileira e mundial, além de apresentar recomendações de requisitos essenciais a serem observados nas políticas de investimento implementadas por gestores.

Nesse cenário, para elaboração de política ASG, a Anbima recomenda que os gestores observem, no mínimo, os aspectos abaixo:

  • O gestor de recursos que queira implementar os aspectos ASG em suas análises de investimento deve divulgar, de forma clara e objetiva, como os critérios são incorporados na política de investimento, contendo as regras, os procedimentos e os controles para a implementação e manutenção desse tipo de investimento. É recomendável que o documento contenha, no mínimo, as seguintes informações:
  • lista dos fundos que aderem à política ASG;
  • total de ativos ASG sob gestão;
  • funcionários responsáveis pela análise e gestão ASG, bem como atribuição das responsabilidades;
  • fatores ASG que são considerados relevantes e que são foco dos investimentos;
  • indicadores utilizados para avaliar as questões ASG;
  • procedimentos adotados para aquisição e monitoramento dos ativos ASG;
  • governança adotada e tratativas implementadas, incluindo política de voto e os critérios para o desinvestimento dos ativos que desenquadrem os requisitos previstos na política de investimento ASG; e
  • periodicidade de revisão da política de investimento do gestor.
  • Sem prejuízo de sua responsabilidade, o gestor de recursos pode contratar terceiros para auxiliar na avaliação ou no acompanhamento dos aspectos ASG dos ativos sob gestão, devendo realizar, para essa contratação, prévia e criteriosa análise de seleção dos contratados.
  • Também sem prejuízo de sua responsabilidade, o gestor de recursos pode, ainda, constituir comitê ou organismo que seja responsável por aprovar as aquisições e o monitoramento de ativos de ASG para os fundos de investimento sob sua gestão. Na hipótese de sua instauração, é recomendável:
  • estabelecer forma de reporte, incluindo hierarquia e alçada;
  • definir a periodicidade em que as reuniões serão realizadas;
  • documentar as decisões e deliberações tomadas; e
  • arquivar os documentos que fundamentaram as decisões.
  • É recomendável que a instituição responsável pela implementação de política ASG publique em seu site o documento e o mantenha atualizado, informando a data de vigência e a data da última revisão. Em todo caso, a política ASG deverá ser revista de forma periódica e sempre que as condições, o ambiente e os pressupostos nos quais ela se baseia se alterarem de forma significativa e relevante, seu conteúdo deverá ser readequado.

A Anbima reconheceu, porém, que as estratégias de investimento difundidas no mercado demonstram que não há um padrão específico. Assim, as informações listadas nesse primeiro guia devem servir apenas como um direcionamento. Cabe ao gestor adequá-las à sua necessidade.

 

Regras para fundos de renda fixa e de ações publicadas em janeiro de 2022

 

Em 3 janeiro deste ano, a entidade autorreguladora voltou suas atenções para a indústria de fundos de investimento especificamente e editou o manual de Regras e Procedimentos para Identificação de Fundos de Investimento Sustentável (IS). O documento estabelece regras, critérios e procedimentos a serem observados obrigatoriamente apenas pelos fundos de renda fixa e de ações, e seus respectivos gestores, que optarem por:

  • identificar seus fundos como de investimento sustentável na base de dados da Anbima (aqueles que têm o investimento sustentável como objetivo); ou
  • divulgar em materiais publicitários que as chamadas “Questões ASG” são consideradas em suas políticas de investimento no atingimento de seus objetivos diversos (ex.: para a melhor identificação de riscos na análise de ativos).

As determinações do manual estão vigentes desde a data de sua publicação e deverão ser implementadas pelas instituições participantes em até 180 dias.

Em fevereiro deste ano, a Anbima editou o Guia ASG II | Aspectos ASG para gestores e para fundos de investimento, com a função dupla de complementar o primeiro guia (com informações atualizadas do panorama de mercado e das referências internacionais na matéria) e auxiliar os fundos de investimento – das classes de ações e renda fixa (neste primeiro momento) – identificados ou que pretendam se identificar como fundos de investimento sustentável (e seus respectivos gestores) a interpretar e cumprir as determinações inseridas no manual de regras.

O Guia ASG II enfatizou que a responsabilidade do gestor se dá na medida em que a opção de trabalhar com produtos sustentáveis, ou que consideram questões ASG, envolve um processo incorporado à gestão, diferentemente de outros tipos de fundos cujas características são determinadas principalmente pelas classes de ativos que compõem suas carteiras. Esses critérios, contudo, não são relacionados às políticas de sustentabilidade internas dos gestores (como empresas), mas sim às suas políticas, procedimentos e estrutura voltados à incorporação dos fatores ASG em seus processos de análise e gestão de investimentos.

O segundo guia da Anbima sobre ASG traz ainda regras específicas aplicáveis ao gestor de recursos, como a obrigação de elaborar e manter em seu site documento contendo diretrizes, regras, procedimentos, critérios e controles que serão adotados pela instituição (ou, alternativamente, por todo o conglomerado ou grupo econômico) sobre a integração de questões ASG e/ou de investimento sustentável.

Além dos critérios a serem aplicados ao gestor, a denominação de um fundo como sustentável (IS) depende de um conjunto de requisitos explicitados no manual de regras (a serem verificados com o próprio fundo), conforme detalhado abaixo:

  • No que se refere ao compromisso do fundo com o investimento sustentável:
  • incluir em sua denominação o sufixo “IS” (investimento sustentável);
  • explicitar em seu regulamento um resumo do objetivo de investimento sustentável do fundo; e
  • demonstrar o alinhamento da carteira ao objetivo de investimento sustentável do fundo IS e que os investimentos remanescentes ou temporários “não causam dano” a esse propósito.

É importante enfatizar que a Anbima não determinou critérios prescritivos – como percentuais mínimos de composição ou indicação de metodologia aceitáveis – por entender que diversas combinações de portfólio e gestão podem produzir resultados semelhantes no alcance de um objetivo de investimento sustentável. De toda forma, o gestor deve estabelecer parâmetros para a avaliação do alinhamento da carteira e de potenciais danos ao objetivo do Fundo IS.

  • No que se refere às ações continuadas que realiza:
  • adotar e divulgar estratégia de investimento que compreenda, no mínimo: metodologia utilizada com vistas ao(s) objetivo(s) de investimento sustentável do fundo IS; fonte(s) de referência das informações utilizadas em conformidade com essa metodologia e a forma pela qual são processadas; e outras ferramentas empregadas que complementem ou apoiem essa estratégia;
  • identificar possíveis limitações nas metodologias utilizadas com vistas aos objetivos do fundo IS, incluindo as relativas ao tratamento dos dados e às ferramentas utilizadas;
  • adotar e divulgar ações de diligência para assegurar o(s) objetivo(s) de investimento do fundo IS em relação às limitações identificadas (ex.: o gestor pode explicar como se protege contra as informações potencialmente danosas, ou não auditadas, e deve informar como assegura a administração de conflitos na contratação de agências de rating ASG, que poderão, também, prover serviços de consultoria para as empresas ou os fundos alvos da sua avaliação);
  • apresentar quais ações, métricas e/ou indicadores materiais são utilizados para monitorar o(s) objetivo(s) de investimento do fundo IS;
  • adotar e divulgar processos sistemáticos de engajamento com os emissores dos ativos integrantes do portfólio em questões relevantes, a fim de concretizar o(s) objetivo(s) do fundo IS – dependendo da estratégia escolhida, o gestor poderá ter que exercer um papel de destaque como indutor de melhores práticas socioambientais e de governança nas empresas investidas (engajamento que pode ser praticado tanto por investidores em ações quanto por detentores de títulos de dívida); e
  • caso o gestor de recursos tenha poder de voto em órgão de tomada de decisão de uma investida, seguir o disposto nas “Regras e Procedimentos para Exercício de Direito de Voto em Assembleias nº 02”, de 23 de maio de 2019, e adotar práticas de votação que estejam em harmonia com o(s) objetivo(s) do fundo IS (proxy voting), lembrando que o Código de Administração de Recursos de Terceiros da Anbima traz regras a esse respeito.
  • Em todo caso, os indicadores e/ou métricas definidos para fins de verificação do desempenho do fundo IS quanto ao seu objetivo de sustentabilidade, às limitações de sua metodologia e/ou dos dados utilizados e à verificação do princípio de “não causar dano” sobre a alocação de recursos do portfólio devem ser objeto de registro e acompanhamento ao longo do tempo.
  • Divulgar, de forma clara, objetiva e atualizada, no material publicitário do fundo IS, seu(s) objetivo(s) de investimento sustentável e as estratégias e ações utilizadas para buscar e monitorar esse(s) objetivo(s) para dar transparência ao investidor.
  • Assegurar, caso seja utilizado índice como referência, que esse índice esteja igualmente alinhado com o(s) objetivo(s) de investimento sustentável do fundo IS. O gestor poderá replicar índices que incorporam critérios de sustentabilidade, refinar um indicador existente, construir um índice proprietário ou envolver-se ativamente com as empresas do índice em torno de questões de sustentabilidade. A metodologia do indicador ou aquela adotada deve ser formalizada, e a performance do índice em relação ao objetivo do fundo deve ser monitorada, bem como as limitações previamente identificadas.
  • Ter um gestor de recursos que cumpra as regras do manual. Os objetivos de investimento sustentável do gestor e do fundo IS, além das estratégias e ações utilizadas para buscar e monitorar esse propósito, deverão ser informados de forma clara, objetiva e atualizada, nos documentos do fundo IS.

Embora o manual de Regras e Procedimentos para Identificação de Fundos de Investimento Sustentável (IS) seja destinado apenas a fundos de renda fixa e fundos de ações, é possível que critérios semelhantes sejam editados e aplicados pela Anbima para outros tipos de fundos, como os multimercado e os estruturados (fundos de investimento em participações – FIPs, fundos de investimento em direitos creditórios – FIDCs e fundos de investimento imobiliários – FIIs), auxiliando o segmento e os investidores a avançar nessa agenda.