Por Decio Pio Borges de Castro, Antonio Carlos Amorim Castello Branco, Maria Angelica Valadão Arruda Quelhas e Milena de Azevedo Almeida

Nos últimos anos uma série de companhias brasileiras, principalmente as do setor de tecnologia, vêm optando por abrir seu capital e listar suas ações no exterior, sobretudo nos Estados Unidos. Uma das principais razões para essa decisão é a possibilidade de adoção do voto plural, até pouco tempo inexistente no ordenamento jurídico brasileiro.

O voto plural adotado é admitido em diversas jurisdições com o objetivo de garantir a determinado grupo de acionistas direitos políticos em proporção maior que os direitos econômicos detidos por eles. Normalmente, os acionistas titulares de voto plural são os controladores e fundadores de companhias, que, após rodadas de investimentos, acabam tendo suas participações acionárias diluídas e, como consequência, seu poder de controle reduzido.

Buscando conferir maior competitividade ao mercado de capitais local, foi editada a Medida Provisória (MP) 1.040/21, posteriormente convertida na Lei 14.195/21, também conhecida como a Lei do Ambiente de Negócios. Criticada por ter sido instituída por medida provisória – que pressupõe uma urgência e dispensa o processo legislativo ordinário –, essa lei trouxe sensíveis alterações à Lei 6.404/76 (Lei das S.A.), entre as quais a possibilidade de adoção do voto plural nas sociedades anônimas de capital fechado ou aberto.

O legislador levou em consideração os riscos e impactos que a implementação do voto plural poderia ter sobre os padrões de governança corporativa das companhias brasileiras. Assim, a exemplo dos demais países em que o voto plural é autorizado, a legislação brasileira incorporou uma série de salvaguardas que limitam a implementação do voto plural. Entre essas salvaguardas, destacam-se quatro:

  • a sunset clause (cláusula de caducidade);
  • a limitação da quantidade de votos por ação com voto plural até um máximo de dez votos por ação;
  • a impossibilidade de utilização do voto plural em deliberações sobre a remuneração dos administradores; e
  • a impossibilidade de sucessão das ações com voto plural.

A sunset clause pode ser entendida como o período, estipulado na legislação ou pela convenção dos acionistas, durante o qual a utilização do voto plural é permitida na companhia. No Brasil, o período máximo atribuído às ações ordinárias com voto plural é de sete anos, prorrogáveis por deliberação posterior dos acionistas.

Essa cláusula busca limitar os impactos negativos que o voto plural traz para a governança da companhia por causa da dissociação entre propriedade e controle. A salvaguarda se justifica porque, apesar de a estrutura do voto plural poder ser atrativa no momento da abertura de capital, a manutenção indiscriminada do sócio fundador-controlador em uma posição de controle por tempo indeterminado pode gerar controvérsias. O sócio controlador pode passar a ser considerado inadequado para a condução dos negócios e capaz de gerar prejuízo aos demais sócios, em especial aos responsáveis pelos aportes de maior valor.

Como contraponto, a sunset clause nos Estados Unidos não tem o seu limite atrelado a um marco fixo estabelecido pela legislação, mas sim à ocorrência de determinado evento (triggering-event sunset). Um exemplo é a situação em que o controlador deixa de exercer função executiva na administração da companhia ou quando sua participação é reduzida, ficando abaixo de determinado nível (ownership-percentage sunset). Esse modelo de sunset clause também é alvo de críticas de alguns estudiosos, para os quais atrelar o limite a determinado evento pode permitir que o controlador retenha o controle da empresa por tempo indefinido.

A sunset clause é parte extremamente relevante do instituto do voto plural para evitar potenciais desgastes à governança corporativa da companhia, mas a forma de impor essa limitação ainda precisa ser estudada e desenvolvida, conforme o instrumento venha a ser utilizado no país, para que se atinja a estrutura mais eficiente possível.

Outra salvaguarda que visa à proteção dos demais sócios além do controlador é a limitação da quantidade de votos por ação até um máximo de dez. Assim como a sunset clause, essa medida tem por objetivo restringir o poder do sócio fundador-controlador, de forma a impedir que este, com menor número de ações votantes, controle a companhia de maneira irrestrita, utilizando-se do seu poder de voto de modo a invalidar a decisão dos demais acionistas em qualquer hipótese.

Esse limite de dez votos por ação com voto plural foi objeto de críticas em virtude das práticas adotadas no exterior. As companhias que abriram o capital nos Estados Unidos nos últimos 24 meses optaram pelo uso do voto plural com a atribuição de 20 votos por ação, em média, sendo que em alguns casos esse número chegou a 40 votos por ação. Em razão disso, analistas têm tecido opiniões acerca da limitação imposta pela Lei das S.A., alertando que os parâmetros adotados localmente podem prejudicar a atratividade do mercado de capitais, considerando a maior flexibilidade dos instrumentos de voto plural disponíveis em outros países.

Outra salvaguarda prevista na Lei 14.195/21 impede o controlador, responsável pela eleição da maioria dos administradores, conselheiros e diretores da companhia, de utilizar o voto plural para determinar a remuneração a eles devida. Essa limitação visa evitar que o acionista controlador beneficie os administradores que indicou em detrimento dos interesses da companhia. Por outro lado, a determinação torna o direito de voto plural parcialmente ineficaz, tendo em vista que, nesses casos, o voto do controlador com voto plural teria o mesmo valor do voto de uma ação ordinária comum, resultando na obrigatoriedade de o controlador compor com os demais acionistas para deliberar sobre a referida matéria.

As salvaguardas, como um todo, impõem limitações ao uso do voto plural, para proteger as melhores práticas de governança corporativa. Por mais que o sócio fundador-controlador tenha expertise sobre o objeto dos negócios da empresa e possa tomar decisões que beneficiem sua companhia, é importante que seu poder seja moderado e limitado de alguma maneira, para evitar que tome decisões arbitrárias e traga insegurança aos demais acionistas.

Apesar das críticas feitas à adoção do voto plural no Brasil, em particular pela forma como ele foi introduzido em nosso ordenamento jurídico, o instrumento tem sido bem recebido no país e visto como um avanço para responder a uma preocupação que há anos vem sendo discutida pelos agentes do mercado de capitais local.

Para muitos, as salvaguardas adotadas funcionam como uma proteção às boas práticas de governança corporativa, que, de outra forma, poderiam ser ameaçadas por um voto plural sem restrições essenciais. Cumpre aos operadores do direito e agentes do mercado acompanhar a evolução do instituto no país e esperar que os legisladores sejam capazes de implementar os eventuais ajustes necessários em prol de sua utilização e da promoção da competitividade do mercado local.

A implementação do voto plural, sem dúvida, pode ser considerada um passo importante para o desenvolvimento de um mercado de capitais mais eficiente, competitivo e com regras mais flexíveis e evoluídas.