Entre as inovações trazidas pela Medida Provisória 1.103 (MP 1.103/22) – que trata de regras gerais aplicáveis à securitização de direitos creditórios e à emissão de certificados de recebíveis, entre outros temas –, umas das mais relevantes é possibilidade de se constituir regime fiduciário em operações cujos recebíveis sejam vinculados ao pagamento de quaisquer tipos de valores mobiliários.

Editada em 15 de março pelo governo federal, a MP estabelece no parágrafo único do seu artigo 17 que “são consideradas operações de securitização a emissão e a colocação de valores mobiliários[1] junto a investidores, cujo pagamento é primariamente condicionado ao recebimento de recursos dos direitos creditórios que o lastreiam”.

Até então, a possibilidade de constituição de regime fiduciário era restrita a operações envolvendo Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) ou Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs), conforme disposto nos artigos 9 da Lei 9.514/97 e 39 da Lei 11.076/04, respectivamente. O artigo 24 da nova MP, porém, estende a possibilidade de se constituir regime fiduciário a operações cujos recebíveis sejam vinculados a valores mobiliários de qualquer espécie:

“Art. 24. A companhia securitizadora poderá instituir regime fiduciário sobre os direitos creditórios e sobre os bens e direitos que sejam objeto de garantia pactuada em favor do pagamento dos Certificados de Recebíveis ou de outros títulos e valores mobiliários representativos de operações de securitização[2] e, se houver, do cumprimento de obrigações assumidas pelo cedente dos direitos creditórios”.

Já o artigo 25 e o parágrafo 7 do artigo 21 determinam que o regime fiduciário será instituído mediante declaração unilateral da companhia securitizadora, ao firmar termo de securitização ou o instrumento de emissão dos valores mobiliários em questão. Tanto o termo como o instrumento devem ser registrados em entidade autorizada pelo Banco Central do Brasil ou pela Comissão de Valores Mobiliários, aos quais compete exercer a atividade de registro ou depósito centralizado de ativos financeiros e de valores mobiliários, conforme a Lei 12.810/13.

Constituído o regime fiduciário, o artigo 26 da MP 1.103/22 determina que os direitos creditórios a ele atrelados passarão a estar sujeitos às seguintes regras:

  • constituirão patrimônio separado, que não se confunde com o seu patrimônio comum ou com outros patrimônios separados de titularidade da companhia securitizadora decorrentes da constituição de regime fiduciário em outras emissões de valores mobiliários;
  • serão mantidos apartados do patrimônio comum e de outros patrimônios separados da companhia securitizadora até que se complete a amortização integral da emissão a que estejam afetados;
  • serão destinados exclusivamente à liquidação dos valores mobiliários a que estiverem afetados e ao pagamento dos custos de administração e de obrigações fiscais correlatas, observados os procedimentos estabelecidos dos documentos da emissão;
  • não responderão perante os credores da companhia securitizadora por qualquer obrigação;
  • não serão passíveis de constituição de garantias por quaisquer dos credores da companhia securitizadora, por mais privilegiados que sejam; e
  • somente responderão pelas obrigações inerentes aos valores mobiliários a que estiverem vinculados.

A nova regra não chega a ser totalmente uma novidade para o mercado. Algo semelhante ao regime fiduciário já vinha sendo feito em operações que não envolviam recebíveis imobiliários – CRIs ou CRAs – por meio de alguns institutos jurídicos. Um exemplo são as debêntures financeiras, reguladas pela Resolução 2.686/00 do Conselho Monetário Nacional. Nessas operações, costumava-se constituir uma cessão fiduciária sobre os recebíveis financeiros vinculados à emissão, para proteger o investidor contra credores da securitizadora. Esses mecanismos, entretanto, traziam uma série de complicações operacionais, complexidade na estruturação de documentação e um aumento de custos com registro em cartórios de títulos e documentos da garantia, especialmente em caso revolvência de direitos creditórios.

Ao possibilitar uma maior padronização na estruturação das operações com diferentes valores mobiliários, propiciar uma redução dos custos e conferir maior segurança jurídica para os investidores em relação à blindagem dos direitos creditórios vinculados contra credores e outras obrigações da securitizadora, a MP 1.103/22 contribui para fortalecer a indústria de securitização no Brasil.

A norma entrou em vigor na data de sua publicação, mas ainda precisa ser convertida em lei pelo Congresso Nacional. Seu prazo de vigência é de 60 dias, prorrogável automaticamente por igual período, caso a votação não seja concluída no prazo estipulado.

 

[1] Grifo nosso

[2] idem