Há pelo menos três décadas, o setor produtivo brasileiro e a população de forma geral sofrem as consequencias dos baixos investimentos em infraestrutura. A carência é grande e variada, desde ruas, estradas e opções de transporte público, passando por portos, aeroportos, ferrovias, até saneamento básico, energia e outros equipamentos públicos.

O desenvolvimento da economia acelerou estes investimentos, mas muito ainda precisa ser feito.

Os dois maiores eventos esportivos do planeta, a Copa do Mundo de Futebol e os Jogos Olímpicos, alteraram radicalmente este cenário, colocando um prazo para as obras. Essa foi uma das principais conclusões do Seminá- rio Internacional “Infraestrutura Brasil: Projetos de Infraestrutura e Oportunidades de Financiamento no Setor Esportivo”, que reuniu, em junho, durante 3 dias, cerca de 200 pessoas no Rio de Janeiro.

Em uma ocasião rara, reuniram-se governo (das três esferas), financiadores, empresários, reguladores, assessores e especialistas das mais diversas áreas com o objetivo de apresentar experi- ências de sucesso e discutir a viabiliza- ção, no tempo necessário, dos projetos. Quatro grandes temas dominaram os debates: mobilidade urbana; portos, aeroportos e hotelaria; financiamento; e os projetos urbanísticos da cidade do Rio de Janeiro.

A sede das Olimpíadas 2016 apresentou em detalhes os planos de revitalização e sua sustentação estratégica e financeira. Após traçar um panorama do cenário econômico do Rio de Janeiro, o secretário de Desenvolvimento, Felipe Góes, apresentou as principais oportunidades de investimento da cidade. Destaque para as obras na área de transportes (metro, ônibus, aeroporto etc.), reforma urbana (Projeto Porto Maravilha e reurbanização de avenidas), imobiliária (Projeto Minha Casa, Minha Vida e a construção da Vila Olímpica) e turística (expansão da capacidade hoteleira em 20 mil quartos e construção de novos centros de convenção e outras infraestruturas de serviços).

O projeto em fase mais adiantada é o Porto Maravilha. Lançado em junho passado, o projeto tem o objetivo de revitalizar toda a zona portuária da cidade, transformando-a em um pólo turístico e empresarial. A primeira fase do projeto, orçada em R$ 350 milhões, abrange obras como a nova alça de acesso rodoviário às Docas (desafogando a Avenida Brasil); a demolição da alça de subida do Viaduto da Perimetral; a reurbanização do histórico Morro da Conceição; reformas na Praça Mauá e nos bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo. Paralelamente, será construído na região o Museu do Amanhã, parceria com a Fundação Roberto Marinho que explorará temáticas de desenvolvimento e sustentabilidade.

A segunda fase do projeto é ainda mais ambiciosa: demolir todo o viaduto central, deixando livre o acesso ao mar. Para isso, serão construídas novas vias, algumas subterrâneas, três tuneis, além de reformas na rede elétrica, de fornecimento de água e drenagem. O financiamento das obras será feita de forma inovadora: o município do Rio irá vender Certificados de Potencial Construtivo (Cepacs), título que dá direito às incorporadoras exceder o limite de construção em determinada área. De forma a atrair a iniciativa privada, o Rio de Janeiro concedeu uma série de benefícios fiscais, incluindo isenção do IPTU por 10 anos, IBTI e ISS para novos empreendimentos na região do projeto.

A revitalização urbanística da área, junto aos incentivos fiscais, vão atrair novos empreendimentos, tanto comerciais como residenciais. O Aquário do RJ e a nova sede do Banco Central são exemplos de obras já programadas. O secretário da Fazenda do Estado do Rio de Janeiro, Renato Villela, enfocou os aspectos financeiros dos Jogos Olímpicos. Até 2016, os investimentos diretos e indiretos relacionados ao evento devem movimentar cerca de R$ 20 bilhões. O secretário apresentou também um orçamento resumido dos jogos.

O custo total deve chegar a R$ 5,6 bilhões, sendo que aproximadamente R$ 1,5 bilhão será custeado pelo Estado (dividido igualmente entre as esferas municipal, estadual e federal). Segundo a advogada sócia do Machado, Meyer, Sendacz e Opice, Ana Karina Esteves de Souza, que participou do seminário, “o Brasil dispõe de recursos e capacidade técnica para a implantação dos projetos. Mas é necessário integrar a cadeia, planejar ostensivamente os projetos e montar sólidas estruturas de financiamento que dêem garantia as partes.

O Rio é uma das cidades mais adiantadas, o que cria ótimas oportunidades para os investidores”. A potencialidade é tamanha, que grande parte dos participantes do seminário eram estrangeiros, incluindo representantes da China, Estados Unidos, Itália, Canadá, Nova Zelândia e Espanha.

Brasil prepara Copa Verde

Além da construção de equipamentos esportivos, a Copa do Mundo 2014 vai demandar uma série de requisitos ambientais. Desde 2006, a FIFA tem o programa Gol Verde que estabelece uma série de requisitos de cunho sustentável. São diretrizes de economia de energia e água, reciclagem de lixo, compensa- ção de emissões de carbono e uso de transporte coletivo. Para gerenciar esta área, o Governo Federal criou uma Câmara Temática (entre as 9 existentes para a gestão da Copa) com foco exclusivo em sustentabilidade e meio ambiente.

É o que explica Cláudio Langone, Coordenador da Câ- mara de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Copa, cujos trabalhos tiveram início em novembro de 2009. Até o momento, a Câmara vem focando esforços na consolidação das parcerias institucionais, definição do processo de construção participativa das diretrizes e seu cronograma e como se dará a seleção e execução de projetos derivados dessas diretrizes.

Cláudio Langone ressaltou que “uma de nossas prioridades é não deixar que o licenciamento ambiental seja um dos vilões desta Copa, atrasando ou impossibilitando projetos. Não estamos querendo que se reduzam os requisitos ambientais das obras para a Copa, mas que estes projetos entrem em uma fila separada e prioritária”. Para atingir estes objetivos, já foram instaladas Câmaras temáticas estaduais e está sendo realizado um intenso trabalho de articulação com os órgãos do licenciamento ambiental.

A Câmara Federal, inclusive, está tentando promover uma maior padronização dos procedimentos de licenciamento, bem como propor aprimoramentos infralegais. Destaque ainda para a parceria com o BNDES, que irá financiar apenas obras e estádios que atendam as exigências ambientais da FIFA. Outras iniciativas interessantes são os projetos Copa Orgânica, de incentivo a produção e comercialização de alimentos orgânicos, e o Parques da Copa, que prevê investimentos e melhorias nos parques ambientais próximos às cidades sede.

Segundo a advogada Roberta Leonhardt, sócia da área ambiental do Machado Meyer, “temos grandes áreas verdes preservadas, ampla biodiversidade e matriz energé- tica limpa. Temos que imprimir esta marca à Copa, não apenas pelas exigências da FIFA, mas para mostrar ao mundo o potencial brasileiro na área de sustentabilidade”.

Melhoria no transporte vai ser principal herança

Embora o investimento em arenas e outros equipamentos esportivos chame mais atenção, o principal legado dos mega eventos esportivos deve ser mesmo as melhorias na área de transportes. Para atender demandas tanto da FIFA quando do COI, as cidades sede estão programando diversos investimentos que, somados às iniciativas do Governo Federal, resultarão em novas alternativas de deslocamento para a população, as quais vão permanecer mesmo após o término dos eventos.

A advogada Ana Karina Esteves de Souza ressalta que estes aportes serão variados, “temos os mais variados projetos: corredores de ônibus, trens, metros, novos corredores viá- rios e outras alternativas. Esses projetos terão grande impacto no dia a dia da população, por um lado, e geram oportunidades de negócios para os investidores por outro”.

Na mesma linha, Marcus Quintella, Diretor Técnico da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), acredita que o transporte público deve ser abrangente, integrado e econômico e que as cidades podem lançar mão de várias opções como trens metropolitanos, metrôs pesados e leves, Veículos Leves sobre Trilhos (VLTs) e corredores exclusivos de ônibus. No entanto, o diretor afirmou que muito ainda precisa ser feito, uma vez que apenas 7,5 milhões de passageiros por dia usam trens, ou seja, apenas 6% da matriz. Uma das cidades com o planejamento mais adiantado é o Rio de Janeiro.

Estão previstos pelo menos três grandes projetos: a expansão do metro ligando a Barra a Zona Sul, a construção de 4 corredores de ônibus e do primeiro VLT da cidade. O volume de investimentos deve superar os US$ 5,5 bilhões.

Modelo de contratação adqueado viabiliza grandes obras

Atualmente, o Brasil tem 1,2 mil obras de infraestrutura em diferentes estágios. O investimento total pode chegar a R$ 350 bilhões; destes, R$ 149 bilhões correspondem a obras já iniciadas, sendo R$ 106 bilhões de concessões e Parcerias Público-Privadas (PPPs), R$ 32 bilhões de obras privadas e R$ 11 bilhões de obras públicas, segundo dados da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústria de Base (ABDIB).

Tais dados mostram que os investimentos públicos, mesmo em ritmo ascendente, necessitam da contribuição da iniciativa privada. Gerir essa relação entre os setores público e privado nem sempre é fácil. A boa notícia é que existe todo um arcabouço jurídico e financeiro para acomodar interesses e necessidades das partes, dando mais transparência e previsibilidade ao processo.

Um dos modelos promissores, mas ainda pouco aplicado, é o das PPPs. Neste formato, o estado contrata o parceiro privado para construir determinada obra e explorá-la depois de pronta, por um prazo de cinco a 35 anos. Caso a exploração do projeto não seja suficiente para remunerar o investimento, o estado pode pagar uma contraprestação, de forma a tornar economicamente viável o empreendimento para o parceiro privado.

Tal modelagem possui outras características interessantes, como a vinculação do pagamento da contraprestação a metas objetivas de desempenho, a constitui- ção de Sociedades de Propósito Especí- fico (SPEs) para a execução do contrato, alocação prévia dos riscos e cláusulas de Arbitragem e Step in Rights (direito de assumir a condução do projeto em caso de inadimplência ou não cumprimento de alguma obrigação contratual). Estão em andamento no Brasil 40 projetos de PPPs, a maioria na esfera estadual.

Esse número tende a crescer: a maioria das obras de reforma dos está- dios para a Copa de 2014 será realizada por meio deste modelo, a exemplo da reconstrução do Estádio da Fonte Nova, em Salvador, primeira arena a entrar na fase de execução. Os principais desafios para difundir as PPPs são a burocracia, a falta de mão de obra especializada, a ausência de leis estaduais e municipais específicas e a escassez de mecanismos de garantias para as contrapartidas estatais. Por isso, em vários casos, podem não ser o formato mais adequado para viabilizar o projeto.

Algumas circunstâncias se encaixam perfeitamente no regime de Concessão tradicional ou mesmo em um simples contrato de prestação de serviços via licitação. Assim, não há porque buscar uma alternativa mais complexa quando uma estrutura contratual mais simples já basta, até porque os moldes mais simples seguem um rito já assimilado pelo Estado. O quadro a seguir resume os principais modelos de contratação e suas indica- ções de aplicação: A discussão sobre infraestrutura no Brasil encontra, por vezes, um dilema tautológico: não há projetos, pois não existem recursos e não se têm recursos, porque não há projetos.

Estruturar econômica e juridicamente as grandes obras pode resolver este nó, permitindo que o Brasil finalmente cimente de forma sólida as bases para seu tão sonhado desenvolvimento.