Por Clarissa Freitas, Marcos Costa, Amanda Siqueira Costa Vilela e Renata Marques de Moraes

Reconhecendo a importância da transparência na divulgação de informações aos acionistas e ao mercado como um dos mecanismos para estabelecer a confiança entre os investidores e o sistema, a regulamentação aplicável às companhias abertas dedica especial atenção ao dever que elas têm de fornecer informações para subsidiar decisões de acionistas e investidores.

Uma das finalidades desse regime de divulgação é evitar a prática de insider trading ao viabilizar meios de obtenção dessas informações não apenas à companhia e seus acionistas, mas ao mercado como um todo.

Entre os diversos instrumentos disponíveis para essa divulgação, destaca-se o fato relevante. O art. 157, §4°, da Lei 6.404/76 fornece uma definição geral de fato relevante ao prever que a companhia precisa divulgar “qualquer deliberação da assembleia-geral ou dos órgãos de administração da companhia, ou fato relevante ocorrido nos seus negócios, que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia”.

No mesmo sentido, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou a Resolução CVM 44/21 (que substituiu a antiga Instrução CVM 358/02). A norma estabeleceu como relevante qualquer decisão de acionista controlador, deliberação de assembleia ou dos órgãos de administração, ou qualquer outro ato ou fato relacionado aos negócios da companhia que possam influir na cotação dos valores mobiliários da companhia, na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter tais valores mobiliários ou ainda na decisão dos investidores de exercer direitos relacionados aos valores dos quais são titulares.

No contexto de uma companhia aberta, são inúmeras as hipóteses em que os acionistas e investidores podem ser impactados pela não divulgação das informações necessárias e relevantes. A Resolução 44/21 busca justamente diminuir o livre arbítrio dos administradores para decidir o que é relevante e suscetível de divulgação.

Além da definição acima, a resolução listou um rol exemplificativo de matérias que podem ser consideradas fatos relevantes, como a assinatura de contratos de transferência de controle, operações societárias em geral, renegociação de dívidas, celebração de contratos, entre muitas outras.

Naturalmente, a listagem de temas não é taxativa. A análise da relevância de determinado fato para a companhia dependerá da discricionariedade e do entendimento da sua administração. Um mesmo fato pode ou não ser considerado relevante para companhias com realidades diferentes.

Segundo entendimento que a CVM vem manifestando ao longo dos últimos anos, a regra geral, em caso de fato relevante, é a da ampla divulgação, ainda que a informação se refira à operação em fase de negociação, estudos de viabilidade, tratativas iniciais ou até mesmo à mera intenção de realização do negócio.

O fato relevante poderá, de forma excepcional, deixar de ser divulgado se, a critério dos acionistas controladores ou administradores, sua revelação colocar em risco interesse legítimo da companhia. A exceção à obrigação de imediata divulgação, entretanto, deixará de vigorar imediatamente em caso de vazamento da informação ou oscilação atípica na cotação, preço ou quantidade negociada dos valores mobiliários de emissão da companhia.

Será sempre de responsabilidade do diretor de Relações com Investidores (DRI) diligenciar, de forma pertinente e tempestiva, a comunicação de fato relevante, podendo ele responder pessoalmente por qualquer incorreção na divulgação.

O fato relevante deve ser divulgado na forma prevista na Política de Divulgação de Ato ou Fato Relevante da companhia, em seu site oficial, por meio do sistema Empresas.NET da CVM e em portal de notícias informado no Formulário Cadastral.

Em caso de alteração nos veículos de comunicação da companhia, caberá igualmente ao DRI a alteração da política de divulgação, a atualização do formulário cadastral e a divulgação da mudança antes da sua efetiva implementação.

Além da evidente obrigação de divulgação, caberá ainda ao DRI fiscalizar situações da vida da companhia, em contato com pessoas-chave, para tomar conhecimento de fatos que possam ser relevantes, monitorar a cotação dos valores mobiliários a fim de identificar oscilações atípicas e supervisionar vazamentos de informações.

Em caso de vazamento ou oscilação atípica, deverá ocorrer a imediata divulgação do fato relevante ainda que relacionado a operações em andamento, estudos de viabilidade ou mera intenção de negócio.

Em relação à responsabilização, é preciso destacar:

  • a natureza solidária da responsabilidade entre o DRI e os acionistas controladores, em caso de inércia do DRI, situação na qual diretores e membros dos conselhos de administração e fiscal, quando cientes de eventual inércia do DRI, devem providenciar eles próprios a divulgação; e
  • a responsabilização pessoal do DRI na hipótese de descumprimento da política de divulgação de fato relevante. Isso confere ao DRI poder coercitivo para demandar transparência e efetividade no reporte das informações por outros membros da diretoria.

Além da análise do teor da divulgação em si, é importante que a publicação do fato relevante seja tempestiva, de modo que a informação ainda seja útil aos seus destinatários, sem que seja divulgada tardiamente.

Adotando o entendimento de que a relevância está no potencial de influenciar as decisões dos investidores e não em sua consumação, a CVM já considerou oscilações atípicas na cotação dos valores mobiliários como indícios da existência de fatos relevantes de necessária divulgação.

Mais recentemente, o colegiado da CVM, responsável por apurar irregularidades cometidas por companhias abertas na divulgação de fatos relevantes, entendeu que a alteração da política de preços da companhia seria relevante, pois poderia induzir os participantes do mercado a erro.

Segundo a autarquia, as companhias devem preservar a coerência nas divulgações – se a política de preços foi considerada relevante e divulgada, eventuais alterações deveriam igualmente ser objeto de divulgação, a fim de se preservar a integralidade das informações ao mercado.

Em relação ao contencioso, a divulgação da existência de processos judiciais envolvendo as companhias já foi entendida como relevante pela CVM, mesmo antes do trânsito em julgado, dado o seu potencial de impacto nas negociações.[1]

Outro tema muito debatido pelo colegiado da CVM diz respeito à divulgação de eventos considerados fatos relevantes por meio de outros instrumentos, como o Comunicado ao Mercado.

O DRI deve atentar para o fato de que, se determinado evento se revestir das características de fato relevante (i.e., tiver o potencial de influir na decisão dos investidores de negociarem com os valores mobiliários da companhia), não poderá ele ser divulgado em outro formato que não o fato relevante. Por outro lado, se determinado evento não se enquadrar como fato relevante, mas for importante para a tomada de decisão, ele deve se tornar público por meio de comunicado ao mercado ou de aviso aos acionistas, por exemplo.

É cada vez mais comum encontrar jurisprudência da CVM imputando penalidades ao DRI pela divulgação por meio do instrumento incorreto, razão pela qual é preciso observar o uso adequado dos meios de divulgação e evitar a repetição de práticas incorretas.

Dada a relevância do tema para o cotidiano das companhias e o efetivo poder fiscalizador da CVM sobre a matéria, recomenda-se especial cuidado na atuação do DRI para assegurar o efetivo cumprimento da legislação aplicável.

 


[1] A divulgação de processos judiciais, administrativos e arbitrais envolvendo companhias abertas é também objeto de item específico do Formulário de Referência, e do comunicado sobre demandas societárias, nos termos da recente Resolução CVM 80/22.