A Lei Anticorrupção Brasileira (Lei nº 12.846/13) dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, aplicando-se não somente às entidades que praticam os atos de corrupção, mas também a terceiros que apresentem algum grau de vinculação com a conduta corrupta ou com a entidade corruptora. Nesse sentido, em determinadas circunstâncias, as sanções administrativas e judiciais podem ser estendidas às instituições financeiras que forneçam financiamento à entidade corruptora no contexto de atos de corrupção.

O art. 5º da Lei Anticorrupção Brasileira contém o rol de atos lesivos à administração pública que podem levar à responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas. Um desses incisos é o inciso II, que trata da responsabilização de agentes financiadores ou patrocinadores dos atos ilícitos previstos na Lei Anticorrupção Brasileira. Confira-se:

“Art. 5º - Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1º, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos:

[...]

II - comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei.”

Diante desse dispositivo legal, surgem algumas dúvidas para as quais, salvo melhor juízo, ainda não existe orientação doutrinária ou jurisprudencial: a responsabilidade dos financiadores é objetiva ou subjetiva? Quais atos de financiamento, custeio ou patrocínio são capazes de gerar a responsabilidade prevista no art. 5º, inc. II? A responsabilidade do financiador por atos de corrupção requer sua participação direta ou conhecimento (efetivo ou presumido) da atividade ilícita? Sabemos que, em matéria ambiental, há decisões que estendem a responsabilidade por passivos ambientais às instituições financeiras, criando a figura do “poluidor indireto”. De forma similar, no contexto da Lei Anticorrupção Brasileira, poderiam os financiadores ser enquadrados como “corruptores indiretos”? Pretendemos abordar essas dúvidas no presente artigo.

Responsabilidade de financiadores por danos ambientais

A Lei nº 6.938/81 estabeleceu os contornos da Política Nacional do Meio Ambiente e criou a responsabilidade civil objetiva por danos ambientais. Desde sua promulgação em 1981, houve um desenvolvimento notável de teses doutrinárias e posições jurisprudenciais relativas ao tema da responsabilidade civil ambiental, especialmente com relação ao causador indireto de danos ambientais.

O poluidor, segundo a Lei nº 6.938/81, é “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável direta ou indiretamente, por atividade causadora do dano ambiental” (art. 3º, inc. III e IV). Surge aí a figura do poluidor indireto. O conceito de poluidor indireto vem permitindo a extensão da responsabilidade civil a outros agentes cuja conduta possa representar alguma espécie de contribuição ou incentivo para o dano ambiental, incluindo os financiadores. Coloca-se, nessa discussão, o papel das instituições financeiras como fomentadores de atividades sustentáveis. Segundo o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Herman Benjamin:

“A Lei nº 6.938/1981 define como poluidor a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental. O vocábulo é amplo e inclui aqueles que diretamente causam o dano ambiental (o fazendeiro, o industrial, o madeireiro, o minerador, o especulador), bem como os que indiretamente com ele contribuem, facilitando ou viabilizando a ocorrência do prejuízo (o banco, o órgão público licenciador, o engenheiro, o arquiteto, o incorporador, o corretor, o transportador, para citar alguns personagens).”[1]

A 2ª Turma do STJ, tratando da responsabilidade do Estado por danos ambientais, firmou entendimento no sentido de que a responsabilidade civil pelo dano ambiental é de natureza objetiva, solidária e ilimitada. Porém, deixou claro que a responsabilidade solidária por nexo causal indireto somente se aplica quando houver omissão no dever legal de agir. Confira-se trecho do voto do ministro relator Herman Benjamin:

“Nesse contexto, forçoso reconhecer a responsabilidade solidária do Estado quando, devendo agir para evitar o dano ambiental, mantém-se inerte ou age de forma deficiente ou tardia. Ocorre aí inexecução de uma obrigação de agir por quem tinha o dever de atuar. [...] Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano urbanístico-ambiental e de eventual solidariedade passiva, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem não se importa que façam, quem cala quando lhe cabe denunciar, quem financia para que façam e quem se beneficia quando outros fazem.”[2]

Assim, o nexo indireto de causalidade na lei ambiental somente se verifica se houver omissão no dever jurídico de agir. A professora de Direito Ambiental Ana Maria Nusdeo sintetiza a questão:

“Entendo que a caracterização de um causador indireto de dano ambiental, que não está ligado ao dano pelo exercício de uma atividade de risco, exige sua vinculação ao dano por um nexo de causalidade caracterizado: 1) pela efetiva contribuição ao dano e 2) pela violação de um dever legal específico cujo cumprimento teria evitado a ocorrência do dano ou promovido sua mitigação.”[3]

Então, havendo o nexo indireto de causalidade para o dano ambiental, a responsabilidade do financiador seria ou não aplicável? De forma objetiva ou subjetiva? Parte majoritária da doutrina entende que a responsabilidade seria subjetiva, ou objetiva com possibilidade de rompimento do nexo causal por atos de diligência do financiador. Desse modo, ao demonstrar que a instituição cumpriu seus deveres legais e atuou de forma diligente e adequada para verificar o cumprimento da legislação ambiental, bem como para identificar e mitigar os riscos ambientais dos seus clientes, o financiador poderá eliminar sua responsabilização.[4]

A responsabilização objetiva das instituições financeiras por danos ambientais indiretos, sem a possibilidade de exclusão de responsabilidade por atos de diligência e boas práticas socioambientais, criaria uma ineficiência econômica para todo o sistema financeiro e de crédito e, ao final, para toda a sociedade.

Responsabilidade dos financiadores na Lei Anticorrupção Brasileira

No que tange à responsabilidade dos financiadores por atos lesivos à Administração Pública, a Lei Anticorrupção Brasileira representa novidade para o Direito brasileiro, pois o art. 5º, inc. II, não encontra paralelo no Código Penal ou na Lei de Improbidade Administrativa como infração autônoma.

O inc. II do art. 5º trata da responsabilidade dos financiadores que, de alguma forma, venham a colaborar com a prática dos atos ilícitos da Lei Anticorrupção Brasileira. Numa primeira leitura, os verbos nucleares “financiar”, “custear”, “patrocinar” ou “subvencionar” sugerem a existência de infrações de mera conduta, sendo desnecessário verificar o resultado para sua ocorrência. No entanto, para a configuração do ilícito, não basta simplesmente a concessão do financiamento, é necessário ter participação ativa ou envolvimento direto na viabilização do ato de corrupção. Dessa forma, seria preciso comprovar não apenas os atos comissivos atribuíveis ao financiador (financiar, custear, patrocinar ou subvencionar) como também o especial fim de praticar os atos ilícitos do art. 5º, atos esses cometidos por terceira pessoa (física ou jurídica) financiada, custeada, patrocinada ou subvencionada pelo cúmplice no ato de corrupção.

Portanto, para a configuração do ilícito do inc. II do art. 5º da Lei Anticorrupção Brasileira, é necessário comprovar dois requisitos: (i) que a pessoa jurídica financie, custeie, patrocine ou subvencione a prática de qualquer ato de corrupção do art. 5º; e (ii) que essas ações tenham o propósito (finalidade específica) de colaborar ou instigar a prática, por outra pessoa (natural ou jurídica), dos atos lesivos previstos nos incisos I, III, IV e V do art. 5º.

Na análise de responsabilidade do corruptor indireto, é preciso distinguir entre a concessão de empréstimos (crédito para usos gerais, sem definição de uma destinação específica, como capital de giro, linha de crédito, cheque especial etc.) e a concessão de financiamentos com finalidade específica, que é conhecida, analisada e aprovada pelo banco no contexto da avaliação do projeto (como financiamento à infraestrutura e project finance). No primeiro caso, não é possível atribuir responsabilidade sob a Lei Anticorrupção Brasileira, pois não existe sequer a possibilidade de a instituição financeira vir a conhecer o emprego dos recursos.

Seria o caso de corruptor indireto, por exemplo, o financiador de um projeto (por exemplo, um project finance de grande obra pública) que, revisando a planilha de custos do projeto e tomando conhecimento de que um dos itens a serem financiados é a propina a ser paga a autoridades ambientais para o licenciamento do projeto, ainda assim prossegue com o financiamento com o intuito de viabilizar o projeto e, consequentemente, viabiliza o pagamento da propina. Ou o caso do banco que oferece crédito a um licitante para financiar o pagamento de propina a agente público, para que organize licitação fraudulenta, sabendo da natureza fraudulenta da licitação.

Tendo esclarecido que a responsabilidade do financiador decorrente do art. 5º, inc. II, depende da intenção específica de financiar ato de corrupção do seu cliente após o conhecimento efetivo do ato de corrupção, ou ao menos a possibilidade de conhecê-lo após diligência razoável, indaga-se sobre quais seriam os parâmetros de uma diligência razoável pela instituição financeira. Pode-se argumentar que os parâmetros de uma diligência razoável a serem seguidos por uma instituição financeira seriam aqueles decorrentes da legislação e regulamentação bancária a ela aplicáveis, incluindo normativos do Banco Central. Por se tratar de norma sancionadora, em que vigora o princípio da estrita legalidade, não podemos trabalhar com parâmetros de responsabilização amorfos, com conceitos amplos e vagos. Em outras palavras, caso o financiador não tenha conhecimento efetivo do uso dos recursos para a prática de atos ilícitos e tenha cumprido seus deveres legais oriundos de normativos de lavagem de dinheiro, identificação de operações suspeitas, know your client¸ políticas de gerenciamento de riscos, implementação de sistemas de controles internos, entre outros, não seria correto responsabilizar administrativamente tal financiador por atos de corrupção de seus clientes em decorrência do art. 5º, inc. II, da Lei Anticorrupção Brasileira.

Em conclusão, a responsabilidade dos financiadores por atos de corrupção de terceiros parece ter natureza subjetiva, exigindo a comprovação do propósito (finalidade específica) de colaborar ou instigar a prática dos atos lesivos previstos na Lei Anticorrupção Brasileira, ou ao menos do desrespeito ao dever de diligência imposto por lei. A responsabilização objetiva das instituições financeiras por atos de corrupção criaria uma ineficiência econômica para todo o sistema financeiro e de crédito e, ao final, para toda a sociedade. A exposição excessiva ao risco legal de responsabilização indireta na Lei Anticorrupção Brasileira teria o condão de afastar as instituições dispostas ao financiamento de atividades e investimentos, traduzindo-se em encarecimento do crédito e desaceleração econômica.


[1] BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcelos. Responsabilidade pelo dano ambiental. Revista de Direito Ambiental, nº 9, p. 37, jan./mar. 1998.

[2] REsp nº 1.071.741 -SP (2008/0146043-5), Min. Rel. Herman Benjamin, j. em 16.12.2010.

[3] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 19. ed. São Paulo, Malheiros, 2011; NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Instituições financeiras e danos ambientais causados por atividades financiadas. In: YOSHIDA, Consuelo Moromizato et al. (org.). Finanças sustentáveis e a responsabilidade socioambiental das instituições financeiras. Belo Horizonte: Forum, 2017, p. 36.

[4] FERREIRA, Eduardo de Campos; MADASI, Ana Cecília. A transdisciplinaridade da responsabilidade socioambiental das instituições financeiras. In: YOSHIDA, Consuelo Moromizato et al. (org.). Finanças sustentáveis e a responsabilidade socioambiental das instituições financeiras. Belo Horizonte: Forum, 2017, p. 36; YOSHIDA, Consuelo Moromizato. Responsabilidade das instituições financeiras: da atuação reativa à atuação preventiva. In: OLIVEIRA, Carina Costa de (org.). Instrumentos jurídicos para a implementação do desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro, FGV, 2012.