Que o Brasil tem um enorme número de reclamações trabalhistas todo mundo já sabe. O que talvez grande parte da população desconheça é que tão grandes quanto o número de reclamações trabalhistas em andamento no país são os valores totais pagos pelas empresas aos ex-empregados.

De acordo com o levantamento realizado pelo próprio Tribunal Superior do Trabalho (TST), em 2020, foram pagos aos trabalhadores cerca de R$ 28 bilhões, valor superior ao próprio orçamento da Justiça do Trabalho para o mesmo ano, de R$ 18,8 bilhões.

Deixando de lado os motivos que levam o trabalhador brasileiro a processar seus empregadores, fato é que a Justiça do Trabalho movimenta muito dinheiro, não só para os trabalhadores, mas para os cofres públicos, já que essa é uma importante fonte de arrecadação.

Com esse tanto de dinheiro girando nas Varas do Trabalho Brasil adentro, não foram poucos os que viram nos créditos trabalhistas uma forma de investimento. Iniciaram-se, assim, as cessões de crédito de seus titulares – reclamantes – a terceiros.

Ocorre que essa cessão indiscriminada de créditos preocupou o TST, pois era cada vez mais comum os reclamantes realizarem a cessão aos seus próprios advogados, o que, na visão do TST à época, prejudicava o trabalhador e o próprio Judiciário.

Nesse contexto, o ministro Emmanoel Pereira encaminhou ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) consulta pedindo que a entidade proferisse entendimento sobre a cessão de crédito de reclamantes a advogados e, caso ela fosse permitida pelo Estatuto e Código de Ética da OAB, se deveria ser comunicada ao Juízo em que tramitava o processo onde se originou o crédito cedido. A resposta foi simples e categórica: a aquisição de créditos trabalhistas pelo advogado constituído na causa viola o Código de Ética da OAB, em razão da relação privilegiada que o advogado tem com seu cliente, já que, em geral, conhece sua condição financeira, seus anseios e as peculiaridades do processo que patrocina.

O assunto ficou então adormecido por um tempo até que, recentemente, voltou aos holofotes por causa de uma decisão proferida pelo TST. Em julgamento de embargos de declaração de uma ação que discutia a cessão de créditos, o ministro Douglas Alencar proferiu entendimento de que a cessão de créditos trabalhistas é perfeitamente cabível, desde que operada com estrita observância dos requisitos gerais da validade do negócio jurídico. Ou seja, na visão do ministro, pode.

A decisão foi suficiente para que grandes players do mercado financeiro, antes receosos em relação à prática, passassem a se sentir mais confortáveis para explorar o mercado e buscassem com seus assessores legais algumas respostas. As preocupações dos investidores são as mais diversas: como mapear as ações? De que forma operacionalizar a cessão? Deve-se informar ao juiz da causa sobre a cessão? O Judiciário Trabalhista pode barrar a cessão e anular o contrato celebrado entre as partes interessadas?

É muito cedo para se ter todas as respostas. Entretanto, ousamos opinar que a preocupação maior dos juízes do Trabalho em relação à lisura do processo é, em grande parte, dirimida pela profissionalização do mercado de cessão de créditos.

Os fundos de investimentos interessados nos créditos dos trabalhadores brasileiros têm níveis de governança corporativa elevados, são fiscalizados por agências reguladoras e estão sujeitos a avaliações de riscos e de danos reputacionais pelas suas práticas. Em outras palavras, têm muito a perder com operações duvidosas.

Quanto à interferência do Judiciário Trabalhista nas cessões de crédito, entendemos que ela faz todo sentido se realizada na forma de decisões homologatórias sobre as cessões. Com isso, ganham não só as partes do processo, mas as envolvidas na cessão do crédito e o próprio Judiciário, já que haverá uma declaração judicial atestando a lisura da cessão, a vontade livre e desimpedida do cessionário e a ausência de prejuízo às partes litigantes. O procedimento de homologação em muito se assemelharia com o adotado na avaliação dos tradicionais acordos, tendo avaliação dos termos da avença e ratificação da vontade das partes.

É claro que o tema demandará atuação dos investidores nos tribunais. O tête-à-tête com os juízes será fundamental para demonstrar a boa-fé na aquisição do crédito, os benefícios à parte reclamante e a importância, para a operação, da chancela do Poder Judiciário sobre a cessão.

Aos grandes litigantes da Justiça do Trabalho fica o recado para apertarem os cintos, investirem em prevenção às infrações trabalhistas e tomarem fôlego para aguentar algumas boas batalhas com os fundos, que passarão a ser titulares de seus créditos.