Em mais um artigo de nossa série sobre o Marco Regulatório Trabalhista Infralegal, abordamos os seus reflexos sobre o registro de controle de jornada eletrônico, previsto no parágrafo 2º do artigo 74 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Segundo esse dispositivo, todos os estabelecimentos com mais de 20 empregados têm a obrigação de anotar o horário de entrada e saída de seus empregados em registro manual, mecânico ou eletrônico, admitidas as exceções legais.

O Decreto 10.854/21, que criou o Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas Infralegais (veja nosso artigo sobre o tema clicando aqui), estabeleceu os requisitos mínimos a serem observados para utilização do sistema eletrônico de controle de jornada. Já a Portaria 671/21 do Ministério do Trabalho e da Previdência (MPT) regulamentou três sistemas de registro de ponto eletrônico que podem ser utilizados pelas empresas:

  • Sistema de Registro de Ponto Eletrônico Convencional: composto pelo registrador eletrônico de ponto convencional (REP-C), esse sistema se assemelha ao registro de ponto eletrônico regulamentado pela Portaria 1.510/09 do Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE) e adotado pela maioria das empresas no Brasil. A grande inovação está na:
    • restrição de alienação do REP-C para empresa que não pertença ao seu grupo econômico;
    • possibilidade de registro de jornada pelo trabalhador temporário no REP-C do tomador de serviços; e
    • compartilhamento do mesmo equipamento por empregados de empresas que integrem o mesmo grupo econômico e que compartilhem do mesmo local de trabalho ou estejam trabalhando em outra empresa do conglomerado.

Houve ainda alterações nos leiautes do arquivo de fonte de dados (anexo V), no arquivo eletrônico de jornada (anexo VI) e no atestado de responsabilidade técnica (anexo VII).

  • Sistema de Registro de Ponto Eletrônico de Ponto Alternativo: composto pelo registrador eletrônico de ponto alternativo (REP-A), esse sistema se assemelha aos sistemas alternativos de controle de jornada regulamentados pela Portaria MTE 373/11. Conceituado como o conjunto de equipamentos e programas de computador que tem sua utilização destinada ao registro da jornada de trabalho, a grande inovação está na possibilidade de sua instituição por convenções coletivas. Antes a autorização somente era possível por meio de acordos coletivos de trabalho.
  • Sistema de Registro Eletrônico de Ponto via Programa: composto pelo registrador eletrônico de ponto via programa (REP-P), regulamenta os programas (software) capazes de receber e transmitir as informações referentes aos controles de jornada e com capacidade para emitir documentos decorrentes da relação de trabalho, além de realizar controles de natureza fiscal trabalhista executado em um servidor dedicado ou em ambiente de armazenamento de nuvem. Essa modalidade de controle de jornada é nova e visa regulamentar os aplicativos criados para anotação de controle de jornada em smartphones e tablets, por exemplo, introduzindo regras mínimas a serem observadas para validade desses aplicativos, como a emissão ou disponibilização de acesso ao registro de ponto com diversas informações, bem como a necessidade de registro de programa de computador no Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI) e cumprimento dos requisitos do anexo IX da portaria.

Independentemente do sistema de registro de ponto eletrônico adotado pela empresa, todos devem registrar fielmente os horários realizados pelos empregados, não sendo permitidas ações que o desvirtuem. Também precisarão gerar o arquivo de fontes de dados, para conferência a ser feita pelos auditores fiscais do Trabalho. Comprovada qualquer adulteração ou sua possibilidade, os documentos e equipamentos podem ser apreendidos pelo fiscal do Trabalho.

Todos os sistemas são igualmente compostos pelo que se denominou de Programa de Tratamento de Registro de Ponto, equivalente ao conjunto de rotinas informatizadas que tem por função tratar os dados relativos à marcação dos horários de entrada e saída, gerando o relatório Espelho de Ponto Eletrônico e o Arquivo Eletrônico de Jornada.

Reflexo direto das novas formas de contratação incentivadas, sobretudo, pelo cenário ocasionado pela covid-19, que demandou a flexibilização do trabalho presencial e formas de controles de jornada, a regulamentação se revela vantajosa para as empresas, que poderão adotar, com a devida segurança jurídica, alternativa menos custosa para o controle de jornada dos seus empregados e que melhor se adeque ao seu negócio.

O registro de ponto por meio de software, até então considerado um sistema de registro de ponto eletrônico alternativo, demandava não apenas negociação coletiva para sua implementação regular, como guardava resistência na jurisprudência, que entendia que as informações nele consignadas eram produzidas de forma unilateral pelas empresas.

A regulamentação do sistema de registro de ponto pela Portaria MTP 671/21 acompanha não apenas o avanço do processo tecnológico, como reduz custos e viabiliza a implementação do sistema diretamente pelas empresas, sem necessidade de autorização por acordo coletivo, desde que preenchidos os requisitos previstos na norma.

A regulamentação das normas de fabricação e uso de todos os sistemas de registro de ponto eletrônico proporciona igualmente maior segurança jurídica aos empregadores, ao trazer critérios objetivos para eventual fiscalização do trabalho e, consequentemente, menor autuação das empresas.

Apesar de a norma não apresentar nenhuma inovação quanto aos meios de registro do horário de ponto, mas apenas a devida regulamentação do que já existia no mercado de trabalho, já há discussão sobre sua inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF),[1] especificamente sobre a possibilidade de o Registro de Ponto via Programa (RP) dificultar a fiscalização do cumprimento da legislação trabalhista e poder estimular fraude em relação ao registro da jornada de trabalho, violando, dessa forma, o princípio da segurança jurídica, os valores sociais do trabalho, a valorização do trabalho humano, a vedação ao retrocesso social e o princípio da motivação.

Considerando as especificidades técnicas exigidas de todos os sistemas, além do fato de que o Registro de Ponto via Programa já era utilizado como registro alternativo de controle de jornada por várias empresas e que o Registro de Ponto Eletrônico Convencional há muito tempo não representa a realidade do trabalho no Brasil, entendemos que a inconstitucionalidade arguida não se sustenta, sendo, contudo, necessário acompanhar os próximos desdobramentos do tema no STF.

Todas as alterações acima listadas passam a vigorar em 10 de fevereiro de 2022.

Nas próximas semanas, continuaremos publicando artigos com o objetivo de explorar, de forma simples e prática, as principais alterações trazidas pelo decreto, pelas portarias e instruções normativas, além de esclarecer os principais impactos para as empresas.

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[1] ADPF 911 proposta pelo Partido Democrático Trabalhista em 23.11.2021.

Acompanhamento disponível no link https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6305304