Está suspenso no Superior Tribunal de Justiça (STJ) o julgamento sobre o Tema Repetitivo nº 677, que trouxe de volta a discussão sobre a obrigação do devedor de quitar eventuais encargos decorrentes da mora, ainda que a execução tenha sido integral ou parcialmente garantida por depósito judicial. Dois ministros já votaram e há empate a respeito de quem tem a responsabilidade pelo pagamento de encargos de mora surgidos após o depósito que garantiu a execução.

Para esclarecer o que está em debate, vale a pena trazer de volta alguns conceitos sobre o tema. Em todo processo em que há uma condenação com obrigação de pagamento, após a decisão de mérito, inicia-se a fase de execução, na qual o devedor efetivamente pagará o que deve ao credor, de acordo com o julgamento proferido.

As execuções, em geral, seguem o fluxo processual: devedor e credor apresentam seus cálculos, o juiz decide quem indicou o valor correto (ou seja, homologa o valor devido), o devedor é intimado a pagar e, enfim, o pagamento é realizado mediante depósito judicial.

Contudo, caso o devedor entenda que o valor homologado não corresponde ao realmente devido, a discussão sobre os cálculos pode continuar, e caberá ao executado garantir o valor da execução, normalmente mediante depósito.

No exercício de seu direito à ampla defesa, o devedor, em certos casos, pode até mesmo levar a controvérsia aos tribunais superiores. Enquanto isso, o montante homologado permanece depositado na conta judicial, sendo corrigido pelos índices da poupança. Encerrada a discussão, o processo retorna à primeira instância, para que os valores sejam liberados ao credor.

Em relação a esse ponto, iniciou-se um debate em torno da atualização monetária e de encargos de mora devidos ao credor. Isso porque a remuneração aplicada sobre o valor depositado na conta judicial não seria suficiente para cobrir os critérios de atualização considerados corretos. Assim como também não seriam suficientes os encargos moratórios devidos, em tese, em virtude do tempo decorrido entre a homologação dos cálculos feitos pelo juiz de primeiro grau e o efetivo recebimento do valor pelo credor, após o julgamento. Esse período entre a homologação, seguida do depósito, e o levantamento dos valores representaria uma perda monetária significativa para os credores, que passaram a reivindicar as diferenças de correção e mora a serem pagas pelo devedor.

No entanto, alega-se que não seria justo atribuir ao devedor de boa-fé a responsabilidade pelos encargos moratórios e de correção monetária, já que ele teria realizado a garantia da execução à época em que foi intimado, isto é, logo após a homologação dos cálculos.

Diante desse conflito, que passou a ser suscitado e debatido em muitos processos, surgiu a necessidade de fixação de uma tese específica sobre o tema, para que todos os órgãos do Poder Judiciário pudessem extinguir as controvérsias correspondentes.

Foi julgado, então, em 2014, o Tema Repetitivo nº 677/STJ, que encerrou todas as discussões sobre a responsabilidade quanto ao pagamento de encargos de mora surgidos após o depósito que garantiu a execução, ao fixar a tese de que "na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada" (grifo nosso).

Em 25/08/2020, contudo, durante sessão realizada na Terceira Turma do STJ, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino levantou questão de ordem, para propor a revisão do tema,  com o objetivo de definir “se, na execução, o depósito judicial do valor da obrigação, com a consequente incidência de juros e correção monetária a cargo da instituição financeira depositária, isenta o devedor do pagamento dos encargos decorrentes da mora, previstos no título executivo judicial ou extrajudicial, independentemente da liberação da quantia ao credor”.

Um dos pilares da revisão é o fato de que o depósito judicial efetuado para fins de garantia da execução não poderia se confundir com o pagamento, pois não teria animus solvendi (intenção de liquidar a dívida), de modo que não haveria razão para isentar o devedor da responsabilidade pelos encargos moratórios.

Em 07/10/2020, sob relatoria da ministra Nancy Andrighi, o STJ acolheu a questão de ordem e o procedimento de revisão do Tema 677/STJ foi instaurado.

Em 02/06/2021, a ministra relatora votou favoravelmente à revisão do Tema 677/STJ, apoiando a implementação da seguinte tese:Na execução, o depósito efetuado a título de garantia do juiz ou decorrente de penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários da sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial”.

Após o voto da relatora, houve pedido de vista e o processo foi retirado de pauta. O julgamento foi retomado em 10/09/2021, quando o ministro Paulo de Tarso Sanseverino conheceu o recurso, mas lhe negou provimento. Atualmente, portanto, há dois votos divergentes sobre o tema.

A fundamentação do ministro Sanseverino foi no sentido de que inexistiria culpa do devedor no fato de a correção monetária aplicada pelos bancos conveniados à Justiça ser inferior aos encargos resultantes da mora.

O levantamento do montante de que trata a execução deveria ser realizado pelo credor logo após a efetivação do depósito. O não levantamento imediatamente posterior é mera exceção, que ocorre apenas quando o executado apresenta impugnação com fundamentos considerados relevantes pelo juízo.

Na visão do ministro Sanseverino, a decisão sobre o destino do depósito que visou garantir a execução não está nas mãos do devedor, mas sim do Poder Judiciário, não podendo ser imputada qualquer responsabilidade ou penalidade ao devedor pela morosidade na liberação e consequente remuneração bancária aquém dos encargos moratórios.

Conforme destacado pelo ministro, a pretendida revisão da tese traria consequências desvantajosas ao processo executivo, na medida em que desestimularia o devedor a oferecer dinheiro para penhora e o incentivaria a pleitear a substituição da garantia em dinheiro por fiança bancária. Isso porque é desvantajoso ao devedor oferecer dinheiro para penhora (que será atualizado pelo índice da poupança), enquanto poderia aplicar a mesma quantia em investimento com potencial de lucro muito superior.

Além disso, a execução seria eternizada, pois sempre remanesceriam encargos de mora a serem executados, gerados entre a data do depósito e a data do efetivo levantamento. Ou seja, ainda que o depósito fosse realizado pelo devedor em uma data e levantado pelo credor no dia posterior, haveria diferença de juros moratórios a serem executados, sendo mandatória a continuidade da execução por causa desse valor remanescente.

É importante frisar também o disposto pelo artigo 401, I, do Código Civil, que impõe a extinção da mora por parte do devedor, quando ele quita a prestação devida, acrescida dos prejuízos decorrentes da mora. Ou seja, qualquer obrigação relativa à mora se extinguiria quando o devedor realizasse o depósito judicial, composto pelo valor principal da dívida, acrescidos os encargos moratórios até o momento do efetivo depósito.

Além disso, as súmulas 179 e 271 do próprio STJ regulamentam a correção monetária dos valores disponibilizados por depósito judicial. Elas determinam que o pagamento da correção monetária referente aos valores recolhidos é de responsabilidade do estabelecimento que receber o dinheiro do depósito judicial (banco conveniado à Justiça), sendo que a correção independe de ação específica contra o banco depositário. A responsabilidade pelos encargos moratórios, portanto, é retirada das mãos do devedor.

Após o voto do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, o ministro João Otávio de Noronha pediu vista, que foi convertida em coletiva para os demais ministros, suspendendo novamente o julgamento, sem data para sua retomada.