Definido como a “palavra do ano” de 2021 pelo dicionário Collins, o NFT, sigla em inglês para o termo Non-Fungible Token (ou, em português, token não fungível), tem atraído grande atenção dos empresários e investidores nos últimos anos.

De acordo com a Cointelegraph Research,[1] as vendas de NFTs cresceram de US$ 41 milhões em 2018 para surpreendentes US$ 2,5 bilhões no primeiro semestre de 2021, um aumento de 60 vezes em apenas três anos e meio. Segundo a agência de notícias Reuters, as vendas de NFTs atingiram quase US$ 25 bilhões em 2021.

Dados do Blockchain User Behavior Report, relatório elaborado pela plataforma Dapp Radar, revelam que o Brasil fechou o ano de 2021 em 3º lugar no ranking de adoção de tokens não fungíveis e participação no mercado de colecionáveis. Considerando todas as aplicações de NFTs, o Brasil terminou na 6ª posição mundial, atrás apenas de Reino Unido, Filipinas, Rússia, EUA e China.

Dos inúmeros conceitos atribuídos ao NFT – que são desafiadores até para especialistas da área tecnológica –, de início é possível elaborar uma definição mínima (longe de ser exaustiva): trata-se de um certificado digital único que serve para registrar, por meio de tecnologia blockchain,[2] a propriedade ou ao direitos relativos de um ativo, como uma obra de arte ou um item colecionável, pertencente ao mundo real ou mesmo virtual.

Com base nessa definição, extraem-se três aspectos importantes sobre os NFTs:

  • estão inseridos em uma cadeia blockchain, em que cada bloco da cadeia confirma a veracidade das informações do bloco anterior, assegurando a integridade com relação ao histórico de todas as transações realizadas, o que torna o NFT um registro (ou certificado) permanente e confiável de um direito para quem o detém;
  • são únicos, infungíveis, ou seja, não existe outro da mesma espécie, sendo, portanto, insubstituíveis; e
  • representam um direito sobre algo que já existe no mundo real ou até mesmo virtual.

Os NFTs já têm sua importância econômica reconhecida no mercado, mas há desafios em relação ao tratamento tributário a ser dado a eles.

Isso ocorre porque o mundo real e o direito tributário não andam necessariamente na mesma velocidade. Há exemplos que comprovam esse descompasso, como é o caso da discussão que se iniciou na década de 1990 acerca da tributação em operações com software. A discussão tomou diferentes rumos e, apenas em 2021, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o licenciamento de software representa uma obrigação de fazer, o que foi determinante para estabelecer a incidência do ISS sobre essas relações jurídicas.

Embora ainda não haja regulamentação própria, o Projeto de Lei 4.207/20, de autoria da senadora Soraya Thronicke (PSL/MS), busca definir os NFTs como “ativos virtuais intangíveis (tokens) que representem, em formato digital, bens, serviços ou um ou mais direitos, que possam ser emitidos, registrados, retidos, transacionados ou transferidos por meio de dispositivo eletrônico compartilhado, que possibilite identificar, direta ou indiretamente, o titular do ativo virtual, e que não se enquadrem no conceito de valor mobiliário disposto no art. 2° da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976”.

Como o projeto ainda está em trâmite no Senado Federal e não foi aprovado, o termo segue sem definição jurídica.

A Receita Federal do Brasil (RFB) obriga aqueles que operam com criptoativos a reportar suas operações (Instrução Normativa 1.888/19), impondo, inclusive, penalidades para quem não prestar essas informações, como multa de 3% sobre o valor da operação, para pessoa jurídica (com redução de 70% para Simples Nacional), ou de 1,5%, no caso das pessoas físicas.

De acordo com essa instrução normativa, criptoativo é “a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal”.

Na ausência de norma específica sobre o tema, a tributação dos NFTs deve seguir outras existentes no ordenamento jurídico. Uma primeira possível abordagem considera que o NFT deve ser tributado do ponto de vista de sua forma. Muito embora discordemos que o NFT se insira no conceito de criptoativo trazido pela IN 1.888/19, a RFB atribui aos NFTs a característica de criptoativo.

Por meio do Perguntas & Respostas do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) de 2022, a RFB manifestou que, embora os criptoativos não sejam considerados moeda de curso legal nos termos do marco regulatório atual, “podem ser equiparados a ativos sujeitos a ganho de capital e devem ser declarados pelo valor de aquisição na Ficha Bens e Direitos”, nas hipóteses em que o valor de aquisição de cada tipo de criptoativo for igual ou superior a R$ 5 mil.

Entre os criptoativos listados pela RFB no Perguntas & Respostas que entram nessa regra estão os NFTs, que, de acordo com o órgão, devem, inclusive, ser informados na declaração das pessoas físicas com o código 10, cuja discriminação deverá conter tipo, quantidade e onde está custodiado.

Em outras palavras, no entendimento da RFB, NFT é criptoativo, não é moeda em curso legal, e está sujeito à apuração de ganho de capital na alienação de ativos. Por isso mesmo, no Perguntas & Respostas, a RFB esclarece que “Os ganhos obtidos com a alienação de criptoativos cujo total alienado no mês seja superior a R$ 35.000,00 são tributados, a título de ganho de capital, segundo alíquotas progressivas estabelecidas em função do lucro, e o recolhimento do imposto sobre a renda deve ser feito até o último dia útil do mês seguinte ao da transação, no código de receita 4600. A isenção relativa às alienações de até R$ 35.000,00 mensais deve observar o conjunto de criptoativos alienados no Brasil ou no exterior, independente de seu tipo (Bitcoin, altcoins, stablecoins, NFTs, entre outros)”.

Prevalecendo o entendimento da RFB de que o NFT é um criptoativo, se deveria afastar, por consequência, a tributação sobre o consumo, na medida em que a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo já manifestou o entendimento, por meio da Resposta à Consulta Tributária 22.841/20, de que criptoativos não são mercadorias e, portanto, não se sujeitam ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

De qualquer forma, o NFT é um registro permanente que confere direitos àquele que o detém. Dependendo do que se estabelece na relação jurídica entre as partes na negociação de um NFT, esses direitos podem ser de propriedade ou não.

É por essa razão que muitos defendem que a tributação do NFT não deveria se dar simplesmente com relação à forma do NFT (como um certificado digital único), mas com relação ao próprio conteúdo subjacente ao NFT, observando as regras já existentes para a tributação das relações jurídicas representadas pelos NFTs.

Seguindo esse raciocínio, que considera o que está sendo negociado entre as partes em uma transação com NFT, a tributação do NFT espelharia a que já existe no mundo real para aquela determinada relação jurídica. Como exemplo, o artista tributará a venda da obra de acordo com as regras existentes para esse tipo de transação, caso o NFT envolva a alienação da propriedade relativa à obra de arte.

As possibilidades para a relação jurídica criada pelo NFT não se resumem à transferência da propriedade. O NFT pode representar o ingresso de um evento, situação em que a tributação observaria aquela aplicável à venda de ingresso para evento. O Super Bowl, por exemplo, já vendeu este ano tickets comemorativos da liga atrelados a NFTs.

Para as empresas, será necessário analisar outras questões, entre elas, se a receita que advém do NFT é uma receita operacional ou não, o que impactará a tributação correspondente.

Além dos desafios de compreensão dessa nova tecnologia, a análise da tributação das operações com NFT também traz interessantes desdobramentos. Espera-se, porém, em prol da segurança jurídica dos contribuintes, que a discussão acerca da tributação aplicável aos NFTs não perdure por 20 anos, como aconteceu com as operações com software.

 


[1] Plataforma de mídia digital independente que cobre um largo espectro de notícias sobre tecnologia, blockchain, ativos cripto e tendências emergentes de fintech.

[2] Criado inicialmente em 1991, o blockchain ganhou notoriedade em 2009 com Satoshi Nakamoto, ao implementar a tecnologia ao bitcoin. Renata Barros Souto Maior Baião definiu a tecnologia como o “conjunto de tecnologias que compõe uma estrutura de dados organizados sob a forma de contabilidade de tripla entrada. Isso significa, essencialmente, que os registros desses dados são compostos pelos seguintes elementos mínimos: a) uma entrada que corresponde a uma saída; b) uma saída; c) uma camada de validação criada pela rede, que assegura a saída”. Referência: Cadernos Jurídicos, São Paulo, ano 21, nº 53, p. 154, Janeiro-Março/2020.