O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, considerar a data de 20 de abril de 2021 como marco para início dos efeitos das decisões proferidas nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que declararam inconstitucionais leis estaduais voltadas à cobrança de Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD) em doações ou heranças realizadas do exterior. A data foi estabelecida pelo STF em março deste ano ao modular os efeitos das decisões.

As ADIs foram ajuizadas pela Procuradoria Geral da República em uma ação que remetia à decisão tomada pelo STF, no início de 2021, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 851.108. Na ocasião, os ministros fixaram tese de repercussão geral (Tema 825) pela qual, antes que o Congresso Nacional regulamente a cobrança de ITCMD por meio de lei complementar, os estados não podem cobrar o tributo de:

  • transmissões em que o doador é residente/domiciliado no exterior; e
  • quando o falecido possuía bens, era residente/domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior.

Diante do julgamento do RE 851.108, a PGR ajuizou as ADIs no STF contra leis de 23 estados mais o Distrito Federal que disciplinavam e permitiam a cobrança do ITCMD sobre doações e heranças provenientes do exterior. As ações questionavam leis de Pernambuco, Paraná, Pará, Tocantins, Maranhão, Paraíba, Santa Catarina, Rondônia, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Piauí, Alagoas, Acre, São Paulo, Goiás, Espírito Santo, Distrito Federal, Ceará, Bahia, Amazonas, Amapá, Mato Grosso, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul.[1]

Nas ADIs, a PGR apontou que, embora o entendimento do RE 851.108 – fixado como repercussão geral – seja de observância obrigatória para órgãos do Poder Judiciário, ele não vincula a atuação de órgãos das administrações públicas estaduais enquanto ainda vigentes as leis que determinam a cobrança do tributo. Com isso, os órgãos de fazenda estadual continuavam obrigados a autuar contribuintes que não efetuavam o recolhimento do ITCMD, ainda que essas autuações pudessem ser canceladas posteriormente pelos tribunais judiciais.

Com o julgamento das ADIs, o STF reconheceu a inconstitucionalidade das leis estaduais que estavam em desacordo com o entendimento fixado no RE 851.108 e, assim, desautorizou os órgãos fazendários de exigir ITCMD nas hipóteses mencionadas. Ao modular os efeitos das decisões proferidas nas ADIs, o STF definiu que eles têm eficácia a partir da publicação do acórdão de mérito proferido no RE 851.108 (20 de abril de 2021). Com isso, desde aquela data, heranças e doações recebidas do exterior não estão sujeitas ao pagamento de ITCMD até que o Congresso Nacional edite lei complementar.

É importante considerar que o ajuizamento das ADIs se insere em um conjunto de iniciativas organizadas pela PGR, que também ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 67 (ADO 67), para provocar o Congresso Nacional a elaborar lei complementar que estabeleça as normas gerais para incidência do ITCMD sobre as doações ou heranças provenientes do exterior. Reconhecida a inconstitucionalidade das leis estaduais, o objetivo da PGR com a ADO 67 é que o Congresso seja compelido pelo STF a editar a lei que permitirá a instituição e cobrança de ITCMD pelos estados sobre doações e heranças advindas do exterior.

Nos termos do art. 103, § 2º, da Constituição Federal,[2] a ADO é ação cabível nas hipóteses de omissão do poder público em dar efetividade a normas já previstas no texto constitucional. Caso reconhecida eventual omissão, cabe ao STF notificar o Legislativo para que as providências sejam tomadas. A Constituição, no entanto, não estabelece prazo para elaboração de norma regulamentadora no caso de omissão do Poder Legislativo.

A ADO 67 foi ajuizada sob a alegação de ter havido omissão do Congresso Nacional em tornar efetiva a norma contida no art. 155, III, da Constituição Federal, que permite a cobrança de ITCMD, pelos estados, sobre doações e heranças advindas do exterior, com instituição regulada por lei complementar.

"Artigo 155 — Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

I — transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;
(...)

  • 1.º O imposto previsto no inciso I:
    III —terá competência para sua instituição regulada por lei complementar:
    a) se o doador tiver domicílio ou residência no exterior;
    b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior
    ;”[3]

A PGR sustenta que, mesmo após 32 anos da promulgação da Constituição Federal, há inércia em dar efetividade à norma tributária prevista no texto constitucional. A omissão em editar lei complementar acaba por impedir os estados de exigir o tributo, ocasionando prejuízos aos cofres públicos e à autonomia dos entes regionais da federação.

Vale apontar, ainda, que existem iniciativas da Câmara dos Deputados para edição da referida lei complementar. O Projeto de Lei Complementar (PLP) 363/13, apresentado em 2 de dezembro de 2013 pela deputada Erika Kokay (PT/DF), foi o primeiro que se propôs a regular a instituição e cobrança da hipótese de ITCMD prevista no inciso III do § 1º do art. 155 da Constituição. O projeto foi aprovado em 2017 pelas comissões de Finanças e Tributação e de Constituição, Justiça e Cidadania. Desde então, o texto aguarda apreciação pelo plenário da Câmara. Além disso, com retorno do tema à pauta tributária, em 2021 tivemos a submissão de dois novos projetos sobre a matéria, o PLP 67/21, de autoria do deputado Ricardo Barros (PP/PR), e o PLP 37/21, de autoria do deputado Hilton Rocha (MDB/MA). Atualmente os dois projetos tramitam apensos ao PLP 363/13 na Câmara do Deputados.

Embora o STF tenha modulado os efeitos da decisão para permitir que os fiscos cobrem o tributo em relação a fatos geradores ocorridos até 20 de abril de 2021 (exceto nos casos de ações judiciais protocoladas antes dessa data), a decisão não deixa dúvidas que a partir desse marco não existe cobrança de ITCMD sobre doações e heranças advindas do exterior no sistema tributário brasileiro.

Dessa forma, residentes no exterior estão em uma situação oportuna para doar bens para residentes no país, sejam doações regulares, sejam doações na forma de antecipação de legítima. Em especial, trata-se de um momento muito vantajoso para a realização de planejamentos sucessório, antecipando-se a destinação de bens, inclusive por meio da instituição de usufruto. A reorganização de bens nesse contexto pode envolver ativos imobiliários, participações societárias etc.

Além disso, entendemos que tendem a ser intensificadas as movimentações para a regulamentação do tributo, sobretudo considerando o momento de crise orçamentária dos estados, de modo que a abertura momentânea para doações livres de ITCMD poderá se encerrar em breve.

 


[1] ADI 6.817, ADI 6.818, ADI 6.819, ADI 6.820, ADI 6.821, ADI 6.822, ADI 6.823, ADI 6.824, ADI 6.825, ADI 6.826, ADI 6.827, ADI 6.828, ADI 6.829, ADI 6.830, ADI 6.831, ADI 6.832, ADI 6.833, ADI 6.834, ADI 6.835, ADI 6.836, ADI 6.837, ADI 6.838, ADI 6.839 e ADI 6.840, respectivamente.

[2]  Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:

VI - o Procurador-Geral da República;

  • 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

[3] Grifo nosso