Publicado em 30 de dezembro de 2022, o Decreto 11.322/22 reduziu pela metade as alíquotas do PIS e da Cofins incidentes sobre as receitas financeiras auferidas pelas empresas sujeitas ao regime não cumulativo. As alíquotas passaram de 0,65% e 4% para 0,33% e 2%, respectivamente.

De acordo com decreto, a redução de alíquotas produziria efeitos a partir de 1º de janeiro de 2023. Entretanto, no dia 2 de janeiro, o Decreto 11.374/23 revogou o Decreto 11.322/22, restabelecendo as alíquotas do PIS e da Cofins incidentes sobre as receitas financeiras aos seus valores originais.

Apesar de o Decreto 11.374/23 prever sua vigência na data de sua publicação, existem bons fundamentos jurídicos para discutir o imediato aumento da alíquota das contribuições sociais, pois o Decreto 11.322/22 chegou a entrar em vigor e produzir efeitos no ordenamento jurídico, ainda que pelo curto período de um dia.

Em termos jurídicos, a revogação do Decreto 11.322/22 resultou no aumento das alíquotas das contribuições sociais em questão, ensejando a aplicação do princípio constitucional da anterioridade nonagesimal (art. 150, inciso III, alínea "c", combinado com o art. 195, § 6º, ambos da Constituição Federal), que impede a cobrança de tributos antes de 90 dias da norma que os aumentou:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...)

III - cobrar tributos: (...)

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:   (...)

  • 6º As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, "b".

A jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal (STF) estabelece a observância do princípio da anterioridade nonagesimal mesmo nos casos em que a alteração das alíquotas do PIS e da Cofins tiver sido promovida por meio de normas diferentes de lei ordinária, conforme decidido na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.277 (ADI 5.277):

Ação direta de inconstitucionalidade. Direito Tributário. Princípio da legalidade tributária. Necessidade de análise de cada espécie tributária e de cada caso concreto. Contribuição ao PIS/PASEP e Cofins. Parágrafos 8º a 11 do art. 5º da Lei nº 9.718/98, incluídos pela Lei nº 11.727/08. Venda de álcool, inclusive para fins carburantes. Fixação, pelo Poder Executivo, de coeficientes para reduzir alíquotas dessas contribuições, as quais podem ser alteradas para mais ou para menos, em relação a classe de produtores, produtos ou sua utilização. Presença de função extrafiscal a ser desenvolvida. Anterioridade nonagesimal. Necessidade de observância.

1. A observância do princípio da legalidade tributária é verificada de acordo com cada espécie tributária e à luz de cada caso concreto, sendo certo que não existe ampla e irrestrita liberdade para o legislador realizar diálogo com o regulamento no tocante aos aspectos da regra matriz de incidência tributária.

2. Para que a lei autorize o Poder Executivo a reduzir e restabelecer as alíquotas da contribuição ao PIS/Pasep e da Cofins, é imprescindível que o valor máximo dessas exações e as condições a serem observadas sejam prescritos em lei em sentido estrito, bem como exista em tais tributos função extrafiscal a ser desenvolvida pelo regulamento autorizado.

3. Os dispositivos impugnados tratam da possibilidade de o Poder Executivo fixar coeficientes para reduzir as alíquotas da contribuição ao PIS/PASEP e da Cofins incidentes sobre a receita bruta auferida na venda de álcool, inclusive, para fins carburantes, alíquotas essas previstas no caput e no § 4º do art. 5º da Lei nº 9.718/98, redação dada pela Lei nº 11.727/08, as quais podem ser alteradas, para mais ou para menos, em relação a classe de produtores, produtos ou sua utilização. A lei estabeleceu os tetos e as condições a serem observados pelo Poder Executivo. Ademais, a medida em tela está intimamente conectada à otimização da função extrafiscal presente nas exações em questão. Verifica-se, ainda, que o diálogo entre a lei tributária e o regulamento se dá em termos de subordinação, desenvolvimento e complementariedade.

4. A majoração da contribuição ao PIS/Pasep ou da Cofins por meio de decreto autorizado submete-se à anterioridade nonagesimal prevista no art. 195, § 6º, da CF/88, correspondente a seu art. 150, III, c.

5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente, conferindo-se interpretação conforme à Constituição Federal aos §§ 8º e 9º do art. 5º da Lei nº 9.718/98, incluídos pela Lei nº 11.727/08, e se estabelecendo que as normas editadas pelo Poder Executivo com base nesses parágrafos devem observar a anterioridade nonagesimal prevista no art. 150, III, c, do texto constitucional.[1]

Dessa forma, a jurisprudência atual do STF sinaliza que é possível propor medida judicial para assegurar o direito de aplicação das alíquotas reduzidas do PIS e da Cofins incidentes sobre receitas financeiras até 1º de abril de 2023, de modo a respeitar o princípio da anterioridade nonagesimal previsto na Constituição Federal.

O Departamento Tributário do Machado Meyer fica à disposição para o esclarecimento de dúvidas e discussões sobre o tema.

 


[1] ADI 5277/DF, rel. ministro Dias Toffoli, primeira seção, julgado em 11 de dezembro de 2020, DJe 25/03/2021. Grifos nossos