Em um novo capítulo da modernização normativa do setor mineral no Brasil, o governo publicou ontem (14/6), os decretos nº 9.406/2018 e 9.407/2018, por meio dos quais, respectivamente, aprova o novo regulamento para o Código de Mineração que revoga o Decreto 62.934/1968, e regulamenta o repasse da CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais) a municípios afetados pela atividade de mineração.

Após buscar a modernização da estrutura legal do setor por meio de três medidas provisórias no segundo semestre de 2017, o governo não obteve êxito em aprovar a medida provisória que atualizava o Código de Mineração. Conseguiu apenas criar a Agência Nacional de Mineração (ANM) e ampliar a tributação do setor, fomentando a insegurança nos players do setor.

O Decreto nº 9.407/2018 regulamenta o repasse da CFEM aos municípios (i) gravemente prejudicados pela Lei nº 13.540/2017; e (ii) afetados pela atividade de mineração, definidos como aqueles (a) cortados por minerodutos ou ferrovias que transportem substâncias minerais; (b) que possuem operações portuárias envolvendo tais substâncias; ou (c) onde se localizem pilhas de estéril, barragem de rejeitos ou instalações de beneficiamento. Trata-se de diploma normativo de menor interesse aos agentes privados da indústria de mineração e cuja edição já era prevista na lei mencionada.

Por outro lado, o Decreto nº 9.406/2018 busca conferir certa segurança, dinamismo e modernidade a um dos setores mais relevantes da economia nacional.

O regulamento até então vigente datava de 1968. Diversos governos tentaram atualizá-lo sem sucesso, o que resultou em questionável aumento do regramento por meio de portarias do antigo DNPM ou de pareceres vinculantes de outras autoridades.

Agora, o novo regulamento contém novidades que buscam satisfazer parte das principais reivindicações do setor. Traz também elementos que aproximam a regulamentação brasileira de práticas internacionais.

Nesse sentido, é possível destacar como principais novidades (i) o endurecimento de regras ambientais com a inclusão expressa da obrigação de fechamento de mina e recuperação de áreas degradadas pelos mineradores; (ii) a mudança da contagem de prazo de pesquisa mineral e sua prorrogação em casos de dificuldades na obtenção de licenciamento ambiental ou acesso às respectivas áreas; (iii) a outorga de concessão de lavra como garantia para obtenção de financiamentos; (iv) o incentivo ao aproveitamento econômico de rejeitos e resíduos de mineração; e (v) a sistematização do leilão eletrônico para a disponibilização de áreas que sofreram extinção de direitos minerários anteriormente válidos.

O parágrafo 2º do artigo 5º do Decreto nº 9.406/2018 determina que aquele que exerce a atividade de mineração é responsável pela recuperação ambiental de áreas degradadas. De forte apelo aos ambientalistas, a disposição esclarece um importante aspecto da regulamentação da atividade, mas deverá ainda estar alinhada a uma legislação ambiental esparsa e regionalizada, que demandará clareza e objetividade para alcançar seu propósito.

O decreto demonstra também a determinação da nova agência de atrair para sua esfera a fiscalização e regulação de temática primordialmente ambiental, uma vez que o artigo 5º, parágrafo 3º, lista elementos que poderão compor o fechamento da mina, como a recuperação da área degradada, a desmobilização de instalações, a utilização futura da área e o monitoramento e acompanhamento de sistemas de disposição de rejeitos e estéreis. O plano de fechamento de mina deve obrigatoriamente acompanhar o Plano de Aproveitamento Econômico da mina e, portanto, ser submetido ao crivo e à aprovação da ANM.

A esse respeito, o inciso XVIII do artigo 34 do decreto obriga o titular a “executar e concluir adequadamente, após o término das operações e antes da extinção do título, o plano de fechamento de mina”. Caso a ANM interprete essa norma no sentido de que a obrigação do titular de executar o plano de fechamento nasce apenas com o término das operações de mineração, a agência poderá abster-se de impor medidas como a constituição de fundo de reserva para financiar as atividades de fechamento da mina desde antes do encerramento de suas operações. Tal interpretação, todavia, poderia afastar o Brasil da vanguarda mundial na relação entre mineradores e meio ambiente, segundo a qual o conceito de fechamento de mina é aplicado em todas as etapas do processo, desde o planejamento da abertura até o encerramento das operações.

Ainda nessa seara, o decreto vincula a observância à Política Nacional de Segurança de Barragens às obrigações precípuas do minerador, incluída em rol disposto no artigo 34. Isso demonstra a disposição do legislador de integrar, de forma prática, aspectos ambientais e regulatórios, o que se observa predominantemente em contexto infralegal.

O tema ainda volta a ser tratado nos parágrafos 2º e 3º do artigo 51, os quais garantem que a extinção dos títulos de concessão de lavra, quando do pedido de renúncia pelo minerador, terá sua homologação condicionada à conclusão da execução de plano de fechamento de mina previamente aprovado pela ANM.

A prorrogação da autorização de pesquisa também sofreu alterações. O decreto estabelece, como regra geral, uma única prorrogação do título autorizativo, exceto nos casos em que se verifique impedimento de acesso à área de pesquisa ou por falta de assentimento ou licença do órgão ambiental.

Além de admitir a possibilidade do título autorizativo ser prorrogado por mais de uma vez, o decreto esclareceu que apenas os casos de comprovada dificuldade de acesso à área ou de problemas na obtenção de licença ambiental poderão ser aceitos pela ANM como justificativas para reiterada prorrogação dessa autorização de pesquisa, pontos que compõe antiga reivindicação de players da área e que agregam segurança institucional ao procedimento.

Não menos importante, o decreto estabelece em seu o artigo 9º, parágrafo 7º, que os trabalhos de pesquisa mineral em campo poderão continuar mesmo após o término do prazo da autorização de pesquisa e apresentação do relatório final. O objetivo é converter os recursos medidos em reservas, a serem futuramente aproveitadas na elaboração do plano de aproveitamento econômico.

O parágrafo 9º do mesmo artigo deixa claro que novos dados obtidos no período adicional de pesquisa, após a apresentação do relatório, não poderão ser utilizados para fins de complementação ou retificação do relatório final de pesquisa. Tal esclarecimento visa evitar que titulares utilizem o permissivo como meio de prorrogar indevidamente seus trabalhos de pesquisa.

O artigo 27 do decreto permite expressamente o desenvolvimento e a apresentação de plano e relatório final de pesquisa unificados em caso de autorizações de pesquisa em áreas contíguas e relativas à mesma substância mineral. A novidade permite integrar projetos de maior monta desde o estágio inicial de pesquisa, aumentando a eficiência dos procedimentos tanto do ponto de vista operacional quanto burocrático.

A fase de requerimento de concessão de lavra também teve seus procedimentos detalhados pela redação do novo decreto. Os artigos 30 e 31 determinam que o minerador deverá requerer a concessão de lavra, a ser instruída com as informações elencadas pelo artigo 38 do Código de Mineração, que incluem Plano de Aproveitamento Econômico, indicação de servidões, prova de disponibilidade de fundos, entre outros. A seguir, o requerente terá 60 dias para comprovar a solicitação de licenciamento ambiental ao órgão responsável e para cumprir as exigências formuladas pela ANM. O prazo é prorrogável uma única vez por período, no máximo, equivalente.

O parágrafo 4º do artigo 31 esclarece ainda que o requerente deverá demonstrar à ANM, a cada seis meses a partir da data da solicitação de licenciamento ambiental, que o procedimento está avançando e que o titular adota todas as medidas necessárias para sua obtenção. Caso contrário, o requerimento de lavra poderá ser indeferido.

Outra relevante novidade do Decreto nº 9.406/18 é a previsão expressa da possibilidade de constituição de ônus sobre a concessão de lavra para garantir financiamentos, que está presente no artigos 43 e 44 do instrumento normativo. Embora na prática a constituição de garantias sobre concessões de lavra não seja novidade nas estruturas de financiamento de projetos do setor (ela já é permitida pelo artigo 55 do Código de Mineração), é cedo ainda para saber se a nova redação permitirá o emprego de ferramentas mais modernas de garantia e financiamento, uma vez que o artigo deverá ser regulamentado pela ANM. De qualquer forma, em um contexto de recuperação do preço global de importantes substâncias minerais, o desenvolvimento de estruturas mais eficientes e robustas para mitigar os riscos do setor e atrair financiadores é bem-vindo.

Outras disposições do Decreto nº 9.406/2018 buscam promover a segurança e a eficiência da produção mineral. Dois exemplos estão nos parágrafos 1º a 3º do artigo 10, que, respectivamente, incluem o reaproveitamento econômico do rejeito, estéril e resíduos no conceito de lavra, e incentivam expressamente os empreendimentos a aproveitar esses rejeitos, inclusive prevendo a possibilidade de aditamento da concessão de lavra por meio de processo simplificado. Também está previsto que a temática deverá ser objeto de regulamentação futura pela ANM.

Por fim, uma das mais aguardadas novidades, inserida no artigo 45 do novo decreto, é o leilão eletrônico das áreas em disponibilidade decorrentes de qualquer forma de extinção de direitos minerários, o que pode ser a mais relevante das modernizações da nova regulação. Com essa iniciativa, o governo busca agilizar o acesso às muitas áreas disponíveis no Brasil, ao mesmo tempo que define regras claras para acessá-las e combate a especulação minerária, um dos maiores elementos geradores de insegurança do modelo atual.

O leilão eletrônico de áreas em disponibilidade já era previsto na Medida Provisória nº 790/2017, que reformava o atual Código de Mineração, mas não foi votada pelo Congresso e teve sua eficácia revogada. A expectativa de diversos agentes que atuam no segmento é de que a ferramenta, se bem aplicada, pode liberar rapidamente uma grande quantidade de áreas para a atividade de mineração, além de agilizar o futuro acesso a áreas, uma vez decaído o direito minerário vigente sobre elas.

Tida como uma das joias da proposta anterior, a ferramenta já fora propagandeada em eventos do governo. Resta saber se, na prática, será eficaz em combater a especulação minerária provocada por agentes acostumados a solicitar áreas para pesquisa mineral com o propósito único de garantir seu direito de prioridade e posteriormente vendê-lo para as mineradoras que, de fato, exercerão as atividades.

O Decreto nº 9.406/18 entrará em vigor na data de instalação da ANM, que ainda não foi marcada, excetuando-se as disposições sobre a revogação dos decretos nº 98.812/1990 e 3.358/2000. Estas vigorarão a partir de 10 de dezembro de 2018, 180 dias após a publicação do decreto, que ocorreu no último dia 13 de junho.

Muito embora algumas alterações trazidas pelo Decreto nº 9.406/2018 estejam de acordo com o conteúdo das medidas provisórias convertidas em lei no fim de 2017, especialmente a criação da ANM, cabe refletir sobre a validade de introduzir por meio desse instrumento alguns dos pontos mais relevantes do novo regulamento.