Entrou em vigor em 31 de outubro de 2023 a Lei 14.711/23, que instaura o Marco Legal das Garantias de Empréstimos. A legislação trata do aprimoramento das regras que regem o tratamento do crédito e das garantias e as medidas extrajudiciais para recuperação de crédito no Brasil.

Desde que o projeto de lei foi aprovado pelas duas casas do Congresso Nacional e enviado para sanção presidencial, o tema tem gerado grandes expectativas. Isso se deve aos avanços que ele representa para o sistema de garantias, facilitando seu uso e a recuperação dos bens dados em garantia em caso de inadimplência. As mudanças representam um estímulo importante para a redução da inadimplência e das taxas de juros de empréstimos e para a ampliação das alternativas de crédito no país.

Entre as principais alterações e inovações trazidas pelo novo Marco Legal das Garantias de Empréstimos, destacam-se:

  • ALIENAÇÕES FIDUCIÁRIAS SUCESSIVAS SOBRE O MESMO BEM IMÓVEL (CONFORME ALTERAÇÕES À LEI 9.514, DE 20 DE NOVEMBRO DE 1997)

Previsão expressa sobre a possibilidade de se levar a registro imobiliário a alienação fiduciária de imóvel já alienado fiduciariamente. Sua eficácia fica condicionada ao cancelamento da propriedade fiduciária constituída anteriormente.

Tal previsão expressa traz maior segurança jurídica e tem bom potencial de aplicação a todos os tipos de transação, considerando a necessidade frequente de garantias com distintos graus de prioridade em favor de credores subordinados.

Em caso de excussão da garantia, as alienações fiduciárias anteriores terão prioridade em relação às mais novas. Os credores posteriores ficam sub-rogados, desde a data do registro de sua garantia, no direito de receber o montante que restar do produto da eventual venda do imóvel.

  • ALTERAÇÕES À EXECUÇÃO DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS IMÓVEIS (CONFORME ALTERAÇÕES À LEI 9.514, DE 20 DE NOVEMBRO DE 1997)

Alteração do prazo para a promoção do leilão público de alienação do imóvel, de 30 dias para 60 dias contados da data do registro da consolidação da propriedade em nome do fiduciário na matrícula do imóvel.

Determinação de que, em segundo leilão, o imóvel alienado fiduciariamente possa ser vendido pelo maior lance oferecido, desde que seja igual ou superior ao valor integral da dívida garantida pela alienação fiduciária, das despesas e dos encargos legais. Caso não haja lance que alcance esse valor, poderá ser aceito pelo credor fiduciário, a seu exclusivo critério, lance que corresponda a, pelo menos, metade do valor de avaliação do bem.

Caso o produto da venda não seja suficiente para o pagamento integral do montante da dívida, das despesas e dos encargos legais, o devedor continuará obrigado pelo pagamento do saldo remanescente, que poderá ser cobrado por meio de ação de execução e, se for o caso, excussão das demais garantias da dívida, exceto nos casos de financiamento para aquisição ou construção de imóvel residencial do devedor.

Além disso, foram inseridos dispositivos específicos para tratar do procedimento de execução de operações de crédito garantidas por mais de um bem imóvel alienado fiduciariamente.

Em tais operações, caso não haja definição prévia sobre a vinculação de cada imóvel a uma parcela da dívida, o credor tem a opção de promover a excussão em ato simultâneo, consolidando a propriedade e levando todos os imóveis a leilão em conjunto, ou em atos sucessivos, por meio de consolidação da propriedade e do leilão de cada imóvel em sequência, conforme seja necessário para a satisfação integral do crédito.

Caso o crédito não tenha sido integralmente quitado, a cada leilão realizado, o credor deverá recolher o imposto sobre transmissão inter vivos e, se for o caso, o laudêmio relativos ao imóvel a ser excutido na sequência. Também deverá solicitar a averbação da consolidação da propriedade e, no prazo de 30 dias, realizar os procedimentos de leilão público para alienação do imóvel.

  • CRIAÇÃO DA FIGURA DO AGENTE DE GARANTIA (CONFORME INCLUSÃO DO “CAPÍTULO XXI – DO CONTRATO DE ADMINISTRAÇÃO FIDUCIÁRIA DE GARANTIAS” NO CÓDIGO CIVIL)

A norma regula a figura do agente de garantia, que poderá ser designado pelos credores e atuará em nome próprio e em benefício deles para a constituição, a realização do registro do gravame do bem, o gerenciamento e a execução da garantia. O agente de garantia poderá se valer inclusive da execução extrajudicial da garantia, quando previsto na legislação especial aplicável à modalidade de garantia.

Após receber o valor do produto da execução da garantia, o agente de garantia deverá realizar o pagamento aos credores no prazo de dez dias úteis. Enquanto não transferido para os credores, tal montante constituirá patrimônio separado daquele do agente de garantia e não poderá responder por suas obrigações pelo período de até 180 dias, contados da data de recebimento do produto da garantia.

Apesar de ser um representante dos credores, o agente de garantias também pode manter contratos com o devedor para pesquisar ofertas de crédito mais vantajosas entre os diversos fornecedores, ajudar nos procedimentos de formalização e na intermediação para resolver questões relativas aos contratos de operações de crédito e de garantias reais, ou oferecer serviços não vedados em lei.

  • EXTENSÃO DA HIPOTECA PARA GARANTIA DE NOVAS OBRIGAÇÕES EM FAVOR DO MESMO CREDOR (CONFORME ALTERAÇÕES AO CÓDIGO CIVIL)

A hipoteca pode ser posteriormente estendida a pedido do proprietário para garantir novas obrigações em favor do mesmo credor, mantidos o registro e a publicidade originais, mas respeitada, em relação à extensão, a prioridade de direitos contraditórios ingressos na matrícula do imóvel.

A extensão da hipoteca não poderá ultrapassar o prazo e o valor máximo garantido pela garantia original. Além disso, será assegurada a preferência creditória em favor da:

  • obrigação inicial, em relação às obrigações oriundas da extensão da hipoteca; e
  • obrigação mais antiga por tempo de averbação, em caso de mais de uma extensão de hipoteca.

Na hipótese de vários credores serem garantidos pela mesma hipoteca estendida, somente o credor titular do crédito mais prioritário poderá promover a execução judicial ou extrajudicial da garantia, exceto se convencionado de modo diverso por todos os credores.

  • RECONHECIMENTO DA POSSIBILIDADE JURÍDICA DA EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL DE HIPOTECA (CONFORME PREVISTO NO ARTIGO 9º DO MARCO LEGAL DAS GARANTIAS DE EMPRÉSTIMOS)

Permissão para que créditos garantidos por hipoteca sejam executados extrajudicialmente, alinhando os procedimentos da hipoteca com os referentes à alienação fiduciária. Para tal, o título constitutivo da hipoteca deverá conter expressa previsão do procedimento de execução extrajudicial previsto na lei.

Se a dívida hipotecária vencer e não for paga, o credor poderá requerer ao oficial do registro de imóveis em que o bem está localizado que notifique o devedor e, se aplicável, o terceiro hipotecante ou seus representantes legais, concedendo-lhes prazo de 15 dias para regularizar a situação de mora.

Se a dívida não for sanada no prazo estabelecido, fica autorizado o início do procedimento de excussão extrajudicial da garantia hipotecária por meio de leilão público. O fato será averbado na matrícula do imóvel, a partir de pedido formulado pelo credor, no máximo 15 dias após o término do prazo de regularização da dívida. Em até 60 dias, contados da averbação, o credor promoverá o leilão público, que poderá ser realizado por meio eletrônico.

Se o lance oferecido no primeiro leilão não for igual ou superior ao valor do imóvel determinado no contrato para fins de excussão ou ao valor de avaliação realizada pelo órgão público competente para cálculo do imposto sobre transmissão inter vivos, o que for maior, o segundo leilão deverá ser realizado nos 15 dias seguintes.

No segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que o montante seja igual ou superior ao valor integral da dívida garantida pela hipoteca, das despesas e dos encargos legais. Caso nenhum lance alcance esse valor, o credor hipotecário poderá aceitar, a seu exclusivo critério, lance que corresponda a, pelo menos, metade do valor de avaliação do bem.

Se o lance para arrematação do imóvel superar o valor da totalidade da dívida, o excedente será entregue ao hipotecante no prazo de 15 dias contados da data do pagamento do preço da arrematação. Se o lance oferecido no segundo leilão não for igual ou superior ao referencial mínimo para arrematação, o credor poderá:

  • apropriar-se do imóvel em pagamento da dívida, a qualquer tempo, pelo valor correspondente ao referencial mínimo devidamente atualizado, mediante requerimento ao oficial do registro de imóveis competente; ou
  • realizar no prazo de até 180 dias contados do último leilão a venda direta do imóvel a terceiro, por valor não inferior ao referencial mínimo, dispensado novo leilão.

Nas operações de financiamento para aquisição ou construção de imóvel residencial do devedor, caso o produto da excussão não seja suficiente para o pagamento da totalidade da dívida, o devedor ficará exonerado da responsabilidade pelo saldo remanescente.

Tais previsões vigoram desde que a operação não se volte para o financiamento da atividade agropecuária, hipóteses para as quais a execução extrajudicial não é aplicável.

  • ALTERNATIVAS DE NEGOCIAÇÃO EXTRAJUDICIAL PRÉVIA AO PROTESTO E INCENTIVO À RENEGOCIAÇÃO DE DÍVIDAS PROTESTADAS (CONFORME ALTERAÇÕES À LEI 9.492, DE 10 DE SETEMBRO DE 1997)

Viabiliza o uso de medidas extrajudiciais, por credores, para a recuperação de créditos, mediante proposta de solução negocial prévia ao protesto por intermédio de tabelionatos de protesto. Nesse modelo, o tabelião enviará ao devedor uma intimação sobre a proposta de desconto da dívida feita pelo credor por carta simples, correio eletrônico ou aplicativo de mensagem instantânea, que pode prever prazo de até 30 dias para aceitação. A remessa será convertida em indicação para protesto pelo valor original da dívida em caso de negociação frustrada e se o credor não desistir.

Após a apresentação do título ou documento da dívida para protesto, o tabelião tem a opção de realizar a intimação por meio eletrônico ou aplicativo multiplataforma de mensagens instantâneas e chamadas de voz. A intimação será considerada cumprida somente quando comprovada a confirmação de recebimento da plataforma eletrônica utilizada.

Se não houver comprovação de recebimento após três dias úteis, a intimação será feita por portador ou outro meio que permita comprovação de recebimento por protocolo, aviso de recepção (AR) ou documento equivalente. Após sete dias úteis sem retorno do aviso de recepção ou documento equivalente, a intimação será feita por edital.

Após a lavratura do protesto, o credor, o devedor e o tabelião poderão propor, a qualquer tempo, medidas de incentivo à renegociação de dívidas protestadas e ainda não canceladas, inclusive com abatimento de emolumentos e demais acréscimos legais. Com autorização do credor, o tabelião poderá receber o valor da dívida já protestada e indicar eventual critério de atualização, concessão de desconto ou parcelamento de débitos.

O devedor poderá oferecer contrapropostas por meio da central nacional de serviços eletrônicos compartilhados. Em caso de êxito das medidas de incentivo e liquidação da dívida, o devedor deverá arcar com os custos de emolumentos pelo registro do protesto e seu cancelamento, acréscimos legais e demais despesas. Tal pagamento somente será devido no momento da liquidação da dívida, caso seja exitosa a renegociação.

  • ALTERAÇÕES NOS REQUISITOS APLICÁVEIS À EMISSÃO DE DEBÊNTURES (CONFORME ALTERAÇÕES À LEI DAS SOCIEDADES POR AÇÕES)

Uma das principais alterações se refere à definição de quem tem competência para deliberar sobre a emissão de debêntures. A decisão poderá ser tomada pela assembleia geral ou, no caso de debêntures não conversíveis em ações em que não haja disposição estatutária em contrário, pelo conselho de administração ou pela diretoria.

Outra alteração foi a eliminação da exigência de arquivamento da escritura de emissão no registro de comércio, com a manutenção apenas da exigência de arquivamento no registro de comércio e a publicação do ato societário que deliberou sobre a emissão. Mudanças nos procedimentos de arquivamento e publicação:

  • para companhias abertas – a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) passará a disciplinar o registro e a divulgação do ato societário e da escritura de emissão das debêntures objeto de oferta pública ou admitidas à negociação e seus aditamentos; e
  • para companhias fechadas – o Poder Executivo federal passará a disciplinar o registro e a divulgação do ato societário e da escritura de emissão das debêntures de companhias fechadas e seus aditamentos.

Também foram simplificadas as formalidades para a emissão de debêntures no estrangeiro. No caso de debêntures de companhia aberta com propriedade dispersa no mercado, foi dada autorização à CVM para reduzir o quórum previsto no §5º do artigo 71 (i.e., metade das debêntures em circulação para aprovação de mudanças nas condições das debêntures).

  • OUTRAS MUDANÇAS

A nova lei traz outras mudanças específicas, como as seguintes:

  • Alterações à Lei 13.476/17 para permitir a extensão da alienação fiduciária de bem imóvel para garantia de novas obrigações em favor do mesmo credor da alienação fiduciária original. Porém, é preciso respeitar o limite da sobra de garantia da operação inicial e realizar a extensão no âmbito do Sistema Financeiro Nacional e nas operações com Empresas Simples de Crédito (ESC);
  • Regulamento do processo de excussão extrajudicial da garantia hipotecária ou, se for o caso, da propriedade fiduciária em concurso de credores, mediante disposições do artigo 10 do Marco Legal das Garantias de Empréstimos;
  • Alterações ao Decreto-Lei 911/69 para possibilitar ao credor promover a consolidação de sua propriedade fiduciária sobre bens móveis extrajudicialmente perante os cartórios de registro de títulos e documentos competentes e, no caso de veículos automotores alienados fiduciariamente, perante os órgãos executivos de trânsito dos Estados (Detrans);
  • Alterações à Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos) para permitir a emissão de certificado de vida, estado civil e domicílio (físico e eletrônico) de indivíduos pelos ofícios de registro civil das pessoas naturais. Deve ser realizada comunicação imediata e eletrônica da prova de vida para a instituição interessada;
  • Alterações à Lei 8.935/94 para dispor sobre a negociação e cessão de precatórios ou créditos e o aprimoramento de regras dos serviços notariais;
  • Alterações à Lei 12.249/10 para dispor sobre o resgate antecipado de letra financeira;
  • Alterações à Lei 14.113/20 para possibilitar a transferência de recursos das contas únicas e específicas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb);
  • Alterações à Lei 11.312/06 para dispor sobre limites de redução do imposto de renda incidente sobre rendimentos auferidos por aplicações em fundos de investimento com beneficiário residente ou domiciliado no exterior; e
  • Alterações à Lei 14.382/22 para dispor sobre a apresentação de extratos eletrônicos relativos a bens móveis.