O Banco Central do Brasil (BCB) publicou, em 14 de dezembro, a Consulta Pública 97/23 para obter contribuições e informações do público em geral sobre o mercado de ativos virtuais. Trata-se de um preparativo para a elaboração de regulação das atividades das prestadoras de serviço de ativos virtuais (VASPs, na sigla em inglês) no Brasil.

A consulta pública faz referência à Lei 14.478/22 (Marco Legal dos Criptoativos) e ao Decreto 11.563/23 e tem como principal objetivo fornecer subsídios ao BCB para elaboração do arcabouço regulatório setorial do mercado de ativos virtuais. A regulação a ser editada buscará aumentar a eficiência, a segurança jurídica e o desenvolvimento desse mercado.

O BCB dividiu a consulta pública em oito temas principais:

  • Segregação patrimonial e gestão de riscos

O BCB busca entender quais são os mecanismos para a efetiva segregação operacional e jurídica do patrimônio dos clientes em relação ao patrimônio das prestadoras de serviço de ativos virtuais.

Entre outros aspectos, o BCB quer avaliar qual seria o nível adequado de proteção dos recursos dos clientes entregues às prestadoras de serviços de ativos virtuais ainda não direcionados a investimento. Também busca saber se esse nível de proteção poderia ser equiparado ao exigido das entidades do segmento de distribuição de títulos e valores mobiliários.

Além disso, o BCB indaga sobre possibilidade do uso desses ativos virtuais como garantia em outras operações do mesmo cliente e se é possível haver algum tipo de proteção aos investidores, por meio de seguros, fundos garantidores (como o FGC) ou uma cobertura com recursos originados no próprio segmento.

Em relação ao serviço de custódia de ativos virtuais especificamente, o BCB gostaria de entender melhor a posição do mercado sobre a atividade de staking e de eventuais garantias para mitigar o risco de perda parcial ou total dos ativos virtuais decorrentes dessa atividade, caso ela seja regulada pelo BCB.

Assim como outros reguladores, o BCB também demonstra preocupações relacionadas aos riscos de transferências e pagamentos transfronteiriços de ativos virtuais. A autarquia gostaria de entender se há interesse no uso de ativos virtuais para a prática dessas atividades, especialmente quando relacionadas a pagamentos, operações de investimento direto e operações de crédito externo.

  • Atividades desenvolvidas e ativos virtuais negociados

O BCB tenta entender como deve ser feita a regulação das empresas prestadoras de serviço de ativos virtuais e, mais especificamente, se deve haver uma autorização para cada atividade a ser desenvolvida pela empresa ou se uma única autorização seria suficiente para a cumulação de duas ou mais atividades a serem desenvolvidas.

Além disso, o BCB busca entender como deve ser instituída a figura regulatória da VASP e sua vinculação a figuras regulatórias já existentes, mais especificamente, a instituições financeiras e instituições de pagamento.

A autarquia procura ainda entender os riscos e requisitos regulatórios relativos a atividades desempenhadas por entidades específicas, como as custodiantes e emissoras de ativos virtuais.

  • Contratação de serviços essenciais

Em relação à contratação de serviços essenciais, uma das principais preocupações do BCB refere-se à custódia. Sobre esse aspecto, o BCB indaga quais seriam as garantias a serem prestadas por entidades no Brasil, quando a custódia é feita no exterior.

Além disso, o regulador busca entender os procedimentos adequados de identificação e qualificação dos parceiros, colaboradores ou correspondentes para serviços de qualquer natureza, com o objetivo de minimizar riscos envolvidos na contratação de serviços de terceiros.

Os participantes são incentivados a demonstrar ao BCB quais mecanismos, procedimentos e salvaguardas devem ser instituídos em relação à prestação de serviço por terceiros e por entidades estabelecidas no exterior, para, principalmente, garantir a proteção de clientes e usuários.

  • Regras de governança e conduta

O BCB procura entender como elaborar as regras de governança e condutas das prestadoras de serviço de ativos virtuais sobre diversos tópicos, entre os quais:

  • procedimentos para o armazenamento de chaves privadas e registro de ônus e gravames pelas VASPs;
  • referências para formação dos preços dos ativos virtuais em plataformas e exchanges;
  • mecanismos para coibir tentativas de manipulação de mercado e de práticas fraudulentas;
  • fluxo de liquidação e operações de compra e venda de ativos nas VASPs;
  • promoção de liquidez pelas VASPs;
  • clareza das informações sobre as tarifas cobradas;
  • estrutura organizacional mínima para a governança adequada de Vasp; e
  • atendimento às normas de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo (PLD/FT) e monitoramento de operações suspeitas.

Segurança cibernética

O BCB solicita aos participantes do mercado em geral informações sobre requisitos necessários para a manutenção da segurança cibernética no setor e sobre os fatores mitigadores de riscos atrelados ao tema.

  • Prestação de informações e proteção dos clientes

Considerando a proteção dos clientes como um princípio basilar, o BCB quer entender quais são as principais informações a serem prestadas aos clientes para garantir o adequado regime informacional aos usuários desse mercado.

O BCB também se refere à adequação dos instrumentos oferecidos pelas VASPs ao perfil específico de seus clientes e indaga quais elementos podem ser implementados em políticas específicas, dentro dos diversos campos de atuação das prestadoras de serviços de ativos virtuais.

  • Regras de transição

O BCB busca entender a melhor forma de realizar a transição de um setor não regulado para um setor regulado, a fim de dar tempo hábil às prestadoras de serviço de ativos virtuais para que elas se adaptem à futura regulação, considerando os riscos e o porte de cada instituição.

O regulador também quer saber quais dificuldades podem ser antecipadas pelo setor durante essa transição e quais critérios devem ser considerados na regulamentação da regra de transição.

  • Manifestações gerais

Nesse último tópico, o BCB abre espaço para os participantes contribuírem com temas que não são abordados na consulta pública e que deveriam ser considerados pela autarquia na regulamentação do mercado de ativos virtuais.

Consulta fica aberta até 31 de janeiro de 2024

A publicação de consulta pública para tomada de subsídios para elaboração de regulação específica para o mercado de ativos virtuais revela a propensão do BCB ao diálogo e à compreensão do setor ainda emergente na economia.

O teor das perguntas divulgadas pelo BCB mostra os desafios e a complexidade de se regular um setor ainda em constante evolução no Brasil e no mundo. Revela, ao mesmo tempo, a disposição da autarquia em abordar a matéria de forma holística e compreensiva.

A variedade dos temas abordados sugere que o BCB prepara uma regulação abrangente para o mercado dos ativos virtuais, para além do que inicialmente o mercado esperava.

Perguntas específicas sobre câmbio, staking, custódia no exterior, garantias ao investidor, regime informacional, entre outras, demonstram a inclinação do BCB em ir além da simples criação do procedimento de autorização das prestadoras de serviço de ativos virtuais. Essas indagações sugerem a tendência do BCB em abordar os assuntos relacionados de forma proativa e construtiva.

Embora perguntas específicas sobre stablecoins e algumas atividades de Decentralized Finance (DeFi) não tenham sido incluídas na consulta pública, o BCB não se recusará a receber sugestões sobre esses assuntos.

Os interessados podem oferecer contribuições até o dia 31 de janeiro de 2024, por meio do formulário disponível no site do Banco Central do Brasil, na página Sistema de Consulta Pública.