1.   Introdução

 Tendo em vista o avanço da indústria petrolífera nacional para novas fronteiras cada vez mais distantes da costa brasileira, em águas cada vez mais profundas, sobretudo respaldada pelo desenvolvimento de novas tecnologias e otimização de custos, torna-se relevante voltar a atenção para os possíveis limites impostos a essa expansão, que podem criar barreiras legais onde as barreiras físicas se tornam cada vez menos impeditivas.

Para melhor entender essas tendências opostas, este trabalho se inicia com um panorama geral das diferentes zonas marítimas (Mar Territorial, Zona Econômica Exclusiva, Plataforma Continental e Alto Mar) e o regime jurídico aplicável a cada uma destas zonas pela legislação pátria e pelas convenções internacionais (sendo a mais relevante dentre elas a Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar (UNCLOS, do inglês United Nations Convention on the Law of the Sea), ratificada pelo Brasil em 1987, tendo entrado em vigor em 1995).

Posteriormente, será abordada como a atividade de exploração, entendida como pesquisa científica, para os fins de produção de hidrocarbonetos (i.e., aquisição de dados sísmicos) é regulada em cada uma das áreas do mar e os principais desafios legais para a expansão dessas atividades para novas fronteiras, situadas além dos atuais limites da plataforma continental brasileira. O foco do presente trabalho não envolve os estágios exploratórios mais avançados, como as atividades de construção de instalações no leito oceânico, perfuração do leito oceânico e produção de hidrocarbonetos, cujo regime jurídico difere do regime jurídico atribuído à pesquisa científica. No entanto, considerando que a pesquisa é o primeiro passo apto a viabilizar a expansão de novas fronteiras exploratórias e de produção, entende-se justificada a relevância desta análise.

Por fim, será feita referência também ao pleito brasileiro apresentado à Commission on the Limits of the Continental Shelf, criada através da UNCLOS, para a extensão da plataforma continental brasileira, tendo por parâmetros os requisitos técnicos impostos naquela Convenção.

2.   Definições

 Mar Territorial

 

De acordo com o artigo 2º da UNCLOS, reproduzido pelo artigo 1º da Lei nº 8.617, de 4 de janeiro de 1993, o conceito de Mar Territorial compreende a faixa de mar que se estende da linha de base até uma distância de 12 milhas marítimas da costa do Estado soberano.

A soberania do Estado costeiro sobre o Mar Territorial engloba o espaço aéreo sobrejacente, o leito e o subsolo do mar. Esta soberania é limitada pelo direito de passagem inocente de embarcações de outros Estados, sobre as quais o Estado costeiro não pode exercer a jurisdição civil ou dificultar a passagem pacífica3.

Tendo em vista que o Mar Territorial é considerado uma extensão do território nacional, o Estado costeiro goza, sobre essa zona marítima, de soberania absoluta. Nesse sentido, as atividades de exploração e produção de hidrocarbonetos no Mar Territorial são reguladas pela legislação específica do Estado costeiro. No caso do Brasil, estas atividades são reguladas pela Constituição Federal, Leis Federais (e.g.: Lei 9.478 de 1997, que regulamenta as atividades relativas à exploração e produção de petróleo e Lei 12.351 de 2010, que dispõe sobre a exploração e produção de petróleo e gás sob o regime de partilha, nas áreas do pré-sal) e pela regulamentação infralegal de órgãos regulatórios competentes (e.g.: IBAMA e ANP).

2.2.  Zona Econômica Exclusiva

 O conceito de zona econômica exclusiva (ZEE) é criado pelo artigo 55 da UNCLOS, que a define como uma área além do Mar Territorial e a este adjacente, sujeita ao regime legal específico definido pela Convenção. A extensão máxima da ZEE brasileira é de 188 milhas marítimas a contar do limite exterior do Mar Territorial, ou 200 milhas náuticas, a contar da linha de base deste (definida conforme Decreto nº 8.400 de 4 de fevereiro de 2015.

O regime jurídico atribuído à ZEE é essencialmente focado na proteção de interesses econômicos detidos pelos Estados costeiros em relação aos recursos naturais presentes nessa zona marítima. Nesse sentido, a UNCLOS estipula em seu artigo 56 que, na ZEE, o Estado costeiro goza de direitos soberanos (“Sovereign rigths”)4 para a exploração, conservação e gestão de recursos naturais vivos e não vivos, localizados na coluna d’água sobrejacente ao leito do oceano, no leito do oceano e no subsolo, além de jurisdição em relação ao estabelecimento e uso de instalações artificiais, à pesquisa científica marítima e à proteção e preservação do meio ambiente marinho.

Os demais Estados gozam, na ZEE de outro Estado, dos direitos de sobrevoo, navegação, colocação de cabos e dutos submarinos, e outros usos internacionlmente reconhecidos e relacionados a tais liberdades, não podendo tais direitos ser violados pelo Estado costeiro, nos termos do artigo 58, UNCLOS. Portanto, tendo em vista o equilíbrio e coexistência de direitos atribuídos tanto aos Estados costeiros quanto aos demais Estados, fica claro quea ZEE não se classifica como território daquele (na concepção clássica de território) mas como uma área sui generis, na qual o Estado costeiro possui um certo grau de jurisdição, mas não soberania plena e absoluta. Por esse motivo a doutrina entende, de modo unânime, que, em matéria de exploração econômica, os direitos de soberania na ZEE estão na mesma hierarquia e não se distinguem dos direitos de exploração econômica no Mar Territorial5. Isso equivale a dizer que a soberania do Estado na ZEE deve ter propósito finalístico, sendo restrita ao aproveitamento econômico, à preservação dos recursos locais e do meio ambiente e à investigação científica. Além dos direitos e deveres supracitados, o Estado costeiro tem a obrigação de promover os meios de sinalização adequados para garantir a segurança da navegação na ZEE, o que inclui a notificação da presença de instalações na área, a remoção de estruturas abandonadas ou inutilizadas, o estabelecimento dezonas de segurança, dentre outros (conforme artigo 60, 3 da UNCLOS).

2.3.  Plataforma Continental

 A plataforma continental é formada pelo “leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em toda a extensão do prolongamento natural do seu território terrestre, até ao bordo exterior da margem continental, ou até uma distância de 200 milhas marítimas das linhas de base a partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da margem continental não atinja essa distância” (artigo 76 da UNCLOS). Em grande maioria dos casos, o limite externo da Plataforma Continental coincide com o limite da ZEE (correspondendo ao leito e subsolo da área do mar pertencente à ZEE). No entanto, há situações em que a borda exterior da Plataforma Continental pode estar mais distante que a da ZEE. Apesar de ambas estas zonas marítimas serem correlacionadas em muitas ocasiões, a verdade é que a Plataforma Continental apenas abrange o leito e subsolo das áreas marítimas sob as quais se estende, enquanto a ZEE, além de incluir ambos, também compreende a coluna de água sobrejacente.

Ressalta-se que o conceito jurídico de Plataforma Continental, dado pelo artigo 76 da UNCLOS, não se confunde com o conceito científico desta, definido como área iniciada na linha de costa, estendendo-se com uma leve declinação até o talude continental (ponto onde tal decline é significantemente acentuado), que pode variar dependendo das condições geológicas do terreno. Geologicamente, a Plataforma Continental sempre existiu, mas seu conceito jurídico foi criado pela UNCLOS, sendo que ambos não possuem correspondência estrita.

Os direitos de soberania na Plataforma Continental, em regra, estão sujeitos às mesmas restrições atinentes à ZEE. Nos termos do artigo 77 da UNCLOS, assim como na ZEE, o Estado costeiro goza de direitos soberanos para a exploração de recursos naturais, vivos ou não vivos sobre o leito e subsolo marítimos, os quais só podem ser explorados por outros Estados com o consentimento do Estado costeiro.

Os direitos atribuídos à Plataforma Continental, por outro lado, podem ser considerados de maior amplitude, uma vez que nesta há previsão específica de exclusividade (UNCLOS, artigo 77 (2)), o que implica no fato de que, caso não explorados pelo Estado costeiro, tais recursos não poderão ser explorados por outros Estados a esse pretexto. Isso difere da ZEE na medida em que, de acordo com os artigos 69 e 70 da UNCLOS, os Estados sem litoral e Estados geograficamente desfavorecidos deverão ter direitos de aproveitamento dos recursos existentes na ZEE, de acordo com os termos, requisitos e critérios impostos para tanto.

2.4.  Alto Mar e “Área”

 O Alto Mar é definido pela UNCLOS, no artigo 88, por exclusão, como a parte dos oceanos – compreendendo apenas a coluna d’água6 - que não pertence à jurisdição de qualquer Estado, incluindo toda a área não identificada como ZEE, Mar Territorial ou águas interiores de um Estado. O leito e o subsolo das áreas que se estendem além dos limites das jurisdições dos Estados, por outro lado, formam um conceito jurídico diverso, conhecido como “Área”, em relação ao qual há extensa normativa estipulada pela UNCLOS, em sua Parte XI, cujo regime jurídico para exploração de recursos naturais deve promover benefícios comuns à humanidade.

O Alto Mar, portanto, é efetivamente aberto a toda a comunidade internacional, podendo qualquer um dele fazer uso, contanto que em observância às regras de direito internacional e para propósitos pacíficos, sendo vedado reivindicar ou estabelecer soberania sobre tal área (tanto para Estados como para pessoas físicas e jurídicas). No Alto Mar, todos os Estados gozam de liberdade de navegação, sobrevoo, colocação de cabos e dutos submarinos, construção de instalações artificiais (ressalvado o regime jurídico aplicável à Plataforma Continental, quando aquela se estende além da ZEE) e pesquisa científica.

Os recursos naturais localizados na Área, por outro lado, pertencem à humanidade em geral e podem ser explorados pelos Estados mediante o controle da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (“Autoridade”), autoridade criada pela UNCLOS e formada pelos Estados integrantes desta para gerenciar os recursos e atividades na Área.

A liberdade de construção de instalações artificiais em Alto Mar não gera, para um determinado Estado que proceda a tal construção, qualquer direito de soberania sobre a área da construção. Neste sentido, o Estado que pretende construir instalações em Alto Mar deve certificar que tais instalações não interfiram com a pesca, navegação, conservação de recursos vivos, pesquisa científica e colocação de cabos e dutos submarinos por parte dos demais Estados (conforme artigos 87-1, 112, 116 e 117). Significa dizer que o exercício de direitos relativos ao Alto Mar por um Estado deve ser pautado pelo respeito ao exercício de tais direitos por todos os demais Estados, que não podem cometer abusos nesse sentido.

Os Estados que pretendem explorar recursos não vivos na Área devem realizar pagamentos ou contribuições em espécie à Autoridade, que distribuirá os valores arrecadados entre os Estados parte da UNCLOS, em base equitativa, considerando interesses e necessidades específicos de países em desenvolvimento, em particular os menos desenvolvidos e sem litoral. Observa-se que, de acordo com o artigo 82(2) da UNCLOS, um Estado em desenvolvimento que seja importador substancial de um recurso mineral extraído de sua Plataforma Continental fica isento dos pagamentos e contribuições relativos a este recurso mineral.

3.   Especificidades da Pesquisa Científica Marítima

 A atividade de exploração para aquisição de dados sísmicos e geofísicos, relacionada a indústria de exploração e produção de hidrocarbonetos (“E&P”), possui algumas especificidades no que diz respeito aos termos da UNCLOS. Esta atividade se encaixa no conceito de “pesquisa científica marinha”, presente na Convenção, o qual não é expressamente definido pela UNCLOS. De acordo com a doutrina, pode ser definido como “qualquer estudo ou trabalho experimental relacionado, destinado a aumentar o conhecimento do homem sobre o ambiente marinho”7. Deste modo, as embarcações que realizam a aquisição de dados sísmicos e geofísicos são consideradas pela Convenção (assim como pela legislação nacional) como embarcações de pesquisa.

A UNCLOS trata da pesquisa científica marinha em sua Parte XIII, atribuindo o direito de realização a qualquer Estado, contanto que de acordo com os métodos e padrões estabelecidos pela UNCLOS e com fins pacíficos.

Os Estados costeiros têm o direito de regulamentar, autorizar e conduzir atividades de pesquisa científica marítima em suas respectivas áreas de Mar Territorial, ZEE e Plataforma Continental, sendo a prática destas atividades de pesquisa por quaisquer terceiros condicionadas ao consentimento dos Estados costeiros. No Mar Territorial, o Estado costeiro goza de plena soberania, nos termos do artigo 33 da UNCLOS, e, portanto, tem total liberdade de regulamentação do exercício de tais atividades sobre essa zona. O regime relativo à ZEE e à Plataforma Continental, porém, difere daquele, na medida em que os direitos gozados sobre tais zonas marítimas não chegam ao status de soberania.

De acordo com o artigo 246 da UNCLOS, os Estados costeiros podem negar discricionariamente o consentimento para a realização de atividades de pesquisa na ZEE e na Plataforma Continental, caso as mesmas tenham por finalidade ou possam de alguma forma ter como propósito final a exploração de recursos naturais para a geração de benefício econômico – o que é conhecido como “pesquisa científica aplicada”, e na qual se enquadram as atividades da indústria de E&P. No mesmo sentido, caso a pesquisa envolva a perfuração da Plataforma Continental, o Estado costeiro pode negar discricionariamente o consentimento para a realização de tal atividade. Se a pesquisa científica tiver por finalidade apenas geração e aprofundamento de conhecimento, sem propósito comercial ou econômico, existe um dever geral de o Estado costeiro consentir com a realização da pesquisa, ficando autorizado a negá-lo apenas de forma razoável.

Observe-se que ao mencionar “discricionariedade” quanto ao consentimento para a realização de pesquisa científica marítima aplicada, a UNCLOS estabelece que o Estado costeiro tem liberdade para autorizar ou não um projeto de pesquisa ao seu exclusivo cirtério e de acordo com o que entender mais favorável ao seu interesse público. No entanto, convém ressaltar que tal discricionariedade possui limites, devendo estar presentes fundamentos de fato e direito na respectiva decisão, não podendo esta ser arbitrária8.

Em contrapartida, a execução de atividades de pesquisa científica marítima no Alto Mar (incluindo a exploração de hidrocarbonetos por aquisição de dados) não requer qualquer autorização, podendo ser realizada por qualquer entidade, desde que de acordo com as regras de segurança e fins pacíficos impostos pela UNCLOS.

Nota-se, portanto, que o regime jurídico para atividades de pesquisa será diferente caso tais atividades sejam conduzidas no Alto Mar ou na Plataforma Continental. Enquanto no Alto Mar prevalece a liberdade, na Plataforma Continental existe a necessidade de autorização do Estado costeiro, que poderá ser discricionária, quando se tratar de pesquisa científica aplicada. Esse regime diferenciado pode gerar desafios em situações em que a Plataforma Continental e a ZEE não tenham as mesmas extensões, já que, em situações como esta, o leito e o subsolo marítimos estarão sujeitos ao regime jurídico da Plataforma Continental, enquanto a coluna d’água sobrejacente estará sujeita ao regime jurídico do Alto Mar.

Se é certo que esse cenário ainda não é vislumbrado no Brasil, é fato que num futuro não tão distante ele pode se tornar uma realidade, tendo em vista que o país apresentou pleito para a ampliação de sua Plataforma Continental, conforme adiante explicado.

4.   Proposta de Ampliação da Plataforma Continental

 O artigo 76, parágrafo, 8 da UNCLOS determina que informações sobre os limites da Plataforma Continental devem ser enviadas pelo Estado costeiro à Comissão de Limites da Plataforma Continental (“CLCS”), que fará recomendações relacionadas aos limites propostos e identificados.

Em 17 de maio de 2004, após 17 anos de estudos, o Brasil enviou sua proposta de limitação da Plataforma Continental à CLCS, pleiteando o reconhecimento pela autoridade da área da Plataforma Continental brasileira, que seria correspondente à prolongação natural de seu território terrestre, a qual é superior a 200 milhas marítimas, equivalendo à cerca de 960.000 km² adicionais à atual definição de sua Plataforma Continental. De acordo com a divisão proposta, a margem continental para Plataforma Continental brasileira seria dividida em 3 áreas distintas: (i) margem continental equatorial, margem continental oriental e margem continental meridional9.

Em 2007, a CLCS publicou parecer em resposta ao pleito brasileiro apontando problemas para a incorporação de cerca de 20% da área total reivindicada pelo Brasil, correspondentes às seguintes regiões: (i) Foz do Amazonas e Cadeia Norte-Brasileira; (ii) Cadeia Vitória-Trindade; e (iii) Margem Continental Sul10.

Em 10 de abril de 2015 e 08 de setembro de 2017, o Brasil submeteu novos pedidos de revisão parcial da limitação da Plataforma Continental brasileira, especificamente em relação à parte da Plataforma Continental iniciada na margem continental equatorial, os quais ainda estão pendentes de análise pela CLCS.11

5 – Mudança de Regime

 Com o pedido de extensão da Plataforma Continental brasileira sob análise perante a CLCS, surgem preocupações relacionadas aos direitos de exploração das novas áreas que serão incluídas na Plataforma Continental como decorrência da expansão.

No caso de deferimento do pleito de extensão da Plataforma Continental brasileira pela CLCS, parte do leito e subsolo do oceano adjacente aos limites atuais da Plataforma Continental se tornaria parte desta, sendo submetida às regras e regulamentações referentes à mesma. Deste modo, quaisquer atividades de exploração e produção de hidrocarbonetos a serem realizadas na área recém expandida da Plataforma Continental deveriam obedecer às regras da UNCLOS referentes à Plataforma Continental. Equivale a dizer, portanto, que o exercício de tais atividades deixaria de gozar de plena liberdade e estaria submetido à autorização do Estado costeiro quando conduzidas na Plataforma Continental. Por outro lado, as atividades de pesquisa a ser realizadas no Alto Mar permaneceriam usufruindo da liberdade atribuída pela UNCLOS a essa zona marítima.

Observa-se, portanto, que a primeira dificuldade que a ampliação da Plataforma Continental brasileira poderia gerar, do ponto de vista prático, diz respeito à determinação dos efeitos ou das áreas em que as pesquisas serão conduzidas, e debates de caráter técnico podem surgir no que diz respeito aos equipamentos, métodos ou formas de interferências que tais atividades podem causar no oceano. O que se poderia argumentar, por exemplo, é que a condução de pesquisa científica por embarcações navegando no Alto Mar, sem que qualquer perfuração ou efetiva construção no leito do oceano, estaria, na realidade, abarcada pela liberdade inerente ao Alto Mar, e não pelas restrições atinentes à Plataforma Continental. Ainda nessa linha de raciocínio, a autorização do Estado costeiro, derivada do regime jurídico da Plataforma Continental, apenas seria necessária caso a respectiva atividade de pesquisa envolvesse efetiva interferência no leito ou subsolo marítimos. Tal discussão poderia gerar incertezas e ter relevantes repercussões práticas: basta pensar que atividades envolvendo multibeam (tecnologia de sonar utilizado para mapeamento do leito oceânico12) não estariam sujeitas a autorização do Estado costeiro, enquanto atividades de coring (retirada de amostragem de solo do leito oceânico para análise13) estariam.

Outras dificuldades de caráter jurídico também seriam enfrentadas, sobretudo no que diz respeito à transição de regimes jurídicos para as áreas em relação às quais a liberdade do Alto Mar será forçosamente substituída pela jurisdição do Estado. Tal transição poderia afetar agentes engajados, no momento da formalização da ampliação da Plataforma Continental, nas atividades de pesquisa marítima em áreas que, até então, seriam consideradas pura e simplesmente Alto Mar. Dúvidas quanto à possibilidade de continuação de tais atividades surgiriam naturalmente.

Tendo em vista que o sistema jurídico brasileiro, com base na Constituição Federal, confere proteção aos direitos adquiridos anteriormente a qualquer mudança de lei, seria razoável supor que as atividades então conduzidas poderiam ser continuadas, independentemente de quaisquer regras incidentes na Plataforma Continental que não se aplicariam em Alto Mar e/ou na Área. No entanto, para se evitar qualquer incerteza e necessidade de debates jurídicos sobre tal modificação, seria imprescindível o estabelecimento de um período de transição, com regras transitórias, capaz de assegurar os direitos dos exploradores, proteger os interesses do país e fomentar a atividade exploratória na nova fronteira criada.

7. Agradecimentos

 Gostaríamos de agradecer ao escritório Machado Meyer, por ser a fonte dos desafios diários que provocam reflexões sobre temas atuais e relevantes para a indústria nacional.

8. Citações e Bibliografia

BRASIL. Lei nº 8.617, de 4 de janeiro de 1993. Dispõe sobre o Mar Territorial, a zona contígua, a zona econômica exclusiva e a Plataforma Continental brasileiros, e dá outras providências.

          . Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997. Dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo e dá outras providências.

         . Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010. Dispõe sobre a exploração e a produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos, sob o regime de partilha de produção, em áreas do pré-sal e em áreas estratégicas; cria o Fundo Social - FS e dispõe sobre sua estrutura e fontes de recursos; altera dispositivos da Lei no 9.478, de 6 de agosto de 1997; e dá outras providências.

          . Decreto nº 8.400 de 4 de fevereiro de 2015.

Estabelece os pontos apropriados para o traçado da Linha de Base do Brasil ao longo da costa brasileira continental e insular e dá outras providências..

UNITED NATIONS. United Nations Convention on the Law of The Sea. 1982.

PAIM, Maria Augusta. O Petróleo no Mar: o Regime das Plataformas Marítimas Petrolíferas no Direito Internacional

– Rio de Janeiro: Renovar, 2011 – p. 249.

MARTINS, Eliane Cristina Carvalho. Curso de Direito Marítimo, volume III: contratos e processos. Baurueri, SP: Manole, 2015

SOONS, Alfred H.A. Marine Scientific Research and the Law of the Sea: Law and Legislation. Haia, Holanda: Kluwer Law Publishers

1 Advogada, LL.M. em direito marítimo internacional – Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados

2 Advogado – Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados

3 UNCLOS - Artigos 2º e 17º.

4 É importante ressaltar que a escolha do termo utilizado na redação da Convenção foi cuidadosamente pensado, a fim de se evitar utilizar o conceito de soberania, que era atribuído apenas ao Mar Territorial e cujo conteúdo e extensão não se buscava estender além daquela zona. Por outro lado, a ideia de proteção dos recursos naturais e barreiras à exploração por outros Estados levou à utilização de um conceito de “direito soberano” cujo conteúdo é estritamente relacionado aos interesses e potenciais econômicos relativos à ZEE.

5 MARTINS, Eliane Cristina Carvalho. Curso de Direito Marítimo, volume III: contratos e processos. Baurueri, SP: Manole, 2015 – p. 55

6 Essa interpretação resulta da leitura conjunta dos artigos 86 e 1 (i) da UNCLOS.

7 PAIM, Maria Augusta. O Petróleo no Mar: o Regime das Plataformas Marítimas Petrolíferas no Direito Internacional

– Rio de Janeiro: Renovar, 2011 – p. 249. Apud SOONS, Alfred H.A. Marine Scientific Research and the Law of the Sea: Law and Legislation. Haia, Holanda: Kluwer Law Publishers, 1982, p.6.

8 PAIM, Maria Augusta. O Petróleo no Mar: o Regime das Plataformas Marítimas Petrolíferas no Direito Internacional – Rio de Janeiro: Renovar, 2011 – p. 249.

http://www.un.org/depts/los/clcs_new/commission_submissions.htm

10 https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N07/322/77/PDF/N0732277.pdf?OpenElement

11 https://daccess-ods.un.org/TMP/1800285.27975082.html

12 https://www.ngdc.noaa.gov/mgg/bathymetry/multibeam.html

13 https://www.slb.com/news/inside_news/2015/2015_0612_defining_coring.aspx

 (Instituto Brasileiro de Petróleo - 27.09.2020)