As discussões sobre o desenvolvimento sustentável da Amazônia estãoganhando força este ano. Na esteira do enfrentamento à urgência climática,que passa necessariamente pela preservação da floresta, especialistas dizem que há uma janela de oportunidade de investimentos na região pelospróximos dois ou três anos. O estrangeiro voltou a olhar para o tema desdeque o atual governo reativou o Fundo Amazônia, composto por recursosinternacionais para financiar medidas de proteção e fiscalização do território.Recentemente, os Estados Unidos anunciaram que pretendem doar 2,5bilhões de reais ao fundo. A pauta climática ganhou ainda mais atenção dopoder público. Tornou-se assunto da alçada de 19 ministérios e do BancoNacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

“A gente precisa surfar essa onda em que o mundo voltou a olhar para oBrasil”, afirma Renata Piazzon, diretora-executiva do Instituto Arapyaú,organização sem fins lucrativos que atua no desenvolvimento da Amazônia.Segundo ela, o contexto traz oportunidades de destravar recursos do setorprivado e financeiro para a região, para além da filantropia. Renata também faz parte do novo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável (CDESS), o “Conselhão” da presidência da República. E acreditaque a pauta da Amazônia não pode ser estritamente ambiental. Ao contrário,precisa ter um viés social e econômico.

“Em 2012, quando foram registrados os menores índices de desmatamento da Amazônia, a região não conseguiu gerar desenvolvimento”, lembrou Renata, durante discussão sobre o tema no canal ESG da Conexão Capital.Segundo ela, é essencial entender as demandas de quem vive na região paraestruturar projetos. “Das cinco mil comunidades da Amazônia Legal, só umapossui internet de qualidade. E isso é essencial para que essas pessoaspermaneçam e protejam o território, com acesso a ensino à distância etelemedicina, por exemplo”, complementa Renata.


Ecossistema de irregularidades


A Amazônia Legal pode ser dividida em 28 mesorregiões, com característicasespecíficas que precisam ser consideradas por investidores eempreendedores com a intenção de atuar na região. Tão vasto quanto afloresta e as diferentes bioeconomias que podem ser desenvolvidas é o
ecossistema de irregularidades, que vão da extração ilegal de madeira egrilagem a outras atividades ilícitas, envolvendo crimes tributários e financeiros.


“O desafio é melhorar o acesso e o monitoramento de informações sobre aregião, para que as oportunidades de investimento sejam vistas com maisclareza. E isso também vale para investimentos que já estão sendo feitos”,afirma Andreia Azevedo, diretora do Instituto Igarapé, que também participoudo evento.

Andreia ressalta que o Brasil é pioneiro em diversas estruturas legais,indutoras de boas práticas, com potencial para alçar o Brasil ao posto demaior player da economia verde. A Lei de Pagamentos por ServiçosAmbientais (PSA) ainda carece de uma regulamentação federal, mas já é umarcabouço para projetos estaduais. A Cédula do Produtor Rural (CPR) Verde eo próprio mercado de crédito carbono são outros exemplos de instrumentoscom potencial de dar acesso a investidores privados na Amazônia.

“Políticas que não só combatem a ilegalidade mas também trazem benefícios para quem preserva são fundamentais para o desenvolvimento daregião e para que o setor privado queira investir no território”, diz Renata.Esses veículos, entretanto, não estão totalmente blindados da insegurança jurídica e da assimetria de informação. O poder público precisa fazer suaparte com uma agenda eficaz de comando e controle, além de enfrentar os diversos gargalos da fiscalização limitada em um país de dimensões continentais. O papel da iniciativa privada, nesse contexto, tem ganhado cadavez mais importância. Bancos já têm utilizado tecnologia de mapeamento via satélite para análise de concessão de crédito de risco socio ambiental.

“É necessário haver foco em comando e controle, para combate das práticas ilegais, mas de uma forma que não afaste o investidor”, diz Eduardo Ferreira,sócio da área ambiental do Machado Meyer Advogados. De uma maneira oude outra, a questão é urgente. Novas regulações da União Europeia estãoexigindo um nível de rastreabilidade e transparência que o mercado brasileiro ainda não oferece.

A conclusão é a de que o desenvolvimento da Amazônia precisa virar uma política de Estado, e não de governo. Assim, os projetos da iniciativa privadaficam menos expostos à falta de previsibilidade relacionada a futuros mandatos presidenciais. “É preciso tirar a pauta da polarização política etorná-la uma pauta de desenvolvimento”, conclui Renata. A urgênciaclimática — ela, sim, implacável — exige esse lugar.

(Capital Aberto - 02.05.2023)