Passada a euforia com o resultado da 5ª Rodada de Concessões Aeroportuárias, uma análise dos resultados obtidos revela um amadurecimento do modelo de concessões adotado pelo governo federal. Escolhas feitas no passado, contudo, ainda representam desafios para os mais diferentes players do setor, tanto no âmbito público quanto no privado. A proposta de enquadrar 22 concessões de aeroportos como prioritárias no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) cria expectativas para o próximo ano.

Exatamente para debater as diferentes visões sobre as concessões aeroportuárias, lições aprendidas, desafios e novas oportunidades, o Machado Meyer sediou em 14 de maio a reunião da Comissão de Infraestrutura do Ibrademp (Instituto Brasileiro de Direito Empresarial). Participaram da discussão os especialistas no setor Marcelo Allain, economista, sócio do BR Infra Group e ex-integrante da Secretaria do PPI federal, e David Goldberg, engenheiro e sócio da Terrafirma, sob a mediação do coordenador da comissão, José Virgílio Enei.

As discussões tiveram como ponto de partida o sucesso da 5ª Rodada de Concessões, realizada em março e marcada por ágios exponenciais, leilões bastante disputados e a participação de operadores de nível global. A remoção de restrição à participação de grupos já beneficiados por outras concessões aeroportuárias mostrou-se acertada, não prejudicando a competitividade, tampouco o êxito de novos entrantes como a espanhola Aena e a brasileira Socicam.

O modelo da concessão em bloco, combinando aeroportos mais rentáveis com outros de menor valor (“filé com osso”), também se mostrou uma alternativa viável para não sobrecarregar a Infraero apenas com aeroportos deficitários, o que abre espaço para sua possível liquidação após a privatização de todos os aeroportos por ela administrados.

Discutiu-se também o erro estratégico (e ideológico) de manter a Infraero com uma participação minoritária (49%) nos aeroportos da 2ª e 3ª rodadas (Guarulhos, Viracopos e Brasília; Confins e Galeão). Inicialmente, o governo deixou dinheiro na mesa no leilão, ao vender participação de apenas 51% nos aeroportos no auge do otimismo de mercado. Acabou sendo penalizado depois mais uma vez, pois a Infraero se viu obrigada a arcar com os investimentos necessários e com os prejuízos decorrentes de uma demanda real muito inferior à originalmente projetada. Diante do baixo retorno desses aeroportos e dos limitados direitos de governança reconhecidos à Infraero nas concessionárias, há incerteza sobre o valor que ela poderia obter com a venda dessas participações.

Em razão das condições financeiras precárias desses primeiros aeroportos, fica evidente a dificuldade de efetivar a devolução consensual. Embora a Lei nº 13.348/2016 tenha dado autorização legal para tanto, a falta de regulamentação, sobretudo quanto aos critérios de indenização pelos investimentos não amortizados ao concessionário que devolva o ativo, agrava o cenário de incerteza. A preocupação do poder concedente parece ser com o fato de que, se de um lado o critério contábil se mostra mais adequado (e coerente com a letra da lei) – em oposição, por exemplo, ao valor de reposição do ativo ou de mercado –, contratos de construção realizados com partes relacionadas ou superdimensionados podem suscitar discussões, especialmente com os órgãos de controle.

Alguns fatores ajudam a explicar as dificuldades enfrentadas pelos aeroportos concedidos nas três primeiras rodadas. Um deles seria a frustração de demanda, decorrente da maior crise econômica já vivida pelo Brasil. Porém, esse fato não tem sido reconhecido em âmbito administrativo como força maior e, portanto, não tem ensejado qualquer reequilíbrio econômico-financeiro.

Além disso, os expressivos ágios oferecidos naquelas rodadas foram traduzidos em pagamentos de outorgas fixas anuais, aumentando o risco de insolvência e pressão sobre o caixa das concessionárias. Esse risco foi mitigado nas rodadas mais recentes, seja porque os ágios mais expressivos devem ser pagos na partida da concessão (onerando em menor medida o fluxo de caixa futuro, sobretudo se custeados com equity), seja porque as concessionárias contam agora com um período de carência para iniciar o pagamento das parcelas anuais de outorga.

Apontou-se também a rigidez contratual das primeiras rodadas, em que foram exigidos investimentos ao longo da concessão, independentemente da materialização da demanda estimada. Esse problema foi mais uma vez corrigido nas últimas rodadas, que condicionaram as obrigações de investimentos a certos gatilhos de demanda, a exemplo do que já ocorria em concessões rodoviárias.

Outros fatores deterioraram mais acentuadamente a economicidade de alguns dos primeiros aeroportos concedidos. A concessionária de Viracopos, por exemplo, apostou em um modelo de negócio, o transporte de cargas, que não se concretizou. Com o desenvolvimento de novos modelos de aeronaves de passageiros com capacidade de abrigar maior volume de cargas, outros aeroportos acabaram por conquistar uma fatia desse mercado.

O Aeroporto do Galeão foi impactado ainda mais intensamente em razão da crise do Rio de Janeiro e da frustração da demanda, que ficou muito abaixo da média nacional. Por fim, o Aeroporto de São Gonçalo do Amarante (1ª rodada) sofreu pela falta de obras de acesso que estavam a cargo do governo do estado do Rio Grande do Norte.

Em uma análise do que o setor deve esperar em termos de novos projetos, foi apresentado no evento um cenário com base nos cerca de 600 aeroportos públicos do Brasil, 10% dos quais apenas estão sob controle federal, embora concentrem 95% dos passageiros. Pouquíssimos aeroportos regionais (de estados ou municípios) seriam passíveis de concessão ou privatização sem subsídios ou contraprestações públicas, como no modelo de parceria público-privada (PPP). Mesmo os teoricamente autossustentáveis poderiam ser concedidos a um perfil de investidor bem diferente dos operadores internacionais interessados nos aeroportos federais.

Sobre a 6ª Rodada de Concessões, anunciada pelo governo federal para 2020, já se sabe que o modelo de blocos será mantido. Serão licitadas 22 concessões de aeroportos, estruturadas em três blocos: Sul, Norte e Central. Pelo perfil dos ativos, é difícil antever se o resultado dessa rodada repetirá os elevados lances da anterior.

Os terminais de Congonhas e Santos Dumont acabaram sendo incluídos apenas na 7ª e última rodada de concessões. A estratégia de manter as joias da coroa para o final teria sido estruturada como forma de compensar os investidores por aeroportos federais menos atrativos, na lógica de subsídio cruzado dos blocos.

Com o passar dos anos, a sensação que fica, portanto, é de que a modelagem das concessões dos aeroportos vem evoluindo com base nos acertos e erros verificados em experiências passadas. O saldo é positivo e os desafios a serem enfrentados não são poucos.