Aprovado na Câmara dos Deputados no dia 22 de novembro, após rejeição em plenário de um substitutivo proposto pelo Senado Federal, segue para sanção presidencial o Projeto de Lei 3.401/08 (PL 3.401/08), que trata de procedimento para declaração judicial de desconsideração da personalidade jurídica e de decisões ou atos judiciais de quaisquer dos órgãos do Poder Judiciário que imputarem responsabilidade direta pelas obrigações da pessoa jurídica, em caráter solidário ou subsidiário, a membros, instituidores, sócios ou administradores.

Apesar de algum alarde feito em torno do projeto de lei, a norma proposta (de caráter, acima de tudo, processual) trata de um tema já abordado em outros dispositivos legais e deverá coexistir com as disposições atualmente previstas no novo Código de Processo Civil (CPC/15) sobre incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

Alguns questionamentos, inevitavelmente, pairam sobre a norma proposta, principalmente quanto às eventuais mudanças do regime jurídico aplicável à matéria e como se dará a conciliação entre as duas leis, diante de potenciais e aparentes conflitos entre ambas (o que, em suma, causaria insegurança jurídica).

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica é uma inovação do CPC/15, já que não existia instituto equivalente no código de processo civil anterior (CPC/73). Ele consiste, em linhas gerais, em uma modalidade de intervenção de terceiros, instaurada incidentalmente a pedido da parte interessada ou do Ministério Público (quando lhe cabe intervir no processo).

O objetivo é desconsiderar a personalidade jurídica da entidade e, assim, responsabilizar pessoalmente o seu sócio ou administrador, desde que observados os pressupostos materiais definidos na respectiva lei que o autoriza – o procedimento também é aplicável às hipóteses de desconsideração inversa.

O pedido de desconsideração da personalidade jurídica deve, necessariamente, comprovar o preenchimento de alguma das diversas hipóteses materiais que autorizam a aplicação do instituto, para que o juiz cite quem deverá se defender no incidente (o que é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução de título executivo extrajudicial).

Uma vez instaurado o incidente e suspenso o processo original, aqueles que serão potencialmente atingidos pela desconsideração da personalidade jurídica serão citados e deverão se manifestar e requerer para posterior decisão pelo juízo competente. Ou seja, em essência, a norma estabelecida pelo CPC/15 se norteia pelo princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório, previsto na Constituição Federal.

Por outro lado, como a própria data de sua propositura indica (2008), o PL 3.401/08 remete a um período em que ainda vigorava o CPC/73. Talvez por esse motivo a justificativa desse projeto aponte para a necessidade de se criar um procedimento judicial no Brasil capaz de assegurar o “prévio exercício do contraditório e a ampla defesa” para a desconsideração da personalidade jurídica.

De acordo com o seu autor, o ex-deputado Bruno Araújo, o principal motivador do projeto foi a necessidade de instituir um rito procedimental “aplicável a toda e qualquer situação em que seja necessário ‘levantar o véu’ da pessoa jurídica, de modo a trazer segurança e estabilidade às relações jurídicas empresariais”. Assim, seria possível evitar eventuais aplicações despropositadas da disregard doctrine prevista no Código Civil.

Ocorre que, durante a tramitação do projeto de lei, foi publicado o CPC/15, que trata expressamente do tema e traz procedimento judicial específico para a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

O texto aprovado do PL 3.401/08, de fato, reproduz a obrigação de se instalar o contraditório e garantir o exercício da ampla defesa dos requeridos, replicando disposições processuais gerais do CPC/15 aplicáveis ao atual incidente de desconsideração da personalidade jurídica. O projeto, porém, inova, principalmente, ao:

  • estender as disposições da norma a todas as decisões ou atos judiciais de quaisquer dos órgãos do Judiciário que imputarem responsabilidade direta, em caráter solidário ou subsidiário, a membros, instituidores, sócios ou administradores;
  • estabelecer a necessidade de o juiz ouvir o representante do Ministério Público antes de decretar a desconsideração;
  • facultar à pessoa jurídica a oportunidade de satisfazer a obrigação, em dinheiro, ou indicar os meios pelos quais a execução possa ser assegurada; e
  • indicar, expressamente e em norma processual, que “a mera inexistência ou insuficiência de patrimônio para o pagamento de obrigações contraídas pela pessoa jurídica não autoriza a desconsideração da personalidade jurídica, quando ausentes os pressupostos legais”.

Ou seja, além de trazer novos requisitos a serem observados pelo juiz, o PL 3.401/08 visa abranger quaisquer hipóteses de responsabilização judicial direta de membros da entidade, as quais não são, atualmente, objeto do incidente de desconsideração da personalidade jurídica como definido no CPC/15.

É importante enfatizar que o texto aprovado prevê a aplicação imediata de suas disposições a todos os processos judiciais em curso, não havendo, portanto, período de vacância. O presidente da República tem 15 dias úteis, contados do recebimento do projeto, para vetá-lo no todo ou em parte.

Caso seja sancionado em sua integralidade, devemos aguardar como o Judiciário irá se posicionar e aplicar as novas determinações trazidas pelo PL 3.401/08, considerando-se as regras já existentes previstas no CPC/15.