As operações de fusões e aquisições (M&A) são fruto de um processo bastante complexo, cuja condução é ditada conforme o objetivo e o interesse das partes. Não obstante, com o amadurecimento do mercado brasileiro, algumas práticas acabam sendo semelhantes, como acontece, por exemplo, com as etapas negociais ou com o formato adotado para a formalização das vontades dos envolvidos.

Entre os documentos utilizados para formalizar o que será o início das negociações que culminarão em uma operação de M&A, as partes costumam celebrar acordo de confidencialidade, memorando de entendimentos, term-sheet ou carta de intenção (letter of intent), entre outros documentos. O objetivo é estabelecer as bases preliminares do negócio, predominantemente o objeto da transação, os termos e as condições que deverão orientar as negociações futuras e os efeitos obrigacionais iniciais da relação jurídica a ser construída.

O documento preliminar não é um contrato, sendo a princípio um instrumento não vinculante que relaciona os termos a serem posteriormente definidos entre as partes.[1] No entanto, a natureza da não vinculação não representa uma garantia absoluta de exclusão de responsabilidade dos envolvidos, uma vez que, ainda nessa fase preliminar, as partes correm o risco de serem compelidas a indenizar a contraparte (tutela reparatória) ou até mesmo a concluir a operação (tutela jurídica específica).

Em vista disso, além de documentar de forma correta e completa as premissas iniciais com caráter não vinculante, recomenda-se também atentar para a conduta das partes durante as negociações dos documentos preliminares, considerando que a responsabilidade delas pode decorrer tanto dos próprios termos do documento preliminar quanto do comportamento por elas adotado. Em outras palavras, é especialmente relevante que as partes, no seu relacionamento, atuem com confiança, lealdade e boa-fé, a fim de evitar que, posteriormente, uma delas possa arguir a violação dos princípios da boa-fé objetiva e da proibição de comportamento contraditório (venire contra factum proprium), ou alegar a quebra da confiança ou da legítima expectativa gerada na outra parte.[2] A caracterização de tais comportamentos poderia acarretar penalidades nos termos da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, conforme alterada (Código Civil Brasileiro).

Existem, porém, determinadas medidas que podem ser adotadas para mitigar os riscos de responsabilização das partes caso o negócio não venha a se concretizar.

Em primeiro lugar, conforme mencionado acima, é necessário prestar especial atenção aos termos em que o próprio documento preliminar é redigido, para evitar o risco de configuração de um contrato preliminar ou pré-contrato que permita à outra parte exigir a celebração do contrato definitivo, conforme dispõe o artigo 463 do Código Civil Brasileiro.[3]

Convém neste ponto traçar uma distinção entre os documentos preliminares ora em comento e o contrato preliminar previsto no Código Civil Brasileiro (artigos 462 a 466). O contrato preliminar, via de regra, obriga as partes a celebrar mais tarde outro contrato, que será o principal. Já os documentos preliminares não envolvem, a princípio, compromissos ou obrigações para os interessados. Seu objetivo é apenas pautar a fase de negociações preliminares e definir conveniências e interesses das partes.[4]

Em segundo lugar, também é necessário atentar à conduta das partes e às comunicações mantidas entre elas durante toda a fase negocial. É importante evitar a ruptura das tratativas de forma injustificada e manter em todo momento uma conduta de cooperação e lealdade visando a consecução dos fins econômico-sociais pretendidos com a operação. Diminui-se, assim, o risco de responsabilização pré-contratual sob alegação de quebra do princípio da boa-fé objetiva.

Esse princípio tem como objetivo pautar as relações contratuais e deverá ser respeitado em todas as fases de formação do contrato, inclusive durante as fases preliminares ou de negociações. Dessa forma, o dever de respeitar a boa-fé objetiva deu novos contornos à liberdade negocial e ao princípio da autonomia da vontade (pacta sunt servanda), relativizando os efeitos jurídicos de cláusulas como a de não vinculação. Em outras palavras, o princípio clássico da liberdade contratual, que permite às partes decidirem livremente se desejam ou não concluir quaisquer contratos não proibidos pelo ordenamento jurídico,[5] deverá ser interpretado à luz do moderno princípio da boa-fé, o qual informa o atual direito contratual.[6]

No entanto, apesar das cautelas que possam ser adotadas, a determinação do efeito vinculante de documento preliminar se trata de uma questão controvertida no ordenamento jurídico e depende da análise das circunstâncias concretas de cada caso.

No contexto de uma operação de M&A, na qual as partes firmaram um memorando de entendimentos não vinculante, o Tribunal de Justiça de São Paulo negou o pedido de indenização de uma das partes referente aos custos incorridos no processo de due diligence e à perda de chance de negociação com outros potenciais compradores, sob os seguintes fundamentos: (i) as partes negociaram em igualdade de condições ao estarem assessoradas por escritórios de advocacia especializados e consultorias internacionais; (ii) diversas comunicações havidas entre as partes evidenciaram que a não vinculação era condição importante para ambas as partes; (iii) os princípios da boa-fé e lealdade foram preservados, não tendo ficado caracterizada a quebra da legítima expectativa da parte vendedora através de atos da compradora que pudessem despertar a confiança de que o negócio seria efetivamente realizado; e (iv) não houve prova a respeito da perda de uma oportunidade de negócio (TJSP – Apelação nº 0005452-31.2013.8.26.0100, des. rel. Carlos Alberto Garbi, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, julgado em 14/12/16).

Por sua vez, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro já se pronunciou no sentido de que a rescisão de memorando de entendimentos, sem justo motivo, obriga a parte desistente a reembolsar as despesas realizadas pela contraparte durante a fase de estruturação da operação, desde que devidamente comprovadas (TJRJ – Apelação nº 0009297-72.2013.8.19.0001, des. rel. Juarez Fernandes Folhes, 14ª Câmara Cível, julgado em 07/12/16).

Considerando o exposto, é recomendável que (i) a cláusula de não vinculação expresse de forma clara e inequívoca que o documento preliminar não terá caráter vinculante; (ii) as partes reservem-se o direito de abandonar e terminar unilateralmente as negociações a qualquer momento; (iii) as partes tomem certas precauções na troca de comunicações, de modo que no futuro estas não venham a ser utilizadas como prova documental para caracterizar a natureza vinculante do negócio e a quebra da boa-fé por violação de deveres acessórios como, por exemplo, os de lealdade ou cooperação entre as partes; e (iv) se preste especial atenção aos termos e à forma em que o documento preliminar é redigido.


1.  GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p.68.

2. Em relação ao dever de confiança e probidade, o Enunciado 363 do Conselho da Justiça Federal dispõe que: “Os princípios da probidade e da confiança são de ordem pública, estando a parte lesada somente obrigada a demonstrar a existência da violação”.

3. Artigo 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive.

4. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito Civil, vol. III, 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.69.

5. ZANETTI, Cristiano de Sousa. Responsabilidade pela Ruptura das Negociações. São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2005, p. 82.

6. NEVES, Karina Penna. Deveres de consideração nas fases externas do contrato: responsabilidade pré e pós-contratual. São Paulo: Almedina, 2015, p. 124.