O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, em 17 de março, o julgamento do Recurso Extraordinário 796.939/RS (Tema 736 da Repercussão Geral) no plenário virtual. Na ocasião, a Corte analisou a constitucionalidade da multa isolada de 50% prevista no art. 74, §§ 15 e 17, da Lei 9.430/96.

Nos termos da lei, o contribuinte que apurar crédito relativo a tributo ou contribuição administrado pela Receita Federal passível de restituição ou de ressarcimento – inclusive crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado – poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios, vencidos ou a vencer, no prazo de cinco anos contados do recolhimento indevido (art. 168 do Código Tributário Nacional – CTN).

Esse procedimento está sujeito à análise e homologação da Receita Federal. Se o órgão não reconhecer o direito creditório pleiteado, ainda que parcialmente, formalizará o indeferimento da restituição ou a não homologação da compensação efetuada.

Em caso de não homologação, será exigido o tributo compensado, acrescido de juros e multa moratória de 20% (art. 61, §2º, da Lei 9.430/96). Essa decisão abre caminho para o contencioso administrativo e permite a apresentação de manifestação de inconformidade com efeito suspensivo (art. 74, §9º, da Lei 9.430/96).

Além disso, em procedimento à parte, Receita Federal lavra o auto de infração para exigir a cobrança da multa isolada de 50% sobre o crédito que originou a compensação não homologada (Lei 12.249/10), com acréscimo de juros (art. 74, §17, da Lei 9.430/96).

A multa isolada é lançada indistintamente, em situações nas quais não há previsão para a aplicação da penalidade e até mesmo antes do término do processo administrativo que discute a legitimidade do pedido de compensação.

A própria legislação tributária determina que o contribuinte apresente pedido de compensação para a posterior homologação da Autoridade Fiscal, mas, ao mesmo tempo, estabelece a aplicação de multa punitiva sobre o débito eventualmente não homologado.

O que se discutia, além do direito creditório, é que a aplicação de multa isolada nessas situações representa uma dupla penalização do contribuinte, em afronta à ampla defesa e contraditório, além do direito de petição previstos no art. 5º, LIV, LV e XXXIV, alínea “a”, da Constituição Federal.

Da mesma forma, arguia-se que a multa isolada representa indevida sanção política que tem por objetivo obstar o exercício do contribuinte de reaver os valores indevidamente recolhidos ao Fisco, configurando prática confiscatória da Administração Pública, que é vedada pela Constituição Federal (artigo 150, inc. IV, da CF/88) e pelas Súmulas 70, 323 e 547 do A. STF.

O procedimento representaria um obstáculo ao direito de reaver tributos indevidamente recolhidos, capaz de criar um risco financeiro altíssimo para o contribuinte que agiu de boa-fé ao apurar indébito na Receita Federal e proceder com a compensação dos valores, tal como determinado pela legislação tributária.

Não por outro motivo, o §17 da lei, em sua redação original,[1] determinava que a penalidade deveria ser aplicada apenas aos contribuintes que utilizassem a compensação como meio de se esquivar do recolhimento dos valores devidos, agindo com má-fé, dolo, fraude ou simulação.

Em muitos casos, a não homologação das compensações decorre simplesmente do não reconhecimento pelo fisco de retificações na escrituração fiscal (DCTF e SPED Fiscal – ECF e EFD-Contribuições) pelos contribuintes, por mero equívoco na apuração de tributos.

A multa isolada, assim, acaba por desestimular o restante dos contribuintes que, de boa-fé, apresentam pedidos de compensação, no exercício do direito de recuperar valores indevidamente recolhidos.

Dessa forma, não se mostrava razoável nem proporcional impor a penalidade, que, não tem por objetivo desestimular o contribuinte a praticar compensações indevidas, mas na verdade, tem como objetivo aumentar a arrecadação fiscal e punir maus contribuintes,

Em linha com o entendimento mencionado acima e confirmando o posicionamento histórico da Corte em relação ao tema, no julgamento do RE 796.639/RS, o STF negou provimento ao Recurso Extraordinário da União, por reconhecer inconstitucionais tanto o já revogado §15 (Lei 13.137/15) – relativo à aplicação de multa isolada sobre os pedidos de restituição indeferidos – quanto o atual §17 do art. 74 da Lei 9.430/96, nos termos do voto do ministro relator Edson Fachin.

Por unanimidade, foi fixada a seguinte tese de julgamento: É inconstitucional a multa isolada prevista em lei para incidir diante da mera negativa de homologação de compensação tributária por não consistir em ato ilícito com aptidão para propiciar automática penalidade pecuniária”.

Como destacou o relator em seu voto, a mera não homologação de compensação tributária não consiste em ato ilícito capaz de motivar sanção tributária. Verifica-se, assim, nítida falta de correlação entre a multa de 50% e o pedido administrativo de compensação, já que este é considerado um exercício legítimo do direito de petição do contribuinte. Além disso, a correlação viola o devido processo legal e a boa-fé.

Na mesma data, também foi concluído o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.905 (ADI 4.905), de relatoria do ministro Gilmar Mendes. Por maioria dos votos, o §17 da Lei 9.430/96 foi declarado inconstitucional. Entendeu-se que a aplicação de multa isolada pela mera não homologação de declaração de compensação, sem que esteja caracterizada a má-fé, falsidade, dolo ou fraude, fere o direito fundamental de petição e o princípio da proporcionalidade.

Diante desse desfecho, caso o contribuinte se depare com a não homologação de compensações formalizadas na Receita Federal, será aplicável apenas a multa moratória de até 20% prevista no art. 61, caput e §2º, da Lei 9.430/96.

Considerando que o STF, até o momento, não modulou os efeitos da decisão, o precedente deverá ser aplicado a todos os casos que envolvam a imposição da multa por não homologação de compensação. O contribuinte poderá, inclusive, pleitear a restituição dos valores pagos indevidamente nos últimos cinco anos, nos termos da Lei 9.430/96.

 


[1] Art. 18. O lançamento de ofício de que trata o art. 90 da Medida Provisória 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, limitar-se-á à imposição de multa isolada em razão da não homologação de compensação declarada pelo sujeito passivo nas hipóteses em que ficar caracterizada a prática das infrações previstas nos arts. 71 a 73 da Lei 4.502, de 30 de novembro de 1964. (Redação dada pela Lei 11.051/04)

Art. 18. O lançamento de ofício de que trata o art. 90 da Medida Provisória 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, limitar-se-á à imposição de multa isolada em razão de não homologação da compensação quando se comprove falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo. (Redação dada pela Lei 11.488/07)