O combate à corrupção teve destaque em 2022, com a publicação de normas relevantes dedicadas à regulamentação da Lei 12.846/13 (Lei Anticorrupção).

Em julho de 2022, o governo federal publicou o Decreto 11.129/22, que revogou o antigo Decreto 8.420/15 e alterou de modo relevante a regulamentação da Lei Anticorrupção, chamando a atenção das companhias para a necessidade de avaliar e aprimorar iniciativas de compliance.

Também em julho de 2022, a Corregedoria Geral da União (CGU) publicou a Portaria Normativa CGU 19/22, que estabeleceu regras específicas sobre o julgamento antecipado no âmbito de processos administrativos de responsabilização (PAR) apurados ou avocados pela CGU. Em artigos anteriores, abordamos o que mudou na prática com o decreto e com a portaria da CGU.

Além das duas normas acima, e pouco antes de encerrar o ano, em 9 de dezembro de 2022, a CGU e a Advocacia-Geral da União (AGU) publicaram a Portaria Normativa Interministerial CGU e AGU 36/22, que discorre sobre o instituto do acordo de leniência, especificamente em relação aos critérios para a redução de até 2/3 do valor da multa aplicável, conforme disposto no art. 16, §2º da Lei Anticorrupção.

Essa portaria é relevante por ser uma normativa que lista critérios objetivos, concretos e minimamente mensuráveis para delimitar o poder discricionário da autoridade em negociações de acordo de leniência, permitindo maior padronização nos balizamentos e nos acordos.

Em suma, a Portaria Normativa Interministerial CGU e AGU 36/22 indica três critérios a serem considerados na redução da multa: iniciativa de autodenúncia, grau de colaboração e condições relevantes.

  1. Iniciativa de autodenúncia: avalia a tempestividade da autodenúncia e o ineditismo das informações apresentadas pela pessoa jurídica sobre os atos lesivos. Assim, a autoridade leniente observará se houve por parte da pessoa jurídica adoção tempestiva de medidas de investigação e reporte à CGU e à AGU, culminando na apresentação de informações e documentos no âmbito da colaboração.

O prazo concreto definido para que a autodenúncia seja tempestiva é de até nove meses, a contar do conhecimento sobre o indicativo de ato lesivo por parte da pessoa jurídica até sua manifestação formal de interesse em celebrar acordo de leniência. Para os casos em que a pessoa jurídica tenha ciência da existência de atos lesivos antes da portaria normativa, o prazo da tempestividade da autodenúncia será de seis meses, contados a partir de 9 de dezembro de 2022, data da publicação da portaria normativa.

Como parte deste critério, a autoridade leniente avaliará também o ineditismo dos fatos ou informações reportadas pela pessoa jurídica comparando-as com as que já são de conhecimento público, da CGU ou da AGU, ainda que se refiram a fatos não inéditos.

  1. Grau de colaboração: a autoridade considerará se a pessoa jurídica conduziu apuração interna direcionada à coleta de informações e documentos relevantes, assim como avaliará a quantidade, qualidade, abrangência, pertinência e suficiência das informações e documentos entregues para efeitos do acordo de leniência.

Além do conteúdo, o segundo critério considera também a forma, ou seja, a autoridade avaliará a celeridade na tratativa entre as partes, se as informações prestadas estão completas, além da rapidez e da precisão do relato de atos lesivos, destacando como critério também a existência de assunção da responsabilidade pela pessoa jurídica e se houve indicação dos demais envolvidos.

Cabe a ressalva que nos termos do art. 16, I, da Lei Anticorrupção, a indicação dos demais envolvidos deve ser considerado critério somente quando couber. Dependendo do caso concreto, pode não haver demais envolvidos. Sendo assim, a autoridade não deve considerar a apresentação de demais envolvidos quando essa for uma condição não aplicável.

Ainda, a autoridade avaliará a presteza das demais ações necessárias para a conclusão da negociação, como tradução tempestiva de documentos, disponibilidade para reuniões, preenchimento de documentos solicitados, entre outros atos que fazem parte do itinerário da negociação.

  1. Condições relevantes: observará os parâmetros das condições de pagamento dos compromissos financeiros assumidos pela pessoa jurídica no acordo, levando em conta a celeridade da condição de pagamento do valor do acordo de leniência e, no caso de parcelamento, o perfil de pagamento delineado pelas parcelas. Para pagamentos que perduram mais de seis meses, a autoridade avaliará as garantias prestadas para o pagamento como parte do critério.

A redução na multa poderá ser menor nos casos em que a pessoa jurídica tenha anteriormente desistido de proposta de acordo ou resilido memorando de entendimentos em negociação precedente relativa aos mesmos atos lesivos.

A Portaria Normativa Interministerial CGU e AGU 36/22 não se aplica aos casos em que já há relatório final encaminhado para assinatura de acordo de leniência. Em sentido contrário, a portaria é aplicável a qualquer pessoa jurídica que venha a identificar internamente um ato lesivo contra a administração pública, bem como a pessoas jurídicas que estão em processo de negociação de acordo de leniência (antes do envio de relatório final para assinatura).

A normativa pode ser um instrumento importante para trazer alguma previsibilidade e limitação nas negociações para ambas as partes, mas dependerá de sua aplicação concreta.