O rompimento de uma barragem em Mariana em 2015 não foi o primeiro incidente do tipo no Brasil, mas representou um marco para o setor de mineração devido aos extensos danos ambientais e sociais causados nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Assim como ocorreu após outros eventos de grande proporção e cobertura midiática no Brasil, o entendimento da necessidade de melhorias regulatórias, conjugado à oportunidade de atuação política sob a atenção do público, desencadeou processos legislativos e de alteração da regulamentação de barragens e de prevenção de desastres em geral. Verificou-se, portanto, o início de um intenso processo de alteração normativa após o incidente.

Em 2016, foram publicadas duas normas em nível federal. A Portaria nº 187/16 da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil aprovou o Caderno das Orientações para Apoio à Elaboração de Planos de Contingência Municipais para Barragens, relativo a riscos gerados pela presença de barragens em municípios. Também com foco na prevenção de desastres, a Portaria nº 5.141/16 do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação, por sua vez, aprovou o regulamento interno do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais, instituição científica competente para elaborar alertas de desastres naturais relevantes visando ações de proteção e de defesa civil no território nacional, além de produzir conhecimento científico sobre o tema e desenvolver e implementar sistemas de monitoramento de desastres naturais, entre outros.

No mesmo ano, o governo de Minas Gerais editou o Decreto nº 46.993/16, que instituiu a realização obrigatória de auditoria técnica para segurança de barragens em relação a todos os empreendimentos que fazem a disposição final ou temporária de rejeitos de mineração em barragens que utilizem ou que tenham utilizado o método de alteamento para montante. Por meio desse instrumento, o governo estipulou ainda que, até 10 de setembro de 2016, os empreendimentos deveriam inserir a Declaração Extraordinária de Condição de Estabilidade no Banco de Declarações Ambientais (BDA). Em linha com as novas obrigações, o decreto também criou um tipo infracional gravíssimo associado à não realização de qualquer tipo de auditoria técnica aplicável a barragens de contenção de rejeitos. Para atingir seus objetivos, a norma buscou impor obrigações, mas não foi restritiva, indicando expressamente a continuidade dos processos de licenciamento ambiental dos empreendimentos que envolvam a disposição final ou temporária de rejeitos de mineração em barragens construídas pelo método de alteamento a montante.

Nessa linha, o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) publicou a Portaria nº 210/16, que estabeleceu critérios para o processo de licenciamento ambiental de atividades de disposição de resíduos, mineração estéril em cavernas e reaproveitamento de tais materiais quando dispostos em pilhas, barragens ou em cava e emendando disposições sobre licenciamento ambiental e potencial poluidor de estruturas de destinação de rejeitos previstas na Portaria Normativa Copam nº 74/04, posteriormente substituída pela Deliberação Normativa Copam nº 217/2017.

Já em 2017, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) publicou a Portaria nº 70.389/17, que criou instrumentos de prevenção e monitoramento em nível federal de acordo com a Lei nº 12.334/10, que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB). A portaria criou o Cadastro Nacional de Barragens de Mineração, o Sistema Integrado de Gestão em Segurança de Barragens de Mineração e estabeleceu a periodicidade de execução ou atualização, a qualificação dos responsáveis técnicos, o conteúdo mínimo e o nível de detalhamento do Plano de Segurança da Barragem, das Inspeções de Segurança Regular e Especial, da Revisão Periódica de Segurança de Barragem e do Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração. Em seguida, a Lei Federal nº 13.575/17 criou a Agência Nacional de Mineração (ANM) e extinguiu o DNPM.

Em meio a esse processo de alteração da regulamentação de barragens e de prevenção de desastres, um novo acidente ocorreu em 25 de janeiro deste ano, com o rompimento da barragem de Brumadinho, também em Minas Gerais. O evento impulsionou projetos de lei e regulamentação que já tramitavam e desencadeou novos processos. Assim, 2019 também está sendo um ano marcado pela publicação de normas que regulamentam o setor de mineração e a operação de barragens em geral.

Naturalmente, por ser o estado mais afetado pelos eventos, Minas Gerais foi o primeiro a publicar normas específicas sobre o tema. Exatamente após o acidente de Brumadinho, a Lei Estadual nº 23.291/19 instituiu a Política Estadual de Segurança de Barragens (PESB-MG). Um dos pontos de destaque da lei foi a vedação da concessão de licença ambiental para operação ou ampliação de barragens destinadas à acumulação ou à disposição final ou temporária de rejeitos ou resíduos industriais ou de mineração que utilizem o método de alteamento a montante. Para regulamentar o dispositivo e dispor sobre outros aspectos, foi publicada a Resolução Conjunta Semad/Feam nº 2.765/19 – em seguida, revogada pela Resolução Conjunta Semad/Feam nº 2.784/19, que determina a descaracterização de todas as barragens de contenção de rejeitos e resíduos, alteadas pelo método a montante, provenientes de atividades minerárias existentes em Minas Gerais.

No âmbito federal, a Resolução ANM nº 4/19, que havia sido publicada em 15 de fevereiro, foi submetida à consulta pública e revogada em 8 de agosto pela publicação da Resolução ANM nº 13/19. Possivelmente em decorrência dos anseios da população e da mídia por soluções rápidas e firmes a uma situação clamada como urgente, a primeira resolução estabelecia prazos curtos para cumprimento de obrigações, mas, após a consulta pública, a ANM nº 13/19 estendeu a maioria deles.

Manteve-se a essência da norma, ou seja, a determinação de medidas visando assegurar a estabilidade de barragens de mineração. Como era esperado, a resolução é voltada para estruturas construídas ou alteadas pelo método denominado "a montante" ou por método declarado como desconhecido, justamente por abordar preocupações surgidas após os eventos de 2015 e 2019, que envolveram barragens alteadas pelo método a montante. Fica claro, portanto, que a norma representa um novo paradigma de arcabouço jurídico que está sendo estabelecido após 2015.

Já no artigo 2º determina-se que “fica proibida a utilização do método de alteamento de barragens de mineração denominado 'a montante' em todo o território nacional”. Em seguida, o artigo 3º proíbe os empreendedores responsáveis por quaisquer barragens de mineração de conceber, construir, manter e operar, nas localidades pertencentes a poligonal da área outorgada ou em áreas averbadas no respectivo título minerário e inseridos na Zona de Autossalvamento (ZAS).

Os prazos para adequação ao artigo 3º foram alguns dos modificados pela ANM nº 13/19, ficando estabelecidos como (i) 12 de outubro de 2019 para desativação ou remoção de instalações, obras e serviços destinados a atividades administrativas, de vivência, de saúde e de recreação, bem como qualquer instalação, obra ou serviço que manipule, utilize ou armazene fontes radioativas; e (ii) entre 15 de agosto de 2022 e 15 de setembro de 2027 para descaracterização de barragens de mineração, a depender do volume da capacidade. A resolução criou outras diversas obrigações com prazos compreendidos na próxima década, incluindo instalação de sistema de monitoramento automatizado de instrumentação com acompanhamento em tempo real e período integral, implementação de soluções voltadas à redução do aporte de água operacional nas barragens, entre outras.

A Resolução ANM nº 13/19 também estabelece o mínimo fator de segurança e a interdição imediata de barragem cujo fator de segurança esteja momentaneamente abaixo dos valores mínimos fixados pela norma ABNT NBR nº 13.028/17, além de determinar ao empreendedor a notificação da ANM e a implementação de ações de controle e mitigação para garantir a segurança da estrutura e avaliar a necessidade de evacuação da área a jusante, até que o fator de segurança retorne aos valores mínimos.

Por fim, merece destaque o fato de que a resolução alterou o texto da Portaria DNPM nº 70.389/17 para, entre outros pontos, determinar que a Declaração de Controle de Estabilidade da barragem seja assinada pelo responsável técnico por sua elaboração e pela pessoa física de maior autoridade na hierarquia da empresa responsável pela direção, controle ou administração no âmbito da organização interna da citada empresa.

Como se vê, além dos impactos diretos dos incidentes no meio ambiente e na sociedade mineira e capixaba, os eventos de 2015 e 2019 criaram uma expectativa do público em geral de alterações legislativas e, consequentemente, estabeleceram uma situação de insegurança jurídica para as empresas de mineração, com a publicação e alteração de normas em vigor e de outras recém-publicadas.

Ainda podem se somar ao arcabouço legal sobre o tema ao menos duas alterações legislativas que estão em discussão e pendentes de aprovação: o Projeto de Lei nº 550/19, que visa alterar a Lei nº 12.334/10, que instituiu a PNSB, e o Projeto de Lei nº 2.790/19, que visa alterar a Lei nº 12.608/12 (Estatuto de Proteção e Defesa Civil) para incluir a prevenção a desastres induzidos por ação humana.