O Decreto Federal nº 10.240/20, publicado em fevereiro, implementa o sistema de logística reversa de produtos eletroeletrônicos e seus componentes de uso doméstico. A regulamentação era esperada, uma vez que importantes atores do ciclo de comercialização desses produtos, sobretudo o setor varejista, não haviam aderido ao acordo setorial sobre o tema assinado em 31 de outubro de 2019. Na ocasião, diversos setores assumiram obrigações perante o poder público para implementar a logística reversa adequada de resíduos decorrentes do mercado de produtos eletroeletrônicos e seus componentes, de forma voluntária, devido ao caráter contratual do acordo.

Normas para assegurar a isonomia na fiscalização e no cumprimento das obrigações imputadas pelo artigo 33 da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS, instituída pela Lei nº 12.305/10) já haviam sido estabelecidas pelo Decreto Federal nº 9.177/17 para os não signatários de acordo setorial ou termo de compromisso. Agora, o Decreto nº 10.240/20 adota outro instrumento previsto na PNRS e no artigo 15 do Decreto regulamentador nº 7.404/10.

O objetivo é imputar obrigações muito semelhantes àquelas previstas no acordo setorial para todos os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de produtos eletroeletrônicos de uso doméstico e seus componentes, que também passam a ter que estabelecer e implementar sistemas de logística reversa de seus resíduos eletroeletrônicos de forma independente do sistema de coleta público.

São objeto do decreto os produtos eletroeletrônicos de uso doméstico cujo funcionamento dependa de correntes elétricas com tensão nominal de, no máximo, 240 volts. O uso doméstico é definido como o uso próprio ou pessoal, residencial ou familiar, exclusivamente por pessoa física. O decreto ainda possibilita às empresas ou entidades gestoras o recebimento de produtos eletroeletrônicos e seus componentes com características similares aos de uso doméstico, mas descartados por microempresas ou empresas de pequeno porte.

Como estabelecido no acordo setorial celebrado em outubro, a primeira fase da estruturação e implementação do sistema de logística reversa está em andamento e tem conclusão prevista para 31 de dezembro de 2020. Nessa etapa, será criado o Grupo de Acompanhamento e Performance (GAP), responsável por acompanhar e divulgar a implementação do sistema de logística reversa. Os fabricantes, importadores, comerciantes e distribuidores deverão aderir a entidades gestoras ou apresentar modelo individual para a execução do sistema.

Ainda na primeira fase, será instituído o mecanismo financeiro para assegurar o sistema, além de outro mecanismo que permita a coleta dos dados necessários ao monitoramento e acompanhamento do sistema por meio do GAP. Por parte da Administração Pública, o Ministério do Meio Ambiente deverá manifestar-se favoravelmente às medidas fiscais de simplificação do transporte de resíduos e apoiar medidas que facilitem a instalação de pontos de recebimento e de consolidação dos resíduos perante os órgãos estaduais. Cabe ao Ibama regulamentar o transporte interestadual a fim de reconhecer os resíduos eletroeletrônicos como não perigosos e, consequentemente, possibilitar seu trânsito.

A segunda fase, prevista para começar em 2021, incluirá a habilitação dos prestadores de serviços, a elaboração de planos de comunicação e de educação ambiental, a formação de lideranças e a instalação de pontos de recebimento ou de consolidação.

Um aspecto muito debatido era a possibilidade de remuneração, ressarcimento ou pagamento aos consumidores que entregassem os produtos eletroeletrônicos nos pontos de recebimento. O decreto vedou esse ponto, mas permitiu a adoção de mecanismos de incentivo pelas empresas ou pelas entidades gestoras.

O sistema de logística reversa será financiado integralmente pelas empresas, na proporção correspondente às suas participações no mercado. Os recursos financeiros serão diferenciados também para cada tipo de produto e definidos de acordo com critérios técnicos e econômicos e com as particularidades do produto em questão. O decreto prevê eventuais custos relacionados às providências necessárias ao descarte dos resíduos. Entende-se, assim, que gastos relacionados ao transporte dos resíduos até os pontos de coleta não serão custeados pelo sistema, mas única e exclusivamente pelo consumidor ou pela pessoa que realizar o descarte. Considerando a vedação ao ressarcimento, remuneração ou pagamento ao consumidor, esse pode ser um ponto de discussão, pois, em caso de resíduos de maior porte, a devolução talvez represente um custo que os consumidores não vão querer suportar, apesar de sua responsabilidade compartilhada.

O decreto determina que os fabricantes e importadores são obrigados a dar destinação final ambientalmente adequada a todos os resíduos recebidos pelo sistema, com preferência à reciclagem. Embora a PNRS imponha hierarquia na gestão de resíduos sólidos que deve ser observada,[1] a preferência pela reciclagem se deve às particularidades e dificuldades de reutilização dos produtos eletroeletrônicos. Caso a reutilização seja viável, contudo, as empresas não devem hesitar em optar por essa forma de destinação.

Aos importadores, o decreto impõe a participação em sistema de logística reversa como requisito para conformidade no exercício de suas atividades. Deve inclusive constar da Declaração de Importação para as autoridades competentes a informação sobre quem é responsável por estruturar, implementar e operacionalizar o sistema de logística reversa, sob pena de não ser concedida a licença de importação de produtos eletroeletrônicos.

Aos distribuidores, cabe incentivar os estabelecimentos varejistas a aderir às entidades gestoras ou a estabelecer sistemas de logística reversa próprios, bem como disponibilizar espaços físicos para pontos de consolidação, onde os resíduos ficarão armazenados até sua transferência para destinação ambientalmente adequada.

Fechando o ciclo das empresas envolvidas, estão os comerciantes que atuam em lojas físicas, em vendas a distância ou por comércio eletrônico. Cabe a eles receber, acondicionar e armazenar temporariamente os produtos eletroeletrônicos descartados pelos consumidores e devolvê-los aos importadores e fabricantes. Os comerciantes devem participar ainda da execução dos planos de comunicação e de educação ambiental não formal. Essas obrigações são aplicáveis também às empresas prestadoras de serviços de telefonia móvel que vendem produtos eletroeletrônicos objeto do decreto.

O Decreto nº 10.240/20 manteve as metas e os prazos do acordo setorial firmado em outubro de 2019: ao fim do quinto ano de funcionamento do sistema (2025), 17% dos produtos eletroeletrônicos colocados no mercado interno de uso doméstico deverão ter destinação ambientalmente adequada. A meta é calculada a partir dos dados do ano-base de 2018 em 400 cidades de todo o país, mas pode ser alterada, no entanto, mediante a apresentação de justificativas técnicas apoiadas nas particularidades do ciclo de vida de cada produto.

Quanto às embalagens dos produtos eletroeletrônicos, o decreto dispõe que elas serão recebidas nos pontos de coleta e destinadas de forma ambientalmente adequada. A norma deixa claro, no entanto, que as empresas poderão firmar instrumentos jurídicos com outros sistemas de logística reversa de embalagens, em clara referência aos que já operam no país. As metas para recuperação das embalagens serão equivalentes às fixadas em algum dos acordos setoriais, decretos ou termos de compromisso próprios, conforme definido pelo Decreto nº 7.404/10 e pelo Decreto nº 9.177/17.


[1] A PNRS prevê a prevalência da não geração ou a redução da geração como estratégias iniciais a serem adotadas para gerenciamento dos resíduos sólidos.