Mais de três anos após o início das discussões a respeito da reforma da regulação da prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo (PLDFT) no âmbito do sistema financeiro nacional,[1] as novas regras têm uma data definida para entrar em vigor: 1º de julho de 2020.

Nessa data, passam a vigorar a Circular nº 3978 do Banco Central do Brasil (Bacen), que revoga a Circular Bacen nº 3461, e a Instrução nº 617 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que revoga a Instrução CVM nº 301.

Em seu conjunto, os novos normativos trazem importantes mudanças nas regras de PLDFT. Passa-se de um modelo baseado em uma abordagem protocolar, com regras e procedimentos padronizados (Circular Bacen nº 3461 e Instrução CVM nº 301), para um novo modelo, mais flexível, baseado em avaliação interna de risco (Circular Bacen nº 3978 e Instrução CVM nº 617).

Com a entrada em vigor das novas normas, as instituições autorizadas a funcionar pelo Bacen e os principais prestadores de serviços do mercado de valores mobiliários[2] ficarão obrigados a avaliar internamente o risco não só de seus clientes, mas de si próprios, de suas operações, funcionários, parceiros e prestadores de serviços, determinando ainda a adoção de controles reforçados ou simplificados, conforme o nível de risco apurado.

Não está ainda muito claro, contudo, como se dará a avaliação dos modelos de risco de cada instituição. Explicando melhor, no âmbito da Circular Bacen nº 3461 e da Instrução CVM nº 301, as obrigações impostas aos jurisdicionados apresentavam um perfil bem definido, de modo que eventuais desconformidades podiam ser facilmente caracterizadas. Na Circular Bacen nº 3978 e na Instrução CVM nº 617, porém, controles e procedimentos exigíveis da instituição são definidos a partir de uma avaliação interna de risco. Desse modo, situações que, segundo as normas antigas, poderiam configurar irregularidades talvez não o sejam de acordo com as novas regras.

Nesse cenário, a adoção de “melhores práticas” e “procedimentos padronizados”, dentro de certos mercados, talvez seja uma alternativa interessante para eliminar riscos e incertezas. No caso das instituições reguladas pelo Bacen, contudo, há um mitigador, que é a atualização da carta circular[3] que divulga a relação de operações e situações que podem configurar indícios de ocorrência dos crimes de PLDFT.

Entre as demais novidades da regulação de PLDFT para o mercado financeiro do Brasil, também cabe destacar:

  • Circular Bacen nº 3978:

  • O reforço às exigências de governança – além de estarem obrigadas a avaliar de tempos em tempos a qualidade e s efetividade de seus procedimentos internos, as instituições devem detalhar papéis e responsabilidades dos profissionais indicados para atuar em funções ligadas à área de PLDFT.

  • O reforço de procedimentos de conheça seu cliente (KYC) – as instituições passam a ficar obrigadas a confrontar seus dados internos com aqueles oriundos de bases públicas.

  • O aumento nos controles de operações em espécie – passa a ser obrigatória a identificação do portador em qualquer operação em espécie de valor superior a R$ 2.000. Mais informações serão exigidas nos casos de depósitos em espécie em montante superior a R$ 50.000.

  • A exigência de acesso a informações de beneficiários finais – a norma prevê a obrigatoriedade de subadquirentes franquearem às instituições pagadoras o acesso às informações sobre beneficiários finais de pagamentos.

  • Maior prazo para análise de operações: 30 para 45 dias.

  • Instrução CVM nº 617:

  • A previsão de atribuições específicas ao diretor responsável e à alta administração das instituições.

  • A exigência de que a política de PLDFT estabeleça mecanismos de intercâmbio de informações entre empresas de um mesmo conglomerado.

  • A obrigatoriedade de elaboração, pelo diretor responsável, de um relatório anual relativo à avaliação interna de risco de PLDFT à alta administração.

  • O dever de identificar, analisar, compreender e mitigar riscos de PLDFT inerentes à sua respectiva atividade, mesmo para instituições que não tenham relacionamento direto com o investidor.

  • A regulamentação detalhada dos deveres decorrentes da Lei nº 13.810/19, que determina a obrigatoriedade de cumprimento das sanções impostas por resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

[1] As discussões se iniciaram em 17 de novembro de 2016, com a publicação pela CVM do Edital de Audiência Pública SDM nº 09/2016, e foram intensificadas após o Edital de Consulta Pública nº 70/2019, divulgado pelo Bacen em 17 de janeiro de 2019.

[2] Mais especificamente, estão sujeitos à norma da CVM: (i) as pessoas naturais ou jurídicas que prestem os serviços relacionados à distribuição, custódia, intermediação, ou administração de carteira de valores mobiliários, (ii) entidades administradoras de mercados organizados e as entidades operadoras de infraestrutura do mercado financeiro, (iii) auditores independentes que atuem no âmbito do mercado de valores mobiliários e (iv) demais pessoas referidas em regulamentação específica que prestem serviços no mercado de valores mobiliários, à exceção das companhias abertas e dos analistas de valores mobiliários que não exerçam outra dessas atividades mencionadas.

[3] Trata-se da Carta Circular Bacen nº 4001, que também passa vigorar em 1º de julho de 2020 e que revoga a Carta Circular Bacen nº 3542.