O Congresso Nacional derrubou parcialmente, em 17 de março, os vetos do presidente da República ao Projeto de Lei nº 4.458/20, que promoveu a reforma da Lei de Recuperações e Falências (Lei nº 11.101/05 ou LRF). A partir dessa deliberação, alguns dispositivos aprovados pelo Congresso Nacional, mas vetados pelo presidente, serão reinseridos na reforma da LRF, que já está vigente.

A derrubada parcial dos vetos representa um reforço dos princípios da preservação da atividade produtiva e da superação da crise econômico-financeira, ambos previstos no art. 47 da LRF. Além disso, há um efetivo estímulo ao ambiente de negócios no Brasil, especialmente em um momento de grave crise econômico-financeira e sanitária.

O Congresso Nacional manteve os vetos relacionados aos dispositivos que disciplinavam (i) a possibilidade de o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento definir quais eventos podem ser caracterizados como atos fortuitos e de força maior para fins de eventual submissão de créditos e garantias vinculados às Cédulas de Produto Rural (CPRs), com liquidação física, à recuperação judicial; e (ii) a suspensão de execuções trabalhistas contra coobrigados de recuperandas.[1] Essas questões, portanto, ficarão de fora da reforma da LRF.

Além de um ponto específico sobre cooperativas[2] e do reconhecimento da não submissão aos efeitos da recuperação judicial de créditos e garantias vinculados às CPRs com liquidação física, em caso de antecipação parcial ou integral do preço, ou representativas de operação de troca por insumos (barter)[3], os vetos derrubados pelo Congresso Nacional envolvem relevantes questões tributárias e de ausência de sucessão do adquirente de ativos do devedor. Esses dois aspectos são mais bem descritos a seguir:

 

  • AUSÊNCIA DE SUCESSÃO DO ADQUIRENTE DE ATIVOS – 60, parágrafo único,[4] e art. 66, §3º,[5] da LRF

Os dois novos dispositivos não deixam margem para dúvidas de que o bem alienado durante a recuperação judicial estará livre de qualquer ônus e de que o adquirente não sucederá o devedor em suas obrigações. Foram incluídas expressamente nessas obrigações as de natureza ambiental, trabalhista, regulatória, administrativa, penal e anticorrupção. As obrigações tributárias já estavam excepcionadas na redação original da LRF.

A redação anterior da LRF não era clara a respeito do tema. Discutia-se, em primeiro lugar, se a blindagem somente seria aplicável aos casos de venda de unidade produtiva isolada (UPI) ou a filiais, com a respectiva previsão em plano de recuperação judicial. Além disso, havia dúvidas se as obrigações ambientais e anticorrupção estariam excluídas.

Muito embora já houvesse julgados e enunciado[6] que adotavam uma interpretação ampliativa para ambos os pontos, havia questionamentos se a venda de outros ativos por meio de autorização judicial na forma do art. 66 da LRF também estaria abrangida pela não sucessão.

A inclusão do §3º do art. 66 na LRF encerra qualquer discussão e estabelece que as vendas realizadas com autorização judicial também estão blindadas de ônus. Além disso, a alteração do parágrafo único do art. 60 deixa claro que a ausência de sucessão se refere a todas as obrigações do devedor, inclusive as ambientais e anticorrupção.

Todos esses dispositivos dão maior previsibilidade e segurança aos interessados em ativos de empresas em recuperação judicial. Como consequência, espera-se um incremento no número de interessados por esse tipo de ativo, mais facilidade para vendê-los e aumento no valor das ofertas às recuperandas.

 

  • QUESTÕES TRIBUTÁRIAS - art. 6º-B[7] e 50-A[8] da LRF

Os dois dispositivos estipulam, em síntese:

  • a não aplicação do limite de 30% previsto na legislação tributária para compensação de prejuízos fiscais com ganho de capital em razão da venda de ativos dentro do contexto de recuperações judiciais e falências ou com ganho decorrente de redução de dívidas;
  • a desconsideração das receitas contábeis decorrentes da aplicação de descontos em dívida como receitas tributárias para fins de incidência de PIS e Cofins; e
  • a dedutibilidade das obrigações assumidas no plano de recuperação judicial das bases de cálculo do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

As previsões mencionadas acima terão amplo efeito prático nas recuperações judiciais, visto que deságios expressivos aos credores e a venda de ativos pelo devedor em recuperação estão entre os principais meios de recuperação adotados por devedores.[9]

A derrubada dos vetos a esses dispositivos representa também importante e justa parcela de contribuição do Fisco (que foi amplamente fortalecido com a reforma da LRF – conforme já abordado anteriormente) para a reestruturação de dívidas e a superação da crise econômico-financeira, assim como já o fazem os demais envolvidos (devedores e seus acionistas, credores, empregados, fornecedores e clientes) nesses processos.

Mais detalhes sobre as implicações desses dispositivos tributários podem ser consultados aqui.


[1] As implicações da manutenção do veto à suspensão das execuções trabalhistas já foram abordadas de forma detalhada aqui.

[2] O Congresso Nacional também derrubou o veto sobre o §13º do art. 6º da LRF, que dispõe: “§ 13. Não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial os contratos e obrigações decorrentes dos atos cooperativos praticados pelas sociedades cooperativas com seus cooperados, na forma do art. 79 da Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, consequentemente, não se aplicando a vedação contida no inciso II do art. 2º quando a sociedade operadora de plano de assistência à saúde for cooperativa médica.”

[3] Outro veto derrubado pelo Congresso Nacional envolve a alteração do art. 11 da Lei nº 8.929/94, que estabelece: “Art. 11. Não se sujeitarão aos efeitos da recuperação judicial os créditos e as garantias cedulares vinculados à CPR com liquidação física, em caso de antecipação parcial ou integral do preço, ou, ainda, representativa de operação de troca por insumos (barter), subsistindo ao credor o direito à restituição de tais bens que se encontrarem em poder do emitente da cédula ou de qualquer terceiro, salvo motivo de caso fortuito ou força maior que comprovadamente impeça o cumprimento parcial ou total da entrega do produto.”

[4] “Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor de qualquer natureza, incluídas, mas não exclusivamente, as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista, observado o disposto no § 1º do art. 141 desta Lei.”

[5] “§ 3º Desde que a alienação seja realizada com observância do disposto no § 1º do art. 141 e no art. 142 desta Lei, o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do adquirente nas obrigações do devedor, incluídas, mas não exclusivamente, as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista.”

[6] Nesse sentido, o Enunciado nº 104 da III Jornada de Direito Comercial, do Conselho da Justiça Federal, estabelece: “Não haverá sucessão do adquirente de ativos em relação a penalidades pecuniárias aplicadas ao devedor com base na Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), quando a alienação ocorrer com fundamento no art. 60 da Lei nº 11.101/2005.

[7] Art. 6º-B. Não se aplica o limite percentual de que tratam os arts. 15 e 16 da Lei nº 9.065, de 20 de junho de 1995, à apuração do imposto sobre a renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre a parcela do lucro líquido decorrente de ganho de capital resultante da alienação judicial de bens ou direitos, de que tratam os arts. 60, 66 e 141 desta Lei, pela pessoa jurídica em recuperação judicial ou com falência decretada.

Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo não se aplica na hipótese em que o ganho de capital decorra de transação efetuada com:

I - pessoa jurídica que seja controladora, controlada, coligada ou interligada; ou

II - pessoa física que seja acionista controlador, sócio, titular ou administrador da pessoa jurídica devedora.”

[8] “Art. 50-A. Nas hipóteses de renegociação de dívidas de pessoa jurídica no âmbito de processo de recuperação judicial, estejam as dívidas sujeitas ou não a esta, e do reconhecimento de seus efeitos nas demonstrações financeiras das sociedades, deverão ser observadas as seguintes disposições:

I - a receita obtida pelo devedor não será computada na apuração da base de cálculo da Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins);

II - o ganho obtido pelo devedor com a redução da dívida não se sujeitará ao limite percentual de que tratam os arts. 42 e 58 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, na apuração do imposto sobre a renda e da CSLL; e

III - as despesas correspondentes às obrigações assumidas no plano de recuperação judicial serão consideradas dedutíveis na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, desde que não tenham sido objeto de dedução anterior.

Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo não se aplica à hipótese de dívida com:

I - pessoa jurídica que seja controladora, controlada, coligada ou interligada; ou

II - pessoa física que seja acionista controladora, sócia, titular ou administradora da pessoa jurídica devedora.”

[9] A título demonstrativo, o Observatório da Insolvência, de iniciativa do Núcleo de Estudos de Processos de Insolvência (NEPI), da PUC-SP, e da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), apurou, em recuperações judiciais processadas no estado de São Paulo, que (i) 82,7% dos planos de recuperação judicial estipularam deságio aos credores quirografários, sendo que o deságio médio verificado corresponde a 70,8% dos respectivos créditos e (ii) cerca de 35% dos planos aprovados em varas especializadas a partir de 2018 tiveram previsão de venda de UPI. Esses dados foram extraídos do relatório de fevereiro de 2021.