O Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (Cepi) da Fundação Getulio Vargas publicou em agosto deste ano os resultados da pesquisa “Formando a Advocacia do Presente e do Futuro”, da qual fomos participantes. Um dos objetivos do estudo foi mapear e discutir habilidades e competências exigidas dos profissionais da advocacia diante das mudanças influenciadas pela tecnologia.

Entre as ferramentas tecnológicas que geram novas habilidades e competências estão as de inteligência de dados e as analíticas com inteligência artificial. Ambas são peças-chave do ramo da jurimetria, que combina estatística, business intelligence e inteligência artificial para obter insights valiosos, delinear estratégias que podem gerar vantagens competitivas e mitigar riscos de forma mais eficaz.

A jurimetria não é um assunto tão novo. O termo foi cunhado em 1949 por Lee Loevinger, ao refletir sobre como aproveitar o advento das “máquinas que imitavam os processos de pensamento”[1] para solucionar operações lógicas nas decisões dos juízes em litígios.

Mais de 70 anos depois, o termo ganhou novos e animadores contornos influenciados pela ciência de dados – em especial nos seus aspectos estatísticos – e pela modalidade de inteligência artificial chamada de aprendizado de máquina ou machine learning – que também avançou muito nas últimas décadas devido ao grande volume, velocidade e variedade de dados disponíveis, o chamado big data.

Segundo um dos fundadores da Associação Brasileira de Jurimetria, Júlio Trecenti, a jurimetria tem potencial para transformar o setor jurídico de uma empresa de um centro de custos em um centro de diagnósticos, convertendo o pensamento abstrato em pensamento concreto.

Isso acontece porque a jurimetria permite uma análise estatística de grandes conjuntos de dados extraídos das bases públicas do Judiciário.

Hoje é possível entender como determinado assunto de interesse de uma empresa está sendo tratado na Justiça e buscar respostas para diversas perguntas:

  • Como os juízes têm decidido determinada matéria?
  • Há diferenças relacionadas a regiões geográficas?
  • Quantas decisões foram favoráveis e quantas foram desfavoráveis?
  • Quantas ações são ajuizadas mensalmente envolvendo determinado assunto?
  • Em quantas delas o autor obteve uma liminar?
  • Se eu ajuizar uma ação em determinado tribunal, quais as minhas chances de êxito com cada juiz desse tribunal?

Essas respostas permitem que os advogados colaborem proativamente com as áreas de negócio das empresas. Eles não se limitam apenas a resolver problemas, mas também conseguem prevê-los e identificá-los antes mesmo que aconteçam.

O advogado amplia sua compreensão sobre o ambiente de negócios em que atua, priorizando uma abordagem centrada no cliente (seja ele interno – de outras áreas de uma mesma empresa, no caso de departamentos jurídicos – ou externo).

A incorporação dos conhecimentos e ferramentas de jurimetria à prática jurídica permite que esse profissional contribua ativamente para a gestão dos negócios, conduzindo análises estratégicas dos dados obtidos e tratados. Com base nas inferências e conclusões, ele poderá fornecer subsídios para decisões importantes.

Quando se consegue obter um grande volume de dados estatísticos, surgem inúmeras oportunidades para definir quais são as melhores estratégias em inteligência de mercado. Afinal, a dinâmica do Judiciário influencia bastante o comportamento do mercado, e não convém ignorá-la.

Em um caso recente, utilizamos inteligência artificial e ferramentas de jurimetria para examinar de forma estratégica um conjunto de processos relacionados a alegações de fraude contra uma companhia. Essa abordagem permitiu otimizar o tempo de análise e obter um resultado altamente eficaz.

Foi possível estabelecer uma política de acordos mais direta e eficaz para redução de passivo judicial – e de custos, ao evitar um prolongamento desnecessário daqueles processos. Além disso, diversas rotinas internas da companhia, desde o arquivamento de determinados documentos até a elaboração de cláusulas contratuais mais protetivas, foram adaptadas à situação vivida pela empresa e aos rumos daquele tema no Judiciário.

Uma das novas áreas de atuação para os advogados mapeadas pelo Cepi da FGV na pesquisa que mencionamos é a de gestão da inovação.

Para que se possa prestar um serviço alinhado a expectativas e necessidades reais dos clientes , sabemos que a inovação requer tecnologia e habilidades pessoais – como pensamento criativo, espírito colaborativo, conhecimento do negócio e do cliente e multidisciplinaridade. É exatamente isso que vemos na aplicação da jurimetria a serviço das áreas de business intelligence das empresas.

Os novos tempos trazem grande transformação no exercício da advocacia e precisamos estar preparados. A existência de ferramentas e métodos estruturados de análise de dados estatísticos e jurídicos permite que os advogados aprofundem sua compreensão sobre a aplicação do direito na prática. Com isso, eles podem ter um papel ainda mais crucial na condução dos negócios e na definição das estratégias, ajudando seus clientes a alcançar resultados favoráveis.

 


[1] Em seu artigo Jurimetrics – The Next Step Forward, Loevinger diz que, “As máquinas podem ser construídas para resolver equações com virtualmente qualquer número de variáveis (...) Por que uma máquina não poderia ser construída para decidir litígios?” (p. 471)