O Poder Judiciário no Brasil enfrenta, há muitos anos, a difícil tarefa de dar vazão ao crescente número de demandas que ingressam nos tribunais a cada dia. Segundo o mais recente levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os tribunais brasileiros encerraram 2015 com quase 74 milhões de processos em tramitação – um aumento de aproximadamente 20% em seis anos. Boa parte desses processos tem causas muito semelhantes, ajuizadas de forma separada por milhares de pessoas para buscar a mesma tutela, com base em uma única tese de direito que se repete em todas elas. São as chamadas “demandas repetitivas”.

Para lidar com esse problema, o novo Código de Processo Civil (CPC) introduziu no ordenamento uma série de ferramentas com o objetivo de racionalizar o tratamento dado às demandas repetitivas. Entre elas, ganhou destaque o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), que permite selecionar uma “causa-piloto”, representativa da controvérsia recorrente e cujo julgamento servirá de parâmetro obrigatório para a solução das demais causas semelhantes. Regulado pelos artigos 976 a 987 do CPC, o IRDR pode ser instaurado sempre que houver efetiva repetição de processos sobre a mesma questão de direito e risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. Uma vez admitido o incidente, o tribunal suspenderá (por até um ano) o andamento de todos os processos semelhantes pendentes que tramitem naquela jurisdição. A decisão tomada deverá ser observada em todos os demais casos que versem sobre aquela questão de direito. Em pouco mais de um ano de vigência do novo CPC, cerca de 21 mil feitos já foram sustados em razão da instauração de IRDR.

Além de facilitar e acelerar a resolução de demandas repetitivas, o IRDR garante previsibilidade, ao evitar que casos materialmente idênticos sejam decididos de modo diferente. Para os grandes litigantes – em geral, empresas que lidam com ações de massa, como bancos, varejistas, companhias telefônicas, entre outros – a novidade deve trazer impactos importantes, já que a decisão proferida no incidente afeta não apenas os casos suspensos, como também os que vierem a ser propostos no futuro. Cria-se, portanto, um parâmetro para definições estratégicas nas empresas com grande volume de processos, inclusive em relação a provisionamento de recursos.

Por se tratar de um instituto novo no ordenamento brasileiro, diversas questões de ordem prática vêm surgindo e é natural que o IRDR tenha mesmo de ser aprimorado até que se preste como ferramenta efetiva no tratamento da litigiosidade repetitiva no país. Um exemplo de questionamento recente é a discussão que chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a respeito do cabimento do IRDR no âmbito dos tribunais superiores. A rigor, o CPC prevê o incidente apenas no âmbito dos tribunais de justiça e tribunais regionais federais, mas não há nenhuma disposição que impeça o seu cabimento também no STF e no STJ em causas de competência originária desses órgãos, por exemplo.

A polêmica começou a ser analisada recentemente pela Corte Especial do STJ, no julgamento da Petição nº 11.838. A relatora do caso, ministra Laurita Vaz, defendeu a restrição do IRDR aos tribunais de justiça e tribunais regionais federais, ficando os tribunais superiores responsáveis apenas pela revisão do mérito do incidente quando um dos legitimados interpuser recurso especial ou extraordinário. O ministro Napoleão Nunes, por outro lado, advogou a plena possibilidade de instauração do IRDR perante o STJ, ressalvando apenas as hipóteses em que a Corte Superior já tiver afetado recurso para a definição de tese sobre a questão de direito em debate. Nessa linha de argumentação, foi acompanhado pelo ministro Luis Felipe Salomão. O julgamento ainda não foi concluído, em razão do pedido de vista feito pelo ministro João Otávio de Noronha.

O texto normativo dá espaço para ambos os entendimentos, pois, se não autoriza expressamente a instauração de IRDR perante tribunal superior, também não a proíbe ou impede em momento algum. Daí a relevância do julgamento em questão para a delimitação do uso do incidente nas situações concretas.