Com a consolidação do uso da arbitragem pela Administração Pública como meio alternativo – e muitas vezes preferível – ao Poder Judiciário para a solução de controvérsias, diversos atos normativos foram editados ao longo dos últimos anos para reconhecer e regulamentar o emprego desse mecanismo para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

A Lei nº 13.129/15 alterou a Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96) para incluir previsão expressa de que “[a] administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis” na Lei de Arbitragem (§1º do art. 1º). No mesmo sentido, a Lei dos Portos (Lei nº 12.815/13) já previa o uso da arbitragem para dirimir litígios com a Administração Pública federal relativos aos débitos das concessionárias, arrendatárias, autorizatárias e operadoras portuárias, enquanto a Lei nº 10.233/01 já previa a possiblidade de inclusão de cláusulas compromissórias em contratos de transporte aquaviário e terrestre celebrados com a ANTT e a Antaq. Mais recentemente, os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo também regulamentaram o uso da arbitragem nos contratos firmados pela Administração Pública direta e indireta estadual e suas autarquias (por meio dos Decretos de nº 46.245/18 e 64.356/19, respectivamente).

Nesse contexto, em 20 de setembro de 2019, foi editado o Decreto nº 10.025 (“Decreto”), que traz novidades importantes sobre o uso da arbitragem para solucionar conflitos envolvendo, de um lado, a União ou entidades da Administração Pública federal e, do outro, concessionários, subconcessionários, permissionários, arrendatários, autorizatários ou operadores nos setores portuário, de transportes rodoviário, ferroviário, aquaviário e aeroportuário.

O Decreto entrou em vigor na data da sua publicação, em 23 de setembro de 2019, e se aplicará, em regra, apenas às arbitragens futuras que decorrerem de convenções de arbitragem celebradas sob sua vigência. No entanto, o legislador incluiu previsão expressa de que contratos administrativos existentes podem ser aditados para incluir cláusula compromissória, ou as partes podem celebrar compromisso arbitral para submeter disputas existentes à arbitragem na ausência de cláusula compromissória (arts. 5º, §3º e 6º, caput do Decreto). Nesses casos, o Decreto dispõe que a Administração Pública deverá dar preferência à arbitragem: (i) “nas hipóteses em que a divergência esteja fundamentada em aspectos eminentemente técnicos”; e (ii) “sempre que a demora na solução definitiva do litígio possa gerar prejuízo à prestação adequada do serviço ou à operação da infraestrutura, ou inibir investimentos considerados prioritários” (incisos I e II do §1º do art. 6º).

Seguindo o disposto na Lei de Arbitragem, o Decreto reconhece que só poderão ser submetidas à arbitragem as controvérsias sobre direitos patrimoniais disponíveis. Mas o Decreto foi além e, por meio do parágrafo único do seu art. 2º, o legislador buscou apresentar lista exemplificativa de direitos patrimoniais disponíveis que poderiam ser objeto de arbitragem, quais sejam: (i) “as questões relacionadas à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos”; (ii) “o cálculo de indenizações decorrentes de extinção ou de transferência do contrato de parceria”; e (iii) “o inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes, incluídas a incidência das suas penalidades e o seu cálculo”.

Além de incentivar o uso da arbitragem, o decreto também prevê que as partes dos contratos administrativos poderão se valer de outros métodos alternativos de solução de controvérsias para resolver suas disputas, como negociação direta com a Administração Pública e a submissão de disputas à câmara especializada de prevenção e resolução administrativa de conflitos da Advocacia-Geral da União (cuja criação está prevista no inciso II do caput do art. 32 da Lei nº 13.140/15).

Em seus arts. 3 a 7, o Decreto disciplina algumas questões procedimentais que devem ser observadas nas arbitragens por ele regidas e orienta a redação de convenções de arbitragem. Entre as regras elencadas no Decreto, destaca-se que:

  • as câmaras escolhidas devem ser credenciadas pela Advocacia-Geral da União (AGU);[1]
  • a legislação aplicável ao mérito da disputa será a legislação brasileira;
  • as arbitragens serão sediadas no território brasileiro;
  • em regra, as informações sobre as arbitragens serão públicas (exceto para preservar segredo industrial ou comercial e as informações sigilosas nos termos da lei) e caberá às câmaras de arbitragem a divulgação das informações sobre as arbitragens, exceto quando houver convenção diversa entre as partes; e
  • deverá ser observado prazo mínimo de 60 dias para apresentação de defesa e prazo máximo de 24 meses para apresentação da sentença arbitral (prorrogável uma vez por período igual).

Ao regulamentar o uso da arbitragem para dirimir conflitos relacionados a contratos administrativos no âmbito de diversos setores de infraestrutura, além de contribuir para desafogar o Poder Judiciário, o legislador confere ao contratante maior segurança jurídica quanto à arbitragem contra a Administração Pública federal e consolida a confiança crescente que vem sendo depositada no instituto da arbitragem, em especial como forma mais célere e especializada para solução de conflitos complexos e de natureza predominantemente técnica. Assim, a medida tem o potencial de incentivar o investimento no Brasil e a contratação com a Administração Pública federal.

No entanto, os particulares que pretendem contratar com a Administração Pública devem atentar para o fato de que os custos das arbitragens regidas pelo Decreto nº 10.025/19 – incluindo as custas da instituição arbitral, os honorários arbitrais e os custos associados à produção de prova pericial – deverão ser adiantados sempre pelo contratado (conforme disposto no caput e no §4º do art. 9º) e somente poderão ser reavidos após a deliberação final do tribunal arbitral. Tal regra pode desestimular ou até mesmo inviabilizar a instauração de procedimento arbitral pela parte privada, sobretudo em se tratando de empresa com baixa liquidez ou insolvente. O ônus financeiro para o contratado se agrava pelo fato que o pagamento de qualquer obrigação pecuniária pela União ou suas autarquias será feito, em regra, via precatório ou requisição de pequeno valor (caput do art. 15).

Para contornar o problema de morosidade associado ao pagamento de obrigações pecuniárias pela União, o legislador previu ainda que as partes poderão acordar que o cumprimento de sentença arbitral condenatória se dará por meio de (i) mecanismos de reequilíbrio econômico-financeiro alternativos à indenização pecuniária; (ii) compensação de haveres e deveres de natureza não tributária; ou (iii) atribuição do pagamento a terceiro. Diante dessas opções, os particulares que contratam com a Administração Pública federal podem prever contratualmente formas alternativas de indenização, para evitar a demora dos pagamentos via precatório.

Acesse a íntegra do decreto nº 10.025/19 aqui.


[1] O decreto prevê que o credenciamento das câmaras arbitrais será realizado pela AGU e dependerá do atendimento dos requisitos mínimos elencados no mesmo dispositivo, entre eles: a câmara deve funcionar regularmente há três anos e ter reconhecida idoneidade e experiência. No entanto, ainda não há informação clara sobre como se dará o credenciamento, o que pode comprometer a implementação das convenções de arbitragem nos termos do decreto.