Ao entender no fim do ano passado pelo restabelecimento da trava bancária, ou cessão fiduciária de recebíveis, que havia sido suspensa pelo juízo de um caso de recuperação judicial, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) levou em conta em sua decisão o conceito de bem de capital previsto no artigo 49, parágrafo 3º, da Lei de Recuperação de Empresas e Falência (11.101/2005) – LRF.

Tal dispositivo legal trata dos créditos que não estão sujeitos à recuperação judicial, entre eles os dotados de garantia fiduciária. A parte final do artigo prevê que, durante os 180 dias de suspensão das ações e execuções contra a recuperanda (artigo 6º da LRF), fica proibido retirar do seu estabelecimento bens de capital essenciais à sua atividade.

A questão da essencialidade do bem nos casos concretos, inevitavelmente, deu margem à discussão sobre a possibilidade de classificar recebíveis como bens de capital, cuja posse deveria se atribuir à recuperanda durante o stay period por força do mencionado dispositivo.

Embora o STJ tenha se manifestado anteriormente no sentido de que recebível não pode ser considerado bem de capital essencial, a discussão foi aprofundada no recurso especial em questão (1.758.746/GO). Analisou-se o conceito de bem de capital essencial e, ainda, se recebíveis poderiam ou não ser enquadrados nele, dado que essa proibição consta da parte final do artigo 49, § 3º, da LRF, que servia de fundamento para que empresas em recuperação judicial pleiteassem na Justiça a suspensão das travas bancárias.

Em síntese, os recorrentes pedidos de “quebra de trava bancária” formulados nas recuperações judiciais fundamentavam-se na necessidade de manter a fonte produtiva, o emprego dos trabalhadores e os interesses dos credores, o que, em tese, demandaria que os recursos financeiros dados em garantia em cessão fiduciária permanecessem na empresa em recuperação judicial para dar a ela fôlego na superação da crise.

Esses argumentos sempre foram bastante questionados, considerando que os recebíveis sequer ficam na esfera patrimonial da empresa em recuperação e, no caso de inadimplemento da dívida, a instituição financeira, que já figura como proprietária fiduciária dos recebíveis, tem direito à transferência imediata da posse e titularidade dos créditos cedidos. O assunto, portanto, sempre gerou controvérsia, inclusive na doutrina e na jurisprudência.

Antes da prolação da decisão no Recurso Especial nº 1.758.746/GO, e dada a recorrência do tema, o ministro relator Marco Aurélio Bellizzi já havia indicado, em outro processo, a necessidade de categorizar os recebíveis que são objeto de cessão fiduciária como bens de capital ou não, enfatizando que essa categorização não poderia ser influenciada pela essencialidade do bem, para não se tornar algo subjetivo, pois, na verdade, deveria ser objetivo.

Por meio do acórdão prolatado no recurso especial, o STJ, em votação unânime, finalmente fixou os critérios para enquadrar bens da recuperanda como bens de capital e, portanto, sujeitos à proteção prevista na parte final do artigo 49, § 3º, da LRF.

De acordo com a decisão, para ser considerado bem de capital, o bem precisa estar na posse da recuperanda, precisa ser corpóreo, e sua utilização não pode significar o esvaziamento da garantia, para que, ao fim do período de suspensão das ações e execuções, possa ser restituído ao credor.

Partindo dessas premissas, o STJ assinalou que o crédito cedido fiduciariamente não é utilizado materialmente no processo produtivo da empresa em recuperação, já que não constitui bem corpóreo, tampouco fica na posse da recuperanda. Com isso, afirmou ser “peremptória a conclusão de que, de ‘bem de capital’, não se trata”. A Corte Superior concluiu também que “não se poderia conferir ao termo ‘bem de capital’ interpretação capaz de tornar insubsistente a garantia fiduciária”.

Sendo assim, por entender que recebíveis não podem ser classificados como bens de capital, o STJ decidiu que não deve se aplicar a proteção prevista na parte final do artigo 49, § 3º, da LRF à trava bancária, devendo prevalecer hígida a garantia, inclusive durante o stay period.

Espera-se que o novo e inédito precedente do STJ aqui analisado sirva de paradigma para os próximos casos em que o tema se apresente, a fim de que a jurisprudência comece a se consolidar no sentido da orientação da Corte Superior, gerando maior segurança jurídica a respeito da questão até então controvertida.

Contudo, mesmo após a prolação do acórdão em questão, a Justiça paulista proferiu decisão em sentido contrário na recuperação judicial da Livraria Cultura (processo nº 1110406-38.2018.8.26.0100, em curso na 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central Cível). No caso, ainda será julgado agravo de instrumento interposto contra a decisão de primeiro grau, confirmada liminarmente pelo desembargador relator do recurso.